Sem previsão de um desfecho, o setor de energia elétrica acompanha com apreensão as negociações do Anexo C do Tratado de Itaipu entre Brasil e Paraguai e as consequências do acordo diplomático para resolução do impasse com impacto na conta de luz dos consumidores brasileiros.
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Com a quitação da dívida bilionária adquirida para construção da usina, em fevereiro do ano passado, a expectativa era de queda no valor da tarifa cobrada pelo Paraguai, que fornece parte de sua cota ao Brasil.
Porém, a tendência não foi confirmada, apesar de o tratado prever que o cálculo deve ser realizado com base nos custos de manutenção e operação. No último encontro entre os países, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, apresentaram a proposta brasileira de US$ 14,77 por kilowatt diante do valor de US$ 22,60 proposto por representantes do presidente Santiago Peña. Não houve consenso entre as partes.
Diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria afirma que as propostas paraguaias acima dos US$ 20 teriam custo adicional de aproximadamente R$ 3 bilhões por ano, pagamento feito pelos consumidores brasileiros, por meio da conta de energia elétrica, sendo que a expectativa era, justamente ao contrário: de queda na tarifa.
“A previsão era de diminuir o valor cobrado pelo Paraguai entre US$ 8 e US$ 10 [por kilowatt (kW)], o que ainda não aconteceu. Definitivamente, o que foi apresentado até o momento não atende a expectativa de que, daqui para a frente, Itaipu trabalhe com uma tarifa que leva em conta apenas os custos de operação e manutenção da usina”, analisa Faria.
Na avaliação dele, o Brasil precisa manter uma postura firme de não aceitar o aumento de preço imposto pelo Paraguai. O analista também defende que o governo brasileiro tem uma posição favorável nas negociações por causa da estrutura energética do país.
“No Brasil há uma sobreoferta estrutural de energia, o que dá um poder de negociação com os paraguaios, com produção para os próximos três anos, pelo menos”, opina o diretor-presidente da Anace. “Se uma geradora não entrega o previsto em contrato no Brasil, ela tem que se socorrer no mercado e comprar energia para atender o que está em contrato. Essa posição é a que o Brasil deveria assumir com o Paraguai”, acrescenta.
Ele é da opinião que a Itaipu Binacional não deve financiar obras públicas de infraestrutura, como a Ponte da Integração. De acordo com ele, estradas, projetos e outras iniciativas acabam sendo financiados pela tarifa de energia elétrica paga pelos consumidores brasileiros do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. “Isso também não deve fazer parte dos custos de Itaipu a partir deste momento. Já não deveria fazer parte no período anterior. Daqui para frente, se novas obras forem feitas, devem ser custeadas por outras fontes, não com recursos da conta de energia do consumidor brasileiro.”
Usinas nacionais possuem melhores preços do que hidrelétrica de Itaipu
Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil, Richard Hochstetler apresentou dados que apontam que o custo da energia de elétrica da Itaipu Binacional é maior do que a média cobrada pelas usinas brasileiras mais recentes.
Segundo a última revisão tarifária para distribuidoras, o custo por megawatt-hora era de US$ 226 na Equatorial Energia Goiás com média de US$ 192 por usinas no sistema de cotas. Já nas usinas de Belo Monte e Madeira, o valor cobrado era de US$ 147. “A hidrelétrica de Itaipu tem um custo mais caro do que as usinas mais recentes. E subir ainda mais do que a média no valores de 2023, se a proposta do Paraguai for aceita pelo Brasil”, alerta.
Ele também pondera sobre o uso dos recursos para investimentos no Paraná, Mato Grosso do Sul e Paraguai, sendo que as melhorias são custeadas por consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste e não teriam relação com a tarifa da usina, com cálculo atrelado ao custo operacional e de manutenção.
Especialista descarta rompimento de Tratado de Itaipu e aposta em diplomacia
Advogada de Direito da Energia e especialista em questões regulatórias, Maria João Rolim explica que as diferentes interpretações sobre as cláusulas do Anexo C sobre o custo da energia e do excedente são os principais pontos de debate entre Brasil e Paraguai. Na avaliação dela, os países precisam adotar uma postura diplomática, principalmente pela natureza bilateral do Tratado de Itaipu, diferente da discussão envolvendo contratos com possibilidade de rompimento.
“É uma questão de negociação, diplomática, não é meramente a discussão de cláusulas contratuais. Um tratado pressupõe que os dois países querem fazer parte de boa fé. Além disso, não é o Tratado de Itaipu (como um todo) que está sendo discutido, e sim apenas o Anexo C. Uma das partes pode romper e dizer que não quer mais, no entanto, isso é muito difícil de acontecer porque a usina está lá e deve manter a produção com as regras estipuladas. Agora, o impasse no preço pode até ser considerado natural”, pondera.
Ela lembra que o Brasil não pode tomar medidas unilateralmente, o que exige a continuidade do processo de negociação, sem a “falsa ideia” de aplicação de uma menor tarifa imediata com impacto na conta de energia elétrica. “A estrutura de governança de Itaipu foi montada para ser bilateral, com decisões em comum acordo e igualdade. Então, envolve muita diplomacia. Sociedade que não tem um majoritário, quando chega a um impasse exige um consenso entre as partes”, ressalta.
Por outro lado, Rolim lembra que a negociação deveria ter sido concluída em 2023 e a demora em chegar a um acordo provoca incertezas no setor e apreensão dos consumidores com o impacto na conta de luz.
“Quando um não quer, dois não fazem. O Paraguai pressiona não passar a parte do Brasil e negociar com outros países. Isso é um pouco controvertido. Claro que existe a soberania do Paraguai, mas o tratado fala que a parte não consumida pelo Paraguai deve ser vendida ao Brasil. A questão é: ele tem que vender para o Brasil ou pode ficar com essa parte como o Paraguai tem feito, alegando o uso para fazer hidrogênio verde, por exemplo. Esse 'tem' é ter de obrigação ou é um tem que pode?”, questiona.
A interpretação das cláusulas também é discutida em relação ao excedente da usina acima da potência contratada pelos parceiros e o destino da energia que possui preços abaixo do mercado. “Se fosse uma usina dentro do Brasil, regulada pela lei brasileira, esse excedente seria liquidado na CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica]. Como vem do tratado, têm interpretações diferentes sobre o excedente, o que motiva mais uma controvérsia na negociação.”
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