O Brasil, terceiro maior país em cultivo de grãos atrás da China e Estados Unidos, é o maior importador do planeta de adubos e fertilizantes com uma demanda que cresce diante do aumento produtivo de cereais, enquanto a indústria nacional dos insumos é tímida e sem perspectivas de avanço significativo para os próximos anos.
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Em 2023, o Brasil produziu apenas 6,8 milhões de toneladas destes produtos, mas precisou de 45,8 milhões de toneladas para abastecer as lavouras. Assim, o mercado nacional importou 85% dos fertilizantes provenientes de outros mercados, com destaque para a China, a Rússia e o Canadá. As compras internacionais somaram 42 milhões de toneladas mantendo um pequeno estoque regulador no setor.
Para as transações internacionais, os produtores brasileiros do agro destinam cerca de US$ 25 bilhões – mais de R$ 130 bilhões – por ano, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Esses itens são os que mais pesam ao custo de produção: 30% de tudo que o se gasta para o cultivo das lavouras correspondem a adubos e fertilizantes, mas a participação do insumo no custo da soja e do milho, principais grãos semeados no país, é ainda maior.
O profissional do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep/Senar), Bruno Vizioli, lembrou que a importação de fertilizantes representa 40% do custo total de produção de soja e quase 50% no milho.
Em 2024, os números do mercado interno devem se manter próximos ao desempenho da indústria brasileira de fertilizantes e adubos no ano passado, enquanto a demanda promete chegar a 47,2 milhões de toneladas, com base nas análises da consultoria StoneX Brasil. De janeiro a junho deste ano, segundo o Mdic, o Brasil importou quase 18 milhões de toneladas, mas promete se acentuar neste segundo semestre, com a aproximação do cultivo de verão. A soja passa a ser plantada no país a partir do mês de setembro.
Em quatros anos, dependência de adubos e fertilizantes aumenta quase 23%
Segundo o Anuário Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre 2019 e 2023, as importações avançaram quase 23%. No primeiro ano da avaliação, o Brasil comprou 34 milhões de toneladas e no ano passado foram 42 milhões de toneladas. Em 2024, a perspectiva é de novo recorde na importação, enquanto a produção nacional se mantém próxima à estagnação.
Mas por que o Brasil não consegue avançar na produção destes produtos, essenciais para cultivos de commodities? O head de fertilizantes da StoneX Brasil, Marcelo Mello, avalia que o principal fator é que custa mais a produção nacional do que a importação. Ele lembra da dificuldade no acesso aos componentes químicos para o chamado NPK, usados nos principais fertilizantes das lavouras brasileiras compostos por nitrogênio, fósforo e potássio.
Segundo o consultor, o nitrogênio é caro para obtenção industrial em território brasileiro, obtido comumente da destilação fracionada do ar atmosférico na forma líquida. Também há deficiência logística, tanto para extração quanto para o transporte. “Produzir nitrogênio no Brasil é prejuízo na certa e a Petrobras [com a retomada de plantas] vai absorver esse prejuízo”, descreveu ao avaliar outro ponto que pesa: a elevada carga tributária à operação.
“Com a estrutura de imposto e ineficiência logística muito grande, não se resolve isso em um ano, então essa produção no Brasil é um mau negócio”, completa.
Quanto aos outros componentes, há alternativas, mas questões burocráticas encaressem o processo. “O potássio foi encontrado [em maior quantidade] no meio da Amazônia em um projeto polêmico envolvendo questões ambientais e é caro. Até agora não fluiu e para o Brasil levar adiante falta uma parte chave que é o financiamento”, pondera.
Extração de potássio da Amazônia: R$ 1 bilhão a cada milhão de tonelada
Além dos aspectos ambientais, que segundo Mello pesam muito, o projeto para extração de potássio na Amazônia tem um orçamento elevado: R$ 1 bilhão em investimentos a cada um milhão de tonelada produzida. “Somente de potássio, o Brasil precisa de 13 milhões de toneladas por ano. Ninguém financia sozinho um projeto desse porte, mesmo os bancos estatais não assumem os riscos e precisaria de dinheiro internacional”, afirma o responsável pelo setor de fertilizantes da StoneX Brasil.
Para o especialista, os investidores estrangeiros podem resistir ao projeto por conta da imagem atrelada às questões ambientais, o que torna o processo de atração do capital mais complexa.
Por outro lado, o fósforo está disponível em maior quantidade, apesar de longe da autossuficiência. As maiores jazidas estão nas regiões de Minas Gerais e Goiás. “As concentrações não são espetaculares, mas são boas e com vantagem logística. Não temos suficiente para a nossa produção, mas em torno de 30% da necessidade. O potássio não chega a 2% e o nitrogênio, se a Petrobras ligar tudo [todas as fábricas paralisadas ou inacabada] podemos produzir algo em torno de 20% a 30%. Por isso, dependemos dos produtos de outros países”, analisa.
