Em julho de 2018, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (DEM), anunciava no Facebook o início das obras da trincheira da avenida Nossa Senhora Aparecida com a rua General Mário Tourinho, no bairro Seminário. No post, Greca dizia que o prazo para execução da obra, "um dos principais gargalos da linha Interbairros 2", era de 18 meses.
Quase um ano depois, a obra que ajudaria no fluxo de carros nas direções norte-sul e leste-oeste ainda nem começou a ser realizada. Em janeiro de 2019, tapumes chegaram a ser colocados na região, bloqueando parte da Mário Tourinho, mas os trabalhos não foram iniciados. Agora, nem mesmo o bloqueio está no local. A prefeitura diz que ainda não há previsão para que a obra seja retomada.
O motivo para o adiamento se relaciona ao projeto da trincheira. De acordo com a prefeitura, ao começar os trabalhos, o consórcio vencedor da licitação - constituído pelas construtoras Triunfo e TCE Engenharia - se deparou com a falta de um dos materiais que seria utilizado: uma estaca metálica que seria produzida somente por uma empresa da Europa.
"A empresa comprovou que a estaca levaria no mínimo 150 dias para chegar e, além disso, que não se tinha garantia de que todas as estacas necessárias seriam entregues. A prefeitura ficaria completamente vulnerável e achou que a obra não poderia esperar esse tempo todo", explica o secretário de Obras Públicas, Rodrigo Rodrigues.
Por causa do problema, o caso foi encaminhado para o consórcio Falcão Bauer/ECR, que tem um contrato de supervisão de obras com a prefeitura. Para readequar o projeto, a prefeitura pagou R$ 135,6 mil, segundo informações obtidas pela reportagem via Lei de Acesso à Informação.
Agilidade que virou problema
O imbróglio envolvendo a obra contrasta com a justificativa da própria prefeitura para apostar em uma nova solução de engenharia no caso da trincheira do Seminário. Em Curitiba, a maior parte das obras desse tipo é feita em concreto, e não em metal.
A própria prefeitura já tinha um projeto pronto para a trincheira, que seria feita em concreto. A proposta, de 2007, foi contratada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippuc).
Em resposta encaminhada à reportagem via Lei de Acesso à Informação, a Secretaria Municipal de Obras Públicas (SMOP) justifica que o projeto em concreto foi descartado em 2015, "na busca de maior agilidade e rapidez na execução da obra e de menor interferência na circulação da região".
O novo projeto - com as estacas metálicas em falta no mercado - é assinado pelos engenheiros Eduardo Ratton e Edu José Franco, professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membros do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI). O serviço foi realizado por meio de um convênio de cooperação técnica, que não teve custos para a prefeitura.
Em fevereiro deste ano - quando a obra já deveria ter sido iniciada -, Greca chegou a visitar o ITTI para tratar do projeto da trincheira. A notícia divulgada no site do instituto informa que a entidade ligada à UFPR fará o acompanhamento da evolução da obra, "antevendo soluções para possíveis problemas".
"A universidade só está nesse processo porque é um tipo de obra inovador em Curitiba. Sabemos que vai diminuir o tempo de execução, mas vamos acompanhar e medir isso", explica Ratton, que é coordenador de projetos do ITTI.
O professor, inclusive, afirma que fez a readequação do projeto diante do problema com as estacas, sem custo para a prefeitura. O Executivo, por sua vez, diz que não houve a mudança e que, por isso, contratou as alterações no projeto por R$ 135,6 mil, conforme as informações obtidas via Lei de Acesso à Informação.
"A UFPR é uma instituição parceira da prefeitura, mas nessa linha do tempo o professor pode ter se equivocado - até porque isso se desenrola há algum tempo. Não faria sentido ficarmos com a obra parada se tudo estivesse pronto", diz o secretário de Obras.
Questionada, a Caixa Econômica Federal, que financia a obra, informou que foi procurada pela prefeitura no dia 30 de abril, solicitando a reprogramação. "A análise foi efetuada, restando algumas pendências documentais para a conclusão do processo junto ao banco", diz nota encaminhada pela instituição.
Vantagens técnicas custam mais caro
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo confirmam que o uso de pranchas metálicas nesse tipo de obra pode, sim, ser mais vantajoso do ponto de vista estrutural. A execução mais rápida, porque não é preciso esperar o tempo da cura do concreto, e a utilização de menos espaço para a estrutura estão entre os benefícios.
O modelo, entretanto, tem uma desvantagem importante: o preço. E a prefeitura pagou caro para fazer a trincheira em metal e não em concreto.
O valor cobrado pelo consórcio vencedor da licitação se aproxima dos R$ 12,5 milhões - e ainda há a possibilidade de a obra ficar mais cara por causa da mudança nas estacas utilizadas, sem contar o preço da readequação do projeto.
A prefeitura recebeu, nesse processo licitatório, uma proposta com valor menor, de R$ 11,8 milhões, da construtora Terpasul - ou seja, uma diferença de aproximadamente R$ 660 mil. A empresa, entretanto, foi desclassificada justamente porque não tinha o acervo técnico necessário para a realização da obra em metal, mesmo tendo a experiência para realizar a trincheira em concreto.
Procurada, a Terpasul - contratada pela prefeitura para outra obra, na Linha Verde - reclamou do que seria um tratamento desigual do Executivo municipal. Segundo a empresa (veja nota completa abaixo), a prefeitura vem notificando a construtora pelo descumprimento do cronograma da obra da Linha Verde, mesmo com inconsistências no projeto. "Paradoxalmente, na trincheira da Mário Tourinho a prefeitura não somente admitiu falhas no projeto, como adiou o início do serviço pela empresa contratada".
A prefeitura, por sua vez, diz que as notificações se referem ao atraso no cronograma das frentes de trabalho que não precisam de ajustes de projeto. "Obras de engenharia de grande porte em áreas urbanas estão sujeitas a modificações em função das condições locais, sejam de solo, interferências externas, entre outras. Nesses casos, as correções são feitas e os custos aditados nos contratos, obedecendo os limites da lei", diz o texto encaminhado pela SMOP à reportagem.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a construtora Triunfo informou que não se posicionaria porque o assunto é "de responsabilidade da prefeitura de Curitiba".
Veja a íntegra da nota da Terpasul, empresa desclassificada da licitação para a trincheira:
A Terpasul, empresa que ganhou a licitação para executar a obra Linha Verde Norte 4.1, questiona o fato de atualmente estar sendo notificada pela Prefeitura por descumprimento de cronograma: sendo que para cumprir o cronograma a empresa depende de resposta oficial da PMC sobre as inconsistências que existem no projeto (que é de responsabilidade da Prefeitura) para então conseguir executar a obra. Paradoxalmente, na trincheira da Mario Tourinho a prefeitura não somente admitiu falhas no projeto como adiou o início do serviço pela empresa contratada.
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná
Deixe sua opinião