Está tramitando na Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei de autoria do vereador Éder Borges (PP) que tem como objetivo impedir a participação de crianças e adolescentes em eventos como as paradas do orgulho LGBTQIA+. O texto, apresentado no fim de junho, está tramitando nas comissões da Casa e ainda não tem prazo para ir à votação no plenário.
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O projeto de lei propõe uma multa de R$ 5 mil para os organizadores dos eventos em que forem flagradas crianças ou adolescentes, e de R$ 10 mil para os pais ou responsáveis, além da notificação compulsória do Conselho Tutelar. Para o vereador, tais eventos estimulam a “sexualidade precoce”, ao expor jovens a um ambiente que não tem “qualquer caráter educativo”.
Ao defender o texto, o vereador afirmou não ser “falso moralista” e garantiu não ter “nada contra a Parada Gay”, mas sim restrições quanto à participação de crianças e adolescentes. O vereador reforçou que os eventos do tipo têm se tornado “um vilipêndio à fé”. “Poupem as nossas crianças, a infância é sagrada”, disse Borges.
Presença de crianças serviria para "docificar prática reprovável", aponta autor do projeto
Na justificativa formal apresentada junto ao texto, o vereador aponta uma série de artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente para embasar o projeto de lei. Para Borges, crianças e adolescentes podem ser usados nas paradas e manifestações para “docificar” o que chamou de “prática reprovável”, para assim torná-las “simpáticas e permissivas perante a opinião popular”.
Ele segue: “na maioria dos casos, a criança ou o adolescente não possui integral consciência sobre as reais circunstâncias nas quais estão sendo inseridas, muitas vezes ilegais e imorais. A proteção da criança e do adolescente afigura-se essencial para seu crescimento intelectual e emocional, que cabe ao Estado resguardar, em virtude de comando constitucional expresso e atos jurídicos internacionais de que o país é signatário. Com efeito, esse tipo de evento em nada se coaduna com a participação em manifestações de cunho artístico, muito pelo contrário, representa a desvirtuação social e moral da criança e do adolescente”, afirma Borges.
Procuradora jurídica da Câmara de Curitiba aponta inconstitucionalidade da proposta
O projeto, porém, já encontrou resistência dentro do Legislativo municipal. Em seu parecer, a procuradora jurídica da Câmara de Curitiba, Fabiana Piazzetta Andretta, apontou uma possível inconstitucionalidade do texto apresentado pelo vereador do PP. A procuradora disse entender que tal avaliação cabe à Comissão de Constituição e Justiça da Casa, mas também apontou detalhes que, no entendimento dela, justificam essa inconstitucionalidade.
Em um primeiro momento, a procuradora afirma que “não há qualquer menção na justificativa do projeto do interesse local na proibição de participação de crianças e adolescentes em determinadas manifestações”. Para ela, “a não apresentação de embasamento para amparar o interesse local da questão pode conduzir à declaração de inconstitucionalidade da lei, além de enfraquecer o debate legislativo e a análise da necessidade da lei”.
Rebatendo as justificativas apresentadas por Borges, Andretta citou o direito de locomoção, expresso no Artigo 5º da Constituição Federal, como “parte complementar do direito à liberdade individual”. “Analisando o conjunto normativo apresentado, entende-se que a restrição de participação infanto-juvenil em manifestação pública é materialmente desconforme com a Constituição Federal”, reforçou a procuradora.
Por fim, Andretta afirmou que a proposta de Borges vai de encontro a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, gênero ou orientação sexual, o que reforçaria o caráter de inconstitucionalidade do projeto de lei.
“No entendimento do vereador proponente, a participação de crianças e adolescentes em ‘passeatas e paradas gays’ representa ‘afronta à sua dignidade e estímulo precoce da sexualidade’. Contudo, isso reflete visão do mundo conservadora adotada pelo autor que é contrária aos ditames da Constituição Federal que preconiza como objetivo fundamental da República ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’”.
Outros exemplos pelo Brasil
Projetos semelhantes foram apresentados por representantes do Legislativo de estados e municípios brasileiros.
- Goiás
Em Goiás, o deputado estadual Cairo Salim (PSD) apresentou, na Assembleia Legislativa estadual, um projeto de lei que proíbe a participação de crianças e adolescentes nas paradas do orgulho LGBTQIAPN+ que acontecerem em Goiás. O texto determina que os organizadores da parada gay deverão tomar todas as medidas necessárias para verificar a idade dos participantes e que, em caso de violação da nova regra, estarão sujeitos a multas no valor de até 80 salários-mínimos.
- Minas Gerais
Em Betim (MG), a proposta do vereador Layon Silva (Republicanos) de barrar a presença de crianças foi aprovada em caráter de urgência por 17 votos a 0 na Câmara Municipal local. O projeto, que aguarda a sanção do prefeito para virar lei municipal, estabelece multa de R$ 10 mil para os pais e organizadores que levarem ou permitirem crianças e adolescentes nesses eventos, sob o argumento de que isso pode levar a erotização precoce e ao estimulo “à adoção de comportamentos imitativos, sem compreensão plena”.
O Ministério Público de Minas Gerais, porém, recomendou à Prefeitura que vete a lei. A recomendação partiu da Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação do MPMG, que afirmou no pedido ter identificado “flagrante e insuperável inconstitucionalidade” no projeto de lei.
- Paraíba
Na capital João Pessoa (PB), a vereadora Eliza Virgínia (PP) protocolou, em junho, um projeto de lei que proíbe a participação de menores de 18 anos em paradas LGBTQIA+ e também na Marcha da Maconha em João Pessoa, “ou qualquer evento público que tenha cunho de exibição de cenas eróticas/pronográficas, incentivo as drogas e intolerância religiosa”. Em caso de descumprimento, o texto prevê a aplicação de multa de R$ 10 mil “por hora de indevida exposição da criança ou adolescente ao ambiente impróprio, sem autorização judicial”. A autoria do projeto é reivindicada pelo também vereador do PP em João Pessoa Tarcísio Jardim.
- São Paulo
Em São Paulo, o vereador Fernando Holiday apresentou uma medida semelhante após a realização da última parada gay em 11 de junho. No evento, um bloco carregava uma faixa defendendo “crianças trans”. “O evento que antes era em prol de uma luta social importante em respeito à população LGBT acabou se tornando uma festa sexual. Isso reforça os preconceitos”, disse o vereador à Gazeta do Povo.
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