Valacir de Alencar, apontado como líder do PCC, foi beneficiado por uma decisão judicial, fugiu e é procurado pela polícia.| Foto: Divulgação
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Eram 15h33 do dia 17 de abril quando o alerta do rompimento de uma tornozeleira eletrônica foi constatado no sistema de monitoração do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR). O aparelho havia sido colocado apenas cinco horas antes em Valacir de Alencar, apontado como um dos líderes de uma facção que pratica crimes dentro e fora de presídios. A proximidade dele com o Primeiro Comando da Capital (PCC) chegou a ser contestada, mas a Gazeta do Povo conseguiu documentos que mencionam a ligação.

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Condenado a 76 anos de cumprimento de pena – por homicídios, roubo, tráfico de drogas e outros crimes –, ele tinha histórico de fuga, um mandado de prisão preventiva em aberto e uma “folha corrida” com 48 páginas, recheada dos mais diversos delitos. Mas acabou sendo beneficiado por uma decisão judicial que autorizou a prisão domiciliar, como precaução para evitar o contágio pelo novo coronavírus, assim como aconteceu com pelo menos outros 2,5 mil detentos no Paraná.

A autorização a Alencar foi concedida apenas um dia antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar a análise criteriosa de cada pedido de relaxamento de pena, tentando evitar que criminosos perigosos fossem colocados em liberdade. Aos 38 anos, Alencar foi apresentado como integrante de grupo de risco para Covid-19, por causa da receita de um remédio para o controle de pressão arterial. A prescrição foi feita por um médico envolvido em crimes e que já chegou a ser preso. Nem mesmo o pedido da defesa de Alencar alegava que ele era hipertenso.

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Além do debate sobre o afrouxamento das penas durante a epidemia e da falta de condições do sistema penitenciário para lidar com doenças graves altamente transmissíveis, o pano de fundo desse caso envolve a discussão sobre os mutirões carcerários, momentaneamente proibidos, mas que estão no centro de uma queda de braço dentro do Tribunal de Justiça do Paraná. Foram abertas investigações para apurar as falhas das autoridades que permitiram que um criminoso perigoso pudesse voltar a agir.

A decisão judicial que culminou na fuga passou a ser alvo de acusações, muitas infundadas, com base em uma sequência de datas e fatos. Nas redes sociais, especialmente no WhatsApp, foram abundantes as ameaças e insinuações, algumas carregadas de matiz ideológica. Por causa da repercussão do caso, também teve início um jogo de empurra-empurra, para apresentar culpados. A Gazeta do Povo buscou documentos e também todas as fontes envolvidas para explicar os detalhes desta história complexa e cheia de camadas.

Quem é Valacir de Alencar

O Oráculo, uma espécie de Google para consultar a ficha criminal, fornece várias informações sobre a autuação de Valacir de Alencar. O relatório mais recente tem 48 páginas. Já usou nomes falsos e responde pela alcunha de PL, Polaco ou Polaquinho. Ele tem processos em mais de uma dezena de cidades paranaenses, de Paranaguá a Guarapuava, mas com a maior concentração em Curitiba e Campo Largo. A maioria por acusação de participação em homicídios. A primeira prisão foi em 2001, quando ele ainda não havia completado 20 anos.

De lá para cá, a somatória do tempo que ficou preso passa de 16 anos, a maior parte na Penitenciária Estadual de Piraquara 1 (PEP1). Só esteve em liberdade nas vezes em que fugiu. Ele tentou escapar pelo menos 17 vezes e chegou a conseguir, sendo a mais recente em 2019, com uma corda de lençóis (teresa) de mais de 10 metros. Ficou três meses foragido e foi recapturado depois de uma denúncia anônima. Também foi alvo, em outros momentos, de tentativas de resgate, inclusive durante uma transferência, que resultou em tiroteio.