Plano ousado mira produção interna de 45% a 50% de fertilizantes nacionais até 2050
Em março deste ano, durante a inauguração do Complexo Mineroindustrial da EuroChem, em Serra do Salitre (MG), que vai produzir um milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados por ano destinado, exclusivamente, ao mercado interno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que o Brasil precisa reduzir a dependência do mercado internacional. O país mira um plano ousado para chegar, até 2050, entre 45% e 50% dos adubos e fertilizantes de produção nacional para atendimento do agro brasileiro.
“Acho importante termos uma meta ousada para avançarmos, mas acredito que seja muito difícil alcançá-la. Aumentamos em torno de 3% a 5% nosso consumo anual de fertilizantes e adubos e diante do que temos previsto para os próximos anos, só o que avançaremos na produção, se todas as fábricas da Petrobras entrarem em funcionamento, vai suprir somente nosso aumento de consumo no período”, avalia o consultor Marcelo Mello.
O complexo integra a extração do fosfato, matéria-prima principal e a produção de fertilizantes granulados. Além de um milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, a planta produzirá um milhão de toneladas anuais de ácido sulfúrico e 240 mil toneladas de ácido fosfórico, subprodutos usados no processo de produção do próprio fertilizante, informou o Ministério da Agricultura (Mapa).
Quatro plantas industriais empacadas para a produção de fertilizantes
As plantas da Petrobras que podem produzir adubos e fertilizantes são a de Três Lagoas (MS), que segue inacabada há quase uma década e que ainda precisa de recurso bilionário para ser finalizada, a de Araucária, no Paraná, que a companhia anunciou a retomada das operações em 2025, e as plantas em Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE).
As duas últimas foram arrendadas para um grupo que sofre financeiramente para manter a operação. As plantas estão em um imbróglio jurídico para que a companhia possa retomar à operação e o envio de gás para que as indústrias processassem e produzissem ureia devolvendo à Petrobras para que formalizasse a venda chegou a ser cogitado, mas um despacho do Tribunal de Contas da União (TCU) de janeiro deste ano travou o processo.
A avaliação é que a operação pode gerar prejuízo significativo à estatal. “De todo jeito, o governo jogou para a Petrobras a produção nas demais fábricas e vai ter que assumir o prejuízo. O governo quer a retomada da produção de adubos e fertilizantes pela Petrobras, então esse prejuízo virá”, alerta o consultor.
Dependência brasileira arrisca fornecimentos de alimentos aos mercados internacionais
Para Bruno Vizioli do Sistema Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep/Senar), a dependência do setor ao produto importado também reflete na segurança alimentar. “É preciso avaliar cenários. Se houver problemas com nossos principais fornecedores, nossa produção fica ameaçada e, consequentemente, o fornecimento de alimentos para o mundo também. Por mais que seja difícil e cara a produção interna de adubos e fertilizantes, precisamos ter planos e metas que possam ser alcançadas”.
O Paraná é o terceiro estado que mais consome fertilizantes com 13,7% do total importado. Perde apenas para o Mato Grosso com 16,6% e o Rio Grande do Sul com 15,7%.
A retomada das atividades da fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa), em Araucária, na região de Curitiba, pode ter pouco impacto no campo apesar da capacidade de produção de 720 mil toneladas de ureia e 475 mil toneladas de amônia por ano, além de 450 mil m³/ano de Agente Redutor Líquido Automotivo (Arla 32), produto utilizado para reduzir as emissões de veículos a diesel.
“Não muda nada para o produtor. A fábrica não vai vender [a ureia] direto para o produtor, vai vender para o setor de adubos. Nós vamos fazer a conta se vale a pena comprar ou se importar é melhor”, apontou o presidente do Sindicato da Indústria de Adubos e Corretivos Agrícolas no Estado do Paraná (Sindiadubos), Aluísio Schwartz Teixeira em material temático veiculado pela Faep.
Portos do Paraná recebem 30% dos adubos e fertilizantes importados
A maior parte de adubos e fertilizantes comprados do mercado externo pelo Brasil entra pelos portos de Paranaguá e Antonina no Paraná. Segundo o Anuário da Conab, em 2019 os portos receberam 9 milhões de toneladas e o volume saltou para 10,5 milhões de toneladas no ano passado.
Apesar de ser um gigante nas importações de adubos e fertilizantes, o Brasil também exporta os produtos. O volume é tímido, mas representou no ano passado 386 mil toneladas destinadas a outros países. As vendas somaram US$ 250,2 milhões – R$ 1,4 bilhão. Neste ano, de janeiro a junho, foram 221 mil toneladas somando US$ 122 milhões, próximo de R$ 700 milhões.
“Essas exportações são explicáveis e normais. A maior parte do que vendemos vai para nossos vizinhos, como o Paraguai, que também não produz esses insumos”, lembra o técnico da Faep/Senar, Bruno Vizioli.
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