A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiu, por unanimidade, na tarde desta quinta-feira (12), mudar a relatoria das ações penais relacionadas aos Diários Secretos, esquema de desvio de recursos da Assembleia Legislativa, revelado pela Gazeta do Povo e pela RPC. Com isso, os processos saem das mãos do desembargador José Maurício Pinto de Almeida. O relator é escolhido por distribuição aleatória e fica encarregado de analisar com profundidade o caso e redigir votos, que servem de diretriz para a decisão de outros magistrados.
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Os magistrados acataram o recurso de um dos réus do caso, mas a pedidos semelhantes de outros envolvidos, como o ex-diretor-geral da Assembleia, Abib Miguel, conhecido como Bibinho, que está preso no Complexo Médico Penal. Em tese, todas as decisões relacionadas ao caso, como processos conexos e pedidos de habeas corpus, deixam de ser relatadas por Almeida.
Os processos penais e recursos relacionados aos Diários Secretos tramitam na 2ª Câmara Criminal do TJ-PR, que tem a atribuição de julgar crimes praticados por servidores públicos. Quando há alguma divergência, a revisão é feita pela 1ª Câmara Criminal. O recurso caiu para o desembargador Clayton Camargo, escolhido relator para revisar a decisão anterior.
O advogado Alessandro Silvério, em sustentação oral, alegou que o Regimento Interno do TJ-PR é claro sobre a troca de relatoria em caso de voto vencido do relator e também citou situações semelhantes em cortes superiores. O Ministério Público se posicionou pela manutenção da relatoria, sob o argumento de que a troca desrespeita o Código de Processo Civil e o princípio do juiz natural, que estabelece que o magistrado acompanhe o caso depois de ser escolhido por distribuição.
Depois das manifestações das partes, Clayton Camargo votou pela troca de relatoria e foi acompanhado, por unanimidade, pelo restante do quórum, formado pelos magistrados Pacheco de Macedo, Benjamin Acácio de Moura, Sergio Luiz Patitucci e Marcio Tokars.
Entenda o caso
A discussão envolve aspectos técnicos. Por ter recebido, por distribuição, o primeiro recurso que chegou ao TJ-PR, ainda em 2010, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida acabou sendo o relator do caso. É o chamado princípio do juiz natural, conceito jurídico que envolve a prevenção de que as partes saberão quem julgará a situação. Ele acabou sendo vencido, ou seja, em alguns julgamentos da 2ª Câmara Criminal o voto de outro desembargador prevaleceu na decisão.
A questão em análise no TJ-PR é da Operação Argonautas, um desdobramento dos Diários Secretos, que apura lavagem de dinheiro a partir de bens bloqueados pela Justiça. Bibinho está preso em consequência da Argonautas, em uma medida preventiva que considerou que ele estava descumprindo ordens judiciais e reincidindo em crimes, enquanto estava solto.
Contestação
O Ministério Público do Paraná acredita que a mudança de relatoria em caso de voto vencido fere o princípio do juiz natural. Em vários pareceres e recursos de procuradores e promotores, o entendimento é de que a substituição conflita com o Código de Processo Civil (CPC), na edição de 2015, especialmente no artigo 930. Por isso, o MP-PR estuda ajuizar uma ação de inconstitucionalidade para a troca de relatoria.
Quem também se manifesta sobre o caso é o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Leonir Batisti. “O prejuízo mais básico que eu vejo é o descumprimento da Constituição, com a violação a um princípio fundamental que é o direito de ser julgado por um juiz a quem foi distribuído o caso aleatoriamente”, comenta. Ele acrescenta que o TJ do Distrito Federal tinha um entendimento semelhante ao do Paraná e mudou seu regimento, recentemente.
Um dos principais especialistas em Código de Processo Civil, o advogado e professor Luiz Guilherme Marinoni, não vê inconstitucionalidade na regra adotada no regimento do TJ-PR, mas, ao analisar a situação em tese, argumenta que a regra pode não ser a mais adequada, principalmente porque pode tirar o magistrado do colegiado encarregado de julgar os casos antes atribuídos a ele.
Para Marinoni, a troca pode trazer insegurança jurídica, uma vez que o princípio do juiz natural serve para dar previsibilidade sobre quem vai analisar o caso. “É justamente passar o bastão a outro, como se tivesse num caso com vários relatores, sem ter a certeza de quem vai atuar nos recursos subsequentes”, diz.
Segundo o presidente do TJ-PR, Adalberto Xisto Pereira, o assunto foi debatido na comissão de regimento, que se posicionou pela regularidade da norma adotada no judiciário paranaense. Ele afirma ainda que cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF), têm a mesma regra – de mudança de relatoria em caso de voto vencido. Ele mencionou inclusive que o ministro Félix Fisher, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) herdou a relatoria da Operação Lava Jato em função do voto vencido do relator anterior.
Xisto Pereira ainda argumentou que a substituição é praxe no TJ-PR, tanto nos processos cíveis como criminais, e que as mudanças de relatoria são automáticas em caso de voto vencido, com a exceção de eventuais problemas técnicos ou de insistência do relator que não teve o voto acatado na decisão. Nos últimos anos, outras operações importantes, de grande repercussão, já mudaram de mãos. Foi o caso da Quadro Negro e da Publicano, ambas herdadas pelo desembargador Francisco Pinto Rabello Filho.
Há ainda dúvidas sobre quem deve assumir a relatoria dos Diários Secretos, a partir da decisão da 1ª Câmara Criminal. É que, no passado, um dos votos divergentes que prevaleceu foi do desembargador Laertes Gomes. Mais recentemente, posições adotadas por Rabello é que restaram vencedoras. Durante a votação na tarde desta quinta-feira (12), os magistrados indicaram que Rabello deveria herdar a relatoria.
Retrospecto
A 1ª Câmara Criminal reavaliou recentemente duas decisões da 2ª Câmara relacionadas aos Diários Secretos, anulando sentenças condenatórias por considerar ilegal uma das operações que apreendeu documentos na Assembleia Legislativa. Também na 1ª Câmara, o desembargador Miguel Kfouri, em outro pedido semelhante, encaminhou o entendimento do colegiado pela perda de relatoria em caso de voto vencido.
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