Visualizar exames de imagem em 3D, como se observasse um paciente por dentro. Treinar técnicas cirúrgicas com protótipos que que simulam a textura exata de um ser humano. Conter a hemorragia do paciente em uma ambulância em movimento, com os desafios de aplicar a prática médica na realidade do ambiente. Essas são apenas algumas das inovações que a tecnologia traz à medicina, tanto para o ensino como para o dia a dia hospitalar. E, daqui para a frente, médicos, enfermeiros e técnicos devem contar cada vez mais com ambientes de simulação digital e física para, depois, intervir no corpo humano.
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É no que aposta a Csanmek, empresa que cria tecnologias para a área médica e que está ajudando a revolucionar essa fatia de mercado no Brasil. Recentemente, a empresa inaugurou um centro de treinamento em Arujá, Região Metropolitana de São Paulo, para dar o start em uma iniciativa que pretende espalhar pelo Brasil.
No local, treinamentos de equipes de urgência e emergência hospitalar e pré-hospitalar começarão nos próximos meses, envolvendo desde atendentes do SAMU até prestadores de serviço particulares. Universidades também poderão alugar o espaço para treinar alunos com os equipamentos.
De São Paulo, a próxima parada deve ser o interior do Paraná, onde a empresa planeja a implantação do projeto-piloto do que pretende se tornar um centro de referência no País em simulação avançada para educação permanente de profissionais médicos e enfermeiros, oferecendo aprimoramento de técnicas de atendimento de urgência e emergência, por exemplo.
A previsão é ocupar um espaço de 1,2 mil metros quadrados, que oferecerá modelos de simulação realistas, incluindo cenários de acidentes com fogo, eletricidade e simulações de atendimento com ambulância. Em ação, no caso. O equipamento faz movimentos que dão a sensação ao socorrista de como é a realidade de salvar uma vida a caminho do hospital.
O centro de aprendizagem ficará na região de Maringá, noroeste do Estado, e estima-se que seja executado por um grupo de 23 prefeituras. “O objetivo é atender uma ampla gama de profissionais. Se tudo der certo e o piloto for bem-sucedido, haverá a possibilidade de estabelecer mais três centros de simulação semelhantes no Estado”, antecipa Claudio Santana, CEO da Csanmek.
O negócio ainda está em tratativa, mas é possível que, se viabilizado, comece a operar ainda no final deste ano. E que, depois de consolidado no Estado, vire modelo para o restante do país.
As tecnologias que vão compor esses centros educacionais, entretanto, já estão sendo aplicadas há alguns anos em cursos de medicina e hospitais-escola Brasil afora. E dando resultados que projetam um novo jeito de fazer medicina no futuro.
Da gestão hospitalar à educação
Claudio Santana virou executivo depois de partir da gestão hospitalar na área governamental. O motivo foi a inquietude quanto às infinitas aplicações que a tecnologia pode fornecer para a área médica. E a visão de que tudo isso podia ser nacionalizado para não depender tanto de soluções de fora.
Depois de 18 anos fazendo automação de hospitais para o governo de São Paulo, começou a ter contato com pessoas que trabalhavam com educação médica e que relatavam a dificuldade em adquirir equipamentos importados. “Eram muito caros e, quando chegavam aqui, já estavam obsoletos”, lembra.
Em uma das primeiras iniciativas, conheceu uma empresa europeia que trabalhava com uma mesa anatômica. E percebeu que o equipamento poderia fazer mais, já que não atendia, por exemplo, à metodologia educacional brasileira. “Eles me disseram que, se eu quisesse, poderia desenvolver algo por conta, mas eles não tinham interesse. Vendi meu carro, peguei dinheiro emprestado e arrumei sócios. Hoje estamos presentes em 171 universidades de medicina no Brasil e em 10 países”, conta o CEO. E Claudio virou um dos principais concorrentes da empresa que recusou a solução.
Tecnologias que permitem planejamento cirúrgico
A primeira tecnologia criada pela Csanmek foi uma plataforma 3D interativa, com funcionalidades que permitem ao médico visualizar exames de imagem sob uma nova perspectiva. O equipamento era inicialmente usado para fins educacionais, já que permitia mostrar aos alunos de medicina variações anatômicas de pacientes e ajudava a diminuir o uso de cadáveres nas universidades.
Mas foi questão de tempo chegar aos hospitais-escola e, a partir dali, ter o uso ampliado para planejamento cirúrgico avançado em 3D. Em uma tela grande e interativa, estudantes e médicos navegam por uma lista de tomografias de pacientes reais e veem detalhes internos de seus corpos. Um desenho perfeito do corpo por dentro pode ser feito a partir dos exames, já que estes fornecem escalas de dimensões precisas.
“Imagine que, antes de abrir o corpo do paciente, você conhece cada artéria, veia e músculo”, explica Santana. É possível, por exemplo, ver se uma artéria está um pouco mais ao lado do que se espera, ou visualizar o tamanho exato dela naquele determinado paciente. “Evita-se surpresas e, consequentemente, possíveis complicações cirúrgicas.”
Em pacientes de trauma, pode-se fazer uma análise osteomuscular manipulando e removendo tecido na imagem da forma como o médico imagina que faria no paciente. “Podemos identificar quais músculos foram lesionados e fazer um planejamento cirúrgico de forma a realizar apenas os cortes necessários”, exemplifica Claudio Santana.