O total de condenações no momento em que conseguiu a prisão domiciliar era de 76 anos. A pena mais pesada é fruto da Operação Bom Jesus, que levou à aplicação da pena de 44 anos e 9 meses, por vários crimes, incluindo tráfico de drogas, porte de arma e lavagem de dinheiro. Mas a soma de sentenças de Valacir de Alencar chega a 84 anos. É que ele foi beneficiado por um indulto há oito anos, extinguindo parte da pena, e também porque houve uma condenação de 2 anos recentemente, que ainda não havia sido contabilizada. A maior parte dos crimes foi praticada de dentro do presídio, a partir de ordens para quem estava do lado de fora, ou nos períodos em que era fugitivo.

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Como foi a decisão judicial pela prisão domiciliar

Tudo leva a crer que uma combinação de fatores abriu a brecha para que Valacir de Alencar fugisse. Não fosse o cenário de exceção, provocado pelo risco de contágio do novo coronavírus em um ambiente de confinamento e sem preparo para lidar com a situação, o benefício da prisão domiciliar não poderia ter sido concedido. Falta de informações e interpretações equivocadas também fazem parte do contexto em que a situação ocorreu.

Em fevereiro, diante da superlotação, o Depen-PR enviou um ofício para o Tribunal de Justiça pedindo a realização de mutirões carcerários. O documento foi endereçado ao Grupo de Monitoração e Fiscalização (GMF), responsável pelas ações conjuntas para reavaliação de processos. Dias depois, em março, com a perspectiva de intensificação dos casos de Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a recomendação 62/20, estabelecendo critérios para a concessão de benefícios a presos, com a clara intenção de desafogar o sistema e de tirar da reclusão os casos apontados como grupos de risco – já que naquele momento a percepção era de que idade e comorbidades eram fatores determinante no agravamento da doença.

Com base no pedido do Depen-PR e na recomendação do CNJ, o GMF organizou mutirões. A decisão que beneficiou Valacir de Alencar foi dada em 1º de abril. No dia seguinte, o STF decidiu, provocado pela repercussão da soltura de vários presos considerados perigosos Brasil afora, que não deveria ser concedido, motivado pelo risco de contágio, afrouxamento de pena para presos condenados por crimes graves. Também o CNJ modificou alguns aspectos da recomendação que havia emitido anteriormente. Os mutirões no Paraná foram suspensos pelo TJ-PR, em 6 de abril. Mas tudo isso aconteceu depois que a decisão pela prisão domiciliar já tinha sido tomada.

Alencar continuou tendo a sorte embalada por uma sequência específica de datas e fatos, sem a qual ele teria sido mantido preso. A conclusão de um processo que respondia em Guarapuava ocorreu em 16 de março. Levou um tempo para ser expedida a carta-guia, procedimento padrão para incluir no sistema informatizado do Paraná o mandado de prisão preventiva. O documento só foi anexado depois da decisão judicial pela prisão domiciliar. Caso o mandado de prisão estivesse em aberto no sistema no momento do mutirão carcerário, o benefício não teria sido concedido. Inclusive a decisão judicial menciona que a transição para o regime aberto só poderia acontecer se não houvesse determinação em contrário.

As primeiras linhas da revogação da prisão domiciliar dão pistas do que pode ter acontecido: a primeira medida tomada foi determinar a unificação dos processos do réu, dando indicativos de que nem todas as informações necessárias estavam juntas para a consulta, no momento em que foi necessário.

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Foi no lapso de 17 dias entre a decisão judicial pela prisão domiciliar e a colocação da tornozeleira eletrônica, por causa das formalidades burocráticas e da necessidade de conseguir o aparelho, que surgiu no sistema o mandado de prisão preventiva. Os funcionários do Depen-PR cumpriram a ordem judicial, sem questionar a impossibilidade de aplicação. Já o Judiciário partiu do pressuposto que se houvesse algum impedimento, o benefício da prisão domiciliar não seria executado.

