O Governo do Paraná está avaliando a compra de cerca de 500 câmeras corporais, que serão utilizadas nas fardas de agentes da Segurança Pública no estado. A ação é uma resposta a um pedido feito por cinco instituições do Paraná, que cita um crescente aumento na morte de civis durante intervenções policiais e bons resultados onde as câmeras já estão em utilização, como os estados de Santa Catarina e São Paulo. Sobre esses dois exemplos, a Gazeta do Povo traz dados e informações favoráveis e contrárias à utilização das câmeras corporais pelos policiais.
Uso de força excessiva caiu 61% em SC após adoção das câmeras
Em Santa Catarina o uso das câmeras corporais pelos policiais militares é uma realidade desde 2019. Dois anos depois da adoção do sistema, um grupo de pesquisadores da PUC-Rio, das universidades de Warwick e Queen Mary e da London School of Economics – as três últimas do Reino Unido – identificou uma queda significativa no uso da força por parte dos agentes durante as abordagens.
De acordo com o estudo, nos casos em que havia câmeras instaladas nas fardas dos policiais, a incidência de contatos físicos com os abordados e a necessidade do uso de algemas caiu 61,2%, conforme divulgado pela CNN. O registro das ocorrências e o encaminhamento dos casos também sofreram repercussões positivas nos casos em que os policiais usavam as câmeras.
Foram utilizados nos estudos dados de abordagens policiais de 2018, em comparação com o período de utilização efetiva das câmeras. De um grupo de 450 policiais que participaram da pesquisa, 150 utilizaram as câmeras, enquanto 300 não contavam com o dispositivo, e fizeram parte do chamado “grupo controle”. Os policiais selecionados trabalharam em ocorrências registradas em Florianópolis, São José, Jaraguá do Sul, Tubarão e Biguaçu.
“Os resultados mostraram que câmeras corporais são efetivas em melhorar a natureza da interação polícia-cidadão — em contraste com a literatura existente. As câmeras reduziram o uso da força pela polícia e melhoraram a precisão dos informes (relatórios) policiais. O experimento tem implicações políticas importantes. Primeiramente, os resultados sugerem que as câmeras são efetivas em coibir a violência policial, o que indica que usá-las pode aumentar a responsabilidade de policiais. Isso sugere que as câmeras afetam a dinâmica da situação ao prevenir a escalada da tensão que iria se desdobrar durante operações de rotina”, apontam os pesquisadores.
As câmeras, porém, não são o único fator que pode colaborar na redução do uso excessivo da força policial, indica a pesquisa. De acordo com o estudo, incentivos de progressão na carreira dos agentes de segurança pública também representam um passo importante. “Se os agentes estão preocupados com a progressão da carreira, é mais provável que eles ajustem a conduta ao protocolo, temendo possíveis repercussões”, detalha o estudo.
Uso das câmeras em SP levou a taxa de mortes a zero logo no primeiro mês
Em São Paulo, o uso das câmeras corporais nas fardas começou em junho de 2021. E o impacto sobre o trabalho dos policiais foi imediato. Logo no primeiro mês de uso das câmeras, a taxa de letalidade das equipes de 15 batalhões que usavam os equipamentos foi a zero. A título de comparação, no mesmo mês em 2020 foram registradas 18 mortes, e, no mês anterior ao início do uso das câmeras, esse número chegou a 19 óbitos, como divulgou o jornal Estado de S. Paulo.
Os confrontos protagonizados pela PM de São Paulo resultaram em uma média de 50 mortes por mês nos primeiros cinco meses de 2021. Em junho, quando o sistema passou a funcionar, foram registradas 22 mortes – seis delas na capital. Em todos os casos de pessoas mortas em confronto com a PM não havia o uso das câmeras corporais. No início do ano, um levantamento divulgado pelo UOL mostrou que essa taxa de letalidade caiu 87% nos batalhões que usam as câmeras corporais nos primeiros seis meses de utilização das câmeras.
Gravações podem ser "provas contundentes"
As gravações ficam armazenadas por um período de 90 dias. O prazo aumenta para um ano nos casos de abordagens de flagrantes. Graças a um acordo fechado entre o comando da PM paulista e o Tribunal de Justiça de São Paulo, os vídeos são disponibilizados aos juízes durante as audiências de custódia. Dessa forma, as gravações podem ajudar a definir se as prisões foram ou não regulares, assim como o grau de periculosidade que os suspeitos ofereceram aos policiais em ação.
“É uma verdadeira revolução, pois leva o juiz, o promotor e o advogado diretamente aos fatos. Vamos ter a realidade na audiência do processo”, disse ao Estado de S. Paulo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo. Segundo ele, as imagens poderão ser usadas, conforme a gravidade do caso, como “provas contundentes de crimes” pelo Ministério Público.
Ex-ministro quer acabar com câmeras obrigatórias na PM de SP
O ex-ministro de Infraestrutura e pré-candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, já sinalizou que não concorda com o uso das câmeras corporais pelos policiais militares paulistas. Em uma nota de sua assessoria, divulgada no início de abril, ele deu sinais de que, se eleito, vai acabar com o uso obrigatório das câmeras.
“Tarcísio pretende acabar com a obrigatoriedade de câmeras no fardamento policial por considerar que a forma mais efetiva de combate ao crime é garantir treinamento contínuo e capacitação de qualidade para a tropa, de forma a assegurar a capacidade de agir de acordo com as circunstâncias enfrentadas nas ruas de São Paulo”, disse a nota, divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Em uma entrevista anterior, ao site Money Report, o ex-ministro disse ver nas câmeras uma ameaça ao trabalho dos policiais. “Você passa por determinadas situações em que você não tem tempo de pegar num telefone e ligar para alguém para saber o que tem que fazer. Você tem que tomar a decisão. A câmera ali é uma razão pela qual o policial não toma a decisão. Se ele não toma a decisão, ele pode pagar com a vida, e se ele toma a decisão, ele depois vai ser afastado da rua, responder processo", declarou.
Câmeras levam ao "despoliciamento", aponta estudo de Stanford
O tom adotado por Tarcísio vai ao encontro de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford sobre o uso de câmeras corporais pelos policiais do Rio de Janeiro. De acordo com a pesquisa, a utilização dos equipamentos produziu um efeito de “despoliciamento”, isto é, desencorajou os agentes de segurança a se envolverem em atividades como abordagens e atendimento a chamados. No Rio de Janeiro, as câmeras só se tornarão obrigatórias a partir do dia 16 de maio.
De acordo com os responsáveis pelo estudo (que ocorreu na favela da Rocinha, dominada pelo narcotráfico), grande parte dos policiais tenderam a evitar se envolver nos casos por receio de que o registro das interações pudesse incriminá-los. Como resultado, a partir do uso das câmeras houve redução de 46% nos vários tipos de fiscalização “proativas”, como abordagens e revistas.
Foi registrada também uma redução de 69% na probabilidade de os agentes agirem frente a denúncias de crimes por parte da comunidade e 43% no atendimento a chamadas recebidas pelo Centro de Operações. Os números revelam que o uso dos equipamentos de gravação pode estar relacionado a prejuízos significativos na segurança pública.
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