Protótipos no lugar de cadáveres
Junto com a planta virtual, a empresa investiu no recurso de usar biomodelos - ou protótipos que se assemelham a bonecos hi-tec - para substituir cadáveres nas disciplinas de anatomia e fisiologia das universidades.
Estes “corpos artificiais” têm textura, densidade e dimensões semelhantes às de um ser humano vivo. “O que aproxima muito da sensação de trabalhar com um ser vivo e funciona melhor do que trabalhar com um cadáver, que possui textura, densidade e coloração diferentes”, diferencia o executivo.
Eles também permitem substituir animais no ensino de técnica cirúrgica, oferecendo uma experiência mais próxima da realidade que o médico vai encontrar. Segundo Claudio Santana, existem empresas europeias e americanas que desenvolvem propostas semelhantes, mas a custos mais altos.
Os valores dos protótipos, aliás, são bastante inferiores aos de cadáveres. “Em vez de pagar R$ 500 mil por um cadáver, por um quinto desse preço é possível fazer mais e reproduzir a mesma situação para todos os alunos. Afinal, onde uma universidade conseguiria 100 apêndices inflamados para treinamento em técnicas cirúrgicas de apendicectomia? Com o modelo biossintético todos os alunos podem realizar o treinamento com a mesma situação”, enfatiza.
Embora muitos especialistas concordem que modelos biossintéticos oferecem os mesmos benefícios que um cadáver perfeito, a substituição de modelos artificiais por corpos reais ainda é polêmica. Por isso, Claudio defende que os protótipos sejam usados antes de partir para os cadáveres. “Afinal, após a dissecação, o cenário perfeito desaparece”, explica.
Nas ambulâncias de treinamento, os modelos permitem inclusive simular situações recorrentes enfrentadas pelos intensivistas. “Colocamos corpos com múltiplas fraturas, corpos que precisam de ressuscitação e com hemorragia. Fica muito fácil simular qualquer cenário.”
Médicos avaliam aplicações
As tecnologias de visualização e experimentação tridimensional vêm desempenhando um papel fundamental no aprimoramento do ensino nos cursos de medicina, na avaliação de médicos e professores.
A Faculdades Pequeno Príncípe, em Curitiba, é uma das 6 instituições de ensino do Paraná que usam a plataforma 3D. Leila Grizza, cirurgiã pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe e professora de Anatomia da faculdade, destaca que algumas estruturas podem ser difíceis de demonstrar em um cadáver, e é aí que as ferramentas tridimensionais entram em cena, complementando o aprendizado.
"Podemos visualizar e isolar partes específicas, como o sistema vascular, por exemplo, excluindo os aspectos musculares e ósseos. Isso proporciona aos alunos uma visão geral e abrangente de todo o sistema circulatório", explica Leila.
Rosângela Fedatto, médica ortopedista, traumatologista e também professora de Anatomia da instituição, acrescenta que o uso das tecnologias tridimensionais facilita a compreensão dos alunos, que muitas vezes encontram dificuldade em relacionar as imagens bidimensionais dos livros com a realidade tridimensional do corpo humano.
"Às vezes, eles têm dificuldade em entender que um músculo não está simplesmente ao lado do outro, mas um pouco acima ou abaixo. Ao trazer esses conceitos para um modelo 3D, os alunos conseguem compreender melhor. Nos livros, parece que tudo está lado a lado, e eles têm dificuldade em visualizar isso na realidade", destaca.
Outra vantagem é unir o ensino da anatomia ao da fisiologia, ou seja, a visualização do formato dos componentes do corpo humano à maneira como eles funcionam. Como as chamadas bulhas cardíacas, ou sons do coração.
Leila Grizza exemplifica ainda a facilidade que a ferramenta trouxe na visualização de estruturas difíceis de identificar em peças anatômicas, como a região inguinal - a virilha. “É como se fosse camadas de uma cebola. Uma região complexa de ser compreendida apenas com recursos tradicionais.”
Comparado à época em que eram estudantes, as médicas avaliam alternativas como essas como revolucionárias. “Era muito difícil integrar a figura do livro ao cadáver. A gente acabava aprendendo na prática, em cirurgia. Um aprendizado até um pouco mais tardio. Diferente de agora, em que os alunos conseguem não apenas aprender, mas apreender, e muito mais precocemente”, considera Rosângela.
O estudante de medicina Vinícius Hoffmann, que começou o aprendizado já nessa realidade, nem imagina como seria a prática médica sem recursos como estes. “No papel a gente não tem possibilidade de ver em 3 dimensões e no cadáver se perde muito do fisiológico, porque tem vida útil determinada. Assim fica mais fácil manter a fidelidade ao que está vivo e a gente tem um aprendizado melhor, porque a medicina depende muito da anatomia e da fisiologia para a compreensão do todo”, diz o estudante do 5º período.
O sonho de democratização da tecnologia não para por aí. Entre os próximos objetivos do CEO da Csanmek está a disponibilização de plataformas portáteis em consultórios, para que médicos planejem as cirurgias de seus pacientes assim que receberem seus exames. “A maior barreira é a resistência à tecnologia. Ela pode ser acessível financeiramente, o problema é a cultura de trabalhar com o passado. Mas os médicos que saem das universidades, hoje, tendem a mudar isso rapidamente”, acredita Claudio Santana.
A exemplo de Vinícius, que pretende se tornar cirurgião. “Acho que o médico de hoje é diferente. A gente tem a evolução nas mãos de como ver o paciente. E com a tecnologia mais acessível, temos cada vez mais facilidade de chegar aonde antes os médicos não chegavam.”
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