Algumas das informações que basearam a concessão da prisão domiciliar estavam incompletas ou equivocadas. O sistema é tão desencontrado que mesmo a naturalidade (cidade natal de Valacir de Alencar) aparece com a indicação de três municípios diferentes. Não constavam processos administrativos disciplinares (PADs) por faltas graves, fora a fuga, e um documento da penitenciária indicava que ele não era integrante de facção criminosa e que tinha bom comportamento.

No Brasil, não há o direito penal do autor. Ou seja, o sujeito não pode ser condenado por seus precedentes, ainda que sejam considerados para efeito de reincidência ou agravamento de pena. Assim, cabe ao juiz analisar os fatos que estão no processo e não se concentrar em quem os cometeu. Sendo assim, cabe ao magistrado que analisa a execução penal se ater aos documentos oficiais. É importante destacar que o nome de Valacir de Alencar não constava em um relatório extraoficial, que circula entre juízes, indicando quais são os presos mais perigosos do Paraná.

A dúvida sobre a ligação com o PCC

A decisão judicial que revogou a prisão domiciliar, depois do rompimento da tornozeleira eletrônica, menciona que “não se verifica qualquer informação oficial referente à integração de facção criminosa e "acentuada periculosidade" do reeducando”. Também a defesa de Alencar alegou que não há provas do envolvimento do cliente com o PCC, com base nos documentos oficiais da PEP1, que atestaram bom comportamento na penitenciária e inexistência de ligação com facções, inexistência de PADs relacionados à organização criminosa e a ficha prisional que cita que ele não é faccionado.

Mas há também documentos que indicam o contrário. A denúncia do Ministério Público, fruto da Operação Bom Jesus, apresentada em 2015, aponta que foi Valacir de Alencar que, de dentro da penitenciária, mandou matar um rival, no chamado “Tribunal do Crime”. No processo foram incluídas transcrições de interceptações telefônicas feitas durante dois meses – repletas de expressões típicas do PCC e com ordens explícitas para ilicitudes. O juiz acatou os argumentos da promotoria, inclusive as provas que indicavam participação na organização criminosa, e aplicou a Valacir de Alencar a pena de 44 anos de prisão.

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Diante da gravidade dos crimes cometidos, a Justiça Federal autorizou a aplicação do chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). A decisão é de 2016, determinando que ele fosse removido para o presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde ficou por quase dois anos. Essa informação também importante porque a revogação da prisão domiciliar mencionava que, se Valacir de Alencar era tão perigoso como foi aventado depois do benefício, deveria haver algum pedido de transferência para presídio federal.

Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo ainda indicam que Valacir de Alencar ocupa o cargo de “sintonia geral” do PCC no Paraná, sendo responsável pela execução de ordens, principalmente de punições. Essa informação não é de amplo conhecimento. O promotor Lincoln Gakiya, que é considerado um dos principais especialistas em PCC no Brasil, foi consultado pela reportagem e informou que não tinha registros do envolvimento de Valacir de Alencar com a facção criminosa.

As informações médicas que embasaram a decisão judicial

No embalo de situações semelhantes Brasil afora, a defesa de Alencar solicitou que ele fosse beneficiado pela prisão domiciliar por causa do perigo de contaminação no ambiente prisional. O pedido apenas menciona que o presidiário tem problemas de saúde, sem especificar doenças, e pede que seja anexado o prontuário médico dele. O conjunto de sete páginas, constante no arquivo da penitenciária, revela alguns episódios de ansiedade e outros problemas pontuais, mas nem sequer tem algum tipo de aferição que indique pressão arterial desregulada.

A única anotação que poderia sugerir quadro de hipertensão é uma receita médica de setembro de 2019, indicando o uso de Losartana. Normalmente, para hipertensos, esse medicamento é associado a um diurético. Mas também pode ser usado em crises de ansiedade, quando a pressão dispara, associada a um ansiolítico. Tudo leva a crer que foi o caso, tendo em vista que a mesma receita também prescreve o tranquilizante Clonazepam.

A prescrição foi feita pelo clínico geral Volnei José Guareschi. Como ele já foi preso em 2018, numa operação do Ministério Público sobre irregularidades no Sistema Único de Saúde (SUS), a situação alimentou comentários de que havia ligação entre os casos – até agora não comprovada.

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A Gazeta do Povo procurou o médico, para saber se Valacir de Alencar é hipertenso (o que poderia, eventualmente, justificar a inclusão em grupo de risco para Covid-19). O profissional respondeu, por meio de uma auxiliar, que nunca examinou o preso e que apenas atendeu a um pedido da mãe de Alencar, que é sua paciente, para que prescrevesse o remédio de uso contínuo. No sistema penitenciário, não é autorizada a entrada de nenhum medicamento sem receita.

Ao consultar informações sobre Valacir de Alencar, a reportagem encontrou informações, que não constam no prontuário, sobre várias idas ao Complexo Médico Penal (CMP), indicando tratamento de saúde. É de conhecimento geral que nem sempre os registros médicos dos detentos estão completos, até porque é notoriamente deficiente a estrutura de atendimento. Com base em informações insuficientes e fazendo inferências é que foi tomada a decisão de enquadrar o presidiário em grupo de risco para Covid-19 e permitir a prisão domiciliar.

O posicionamento do juiz Diego Barausse

Depois que Valacir de Alencar aproveitou a saída da penitenciária para fugir, o juiz Diego Paolo Barausse passou a ser alvo de uma série de acusações. Em entrevista à Gazeta do Povo, o magistrado disse que está preparado para apresentar as justificativas que embasaram a decisão que tomou e que, como servidor público, sabe que está sujeito a críticas. Mas lamenta que a situação tenha extrapolado o âmbito do processo, onde acredita que a discussão deveria ser travada. Ataques pessoais a ele e a família, injustificáveis, se sucederam, com insinuações de interesses escusos. Barausse afirma que decidiu, dentro de sua autonomia funcional, em caráter técnico, sem influências externas.

Na magistratura há oito anos, ele é juiz substituto em varas criminais de Curitiba, depois de ter atuado no interior. Não é, portanto, titular na área de execução penal e aceitou participar, como voluntário das atividades do GMF, órgão encarregado pelo TJ-PR para a realização de mutirões carcerários. O processo de Valacir de Alencar foi distribuído para Barausse de forma aleatória, como poderia ter sido direcionado a outro magistrado. “Era mais um processo entre tantos”, disse.

Em entrevista, ele comentou que foi questionado quanto à idoneidade e à honestidade, com críticas pessoais e comentários agressivos direcionados à família dele. O juiz disse que confia que a apuração dos fatos vai esclarecer que não houve dolo, má fé ou imperícia. Barausse argumenta que agiu com base na documentação oficial que estava no processo. Ele ainda destaca que, “numa situação de normalidade”, Valacir de Alencar não teria direito à prisão domiciliar, em função da fuga recente e do tempo insuficiente de cumprimento de pena para remissão.

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O posicionamento do GMF

Coube à juíza Ana Carolina Bartolamei Ramos, que coordena o GMF no Paraná, revogar o benefício dado a Alencar. Ela também fez parte do mutirão recente e, como lembrou, poderia ter sido ela a conceder a prisão domiciliar. Em entrevista à Gazeta do Povo, a magistrada enfatizou que a ação concentrada para reavaliação de processos dos presidiários acontece em função da superlotação e de questões de humanidade e sanitárias. Destacou ainda que foi o próprio Depen-PR que pediu a atuação do GMF para aliviar o sistema e que se houvesse vagas e condições dignas, os mutirões não seriam necessários.

Em função da urgência do mutirão carcerário, por questões sanitárias, ficou acordado que o Ministério Público não seria consultado previamente, como é praxe, e que a promotoria se manifestaria apenas posteriormente, nos casos em que houvesse discordância. Mas não teve recurso do MP ao benefício da prisão domiciliar a Valacir de Alencar, indicando que a promotoria não o considerou tão perigoso a ponto de tentar evitar que ele fosse para casa.

“Não posso trabalhar com suposição”, declarou a juíza, ao mencionar a ausência de pedido de RDD ou remoção. “Já analisei pedido de transferência para presídio federal por muito menos”, complementou. Para a juíza, o Depen-PR não poderia ter cumprido a decisão. “Deveria devolver o processo dizendo que tinha uma prisão em aberto”, diz. Ana Carolina ainda salientou que quem se candidata para o GMF acaba sendo pressionado e, muitas vezes, desiste de participar e se afasta.

O desembargador Ruy Muggiati, supervisor do GMF, também falou da pressão que recai sobre os membros. Primeiro ele fez questão de ressaltar os baixos índices de reincidência em alguns projetos tocados pelo grupo e a tentativa de aliar deveres, como a disciplina, e a garantia de direitos, cumprindo o que manda a Lei de Execução Penal. O GMF é destinado à política prisional, voltado para a Justiça Restaurativa.

Para o desembargador, o caso de Valacir de Alencar mostrou “que não há um bom fluxo de informações” no sistema, “algo que precisa ser consertado”. “Lamento que tenha acontecido tudo isso”, completou. Ele destacou ainda que os mutirões não são situações ideais, que são paliativos, para reduzir aglomerações e aliviar o sistema. Muggiati ainda enfatizou que Barausse não é seu subordinado e que todos trabalham com autonomia funcional, tanto dentro como fora do mutirão. “Eu não oriento, apenas em questões gerais”, disse.

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Indagado sobre a discussão do princípio do juiz natural, já que câmaras do TJ-PR têm decidido de forma divergente, Muggiati declarou que, no ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já analisou o caso e entendeu por referendar os mutirões, acatando a alegação que não fere o princípio do juiz natural – que estabelece que apenas o magistrado que acompanha o caso pode decidir no processo, na instância devida.

O posicionamento da defesa

O advogado Marlon Cordeiro assinou o pedido de prisão domiciliar para Valacir de Alencar. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele explicou que é responsável por atuar para o cliente apenas na parte de execução penal, sem trabalhar nos processos criminais. O advogado relata que chegou a ser procurado por colegas que queriam saber o que tinha de tão especial na solicitação que tinha feito à Justiça e ele mostrou a petição, relevando que não havia “nada de mais”. “O pedido foi feito dentro da lei e dos critérios do CNJ”, acrescentou.

O último contato com Valacir foi quando um familiar foi buscá-lo na penitenciária e ele pediu para ligar para o defensor. “Ele me agradeceu e disse que nunca imaginou que sairia pela porta da frente”, contou. Cordeiro também argumentou que não tem conhecimento do envolvimento do cliente com facção criminosa e apresentou documentos constantes no processo que reiteram tal argumento, como a ficha prisional.

O advogado também lamentou a repercussão do caso, afirmando que foi alvo de “toda uma movimentação fantasiosa”. “As pessoas estão sendo maldosas, tentando encontrar uma ligação incabível”, declarou. Sobre a alegação de ser próximo ao juiz que concedeu a prisão domiciliar, disse que apenas o conhece, de situações profissionais. O defensor ainda destacou que não pode ser responsabilizado pelo que o cliente fez depois de sair da prisão.

Há uma coincidência – até agora sem nenhum nexo causal – que liga personagens desta história e tem sido usada para insinuar que houve uma ação articulada. Quatro dos citados têm ligação com a cidade de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. A família de Valacir de Alencar mora no município, onde ele cometeu parte dos crimes de que é acusado. O médico que receitou o anti-hipertensivo trabalha na cidade. A família do juiz é de Campo Largo, mas ele nunca atuou na cidade. Já o advogado de defesa é de Curitiba e apenas reside no município metropolitano. Os profissionais afirmaram não ter qualquer tipo de ligação para além de contatos formais de trabalho.

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Repercussão do caso

Diante do conhecimento sobre a periculosidade de Alencar, a decisão judicial pela prisão domiciliar causou indignação em promotores e policiais, e acabou se espalhando para outros grupos, muitos sem informação adequada, levando a disseminação de mensagens inverídicas. Já as manifestações oficiais foram no sentido de preocupação com as consequências da situação.

Foi o caso da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná (Adepol-PR). O presidente Daniel Prestes Fagundes comenta que um ofício foi enviado ao TJ-PR. Sem questionar a autonomia da decisão judicial, a entidade revelou inquietação com o anúncio de benefícios para milhares de presos, concedidos de forma coletiva, sem avaliação profunda das peculiaridades de cada caso.

Sobre a situação de Valacir de Alencar, “no mínimo não é um preso que cometeu delitos leves”, comentou Fagundes. O delegado destacou que “não é fácil pegar esse tipo de criminoso” e que a decisão judicial vai significar retrabalho para os policiais. “Nós acreditamos que foi um equívoco”, avaliou, enfatizando que “a prisão domiciliar não condiz com esse perfil de preso, que é violento”.

Também o procurador Cláudio Esteves, que coordena o Centro de Apoio Operacional (CAOP) das Promotorias Criminais, declarou preocupação com a forma como vem ocorrendo a soltura de presos, motivada pelo risco de contaminação pela Covid-19, e lamentou que um presidiário com o histórico de Valacir de Alencar tenha sido beneficiado com a prisão domiciliar.

Na Assembleia Legislativa a situação também gerou reações. Além da chamada bancada da bala, o deputado estadual Homero Marchese (PROS) afirmou estar indignado com a decisão judicial e posterior fuga do criminoso. Até a possibilidade de instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi discutida, mas ordens judiciais não podem ser alvo desse tipo de averiguação. Então, num primeiro momento, a inquietação foi concretizada apenas em um ofício ao TJ-PR.

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Marchese ainda argumentou que a liberação de presos “preocupa muito a população, que não entende porque as pessoas precisam estar em casa, numa espécie de prisão, enquanto criminosos são soltos”. Ele ainda alegou que a letalidade da Covid-19 não é maior do que outras doenças transmissíveis, que podem ser contraídas em um ambiente penitenciário, e que não há registro de mortes ou surtos nos presídios do Paraná. “De certa forma, o preso, em isolamento, estava mais seguro contra o novo coronavírus enquanto estava na penitenciária”, declarou.

Até o momento, realmente não foram constadas mortes por Covid-19 em prisões do Paraná. Há relatos de que pelo menos 20 casos suspeitos no Complexo Médico Penal, sem que o governo estadual tenha qualquer plano estruturado para tomar medidas adequadas no sistema penitenciário, segundo resposta dada ao site Plural. A realidade em outros estabelecimentos prisionais do país é ainda mais complicada, com registros de mortos e contaminação em massa. Num ambiente de confinamento e muitas vezes insalubre, com aglomeração e úmido, a doença é mais rapidamente transmitida.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a abertura de investigação para verificar o que aconteceu no caso de Valacir de Alencar e a apuração está a cargo da Corregedoria do TJ-PR. Também o Depen foi instado a instaurar procedimento para averiguar falhas cometidas. Em resposta já encaminhada ao Judiciário, o Departamento Penitenciário informou que não há indício de qualquer erro funcional no cumprimento da ordem judicial.

Depois do rompimento da tornozeleira eletrônica, o benefício da prisão domiciliar foi revogado. Alencar é considerado foragido e uma nova ordem de prisão foi expedida, mas a Polícia deve ter dificuldades para encontrá-lo. Há um pedido para que a população colabore e repasse informações pelo Disque Denúncia 181, caso saiba do paradeiro de Valacir de Alencar.

Confira alguns dos documentos que embasaram a reportagem:

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