Basta colocar o pé em Cidade do Leste, Salto Del Guairá ou em Pedro Juan Caballero, cidades do Paraguai na fronteira com o Brasil, para a compra de armas e munições sem empecilhos. Na variedade de lojas disponíveis, o crime organizado que atua no Brasil é clientela garantida para escolher o armamento, de todo tipo de estilo e calibre, exposto nas vitrines. A negociação é rápida, sem muitas exigências. Se o cliente preferir, pode pagar um pouco a mais para ter o armamento entregue em Foz do Iguaçu, município da região oeste do Paraná.
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O Paraguai não é um país de produção bélica, mas há décadas aparece como um dos principais fornecedores ao mercado criminoso brasileiro, avalia o delegado da Polícia Federal (PF) Marco Smith. O que está exposto em vitrines ou à venda nas grandes áreas de comércio é uma pequena parcela do que o país vizinho tem a oferecer. Há um mercado especializado para atender a imensa demanda, tem identificado a PF.
O tráfico de armas e munições cresce no mesmo ritmo que as facções criminosas ampliam e conquistam territórios. “Aliás, o crescimento das facções criminosas está diretamente ligado ao aumento de seus armamentos”, alerta o delegado, que há 15 anos atua na fronteira do Brasil com o Paraguai.
O caminho do tráfico no Paraguai
Grupos paraguaios que servem como grandes fornecedores de armas ao Brasil estão investindo numa tática de importação que tem o Brasil como peça-chave, e não apenas como o destino final. Parte destes carregamentos chega ao Paraguai via Porto de Paranaguá, com base no diagnóstico da Polícia Federal.
No intervalo de um ano, o número de contêineres que chegam ao porto paranaense e seguem para o Paraguai, via Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), aumentou em quase dez vezes. Em 2020 passaram pela estação 600 contêineres com destino ou a partir do Paraguai. No ano seguinte foram 5,5 mil: 91% deles carregados com cargas importadas pelo país vizinho, enquanto 9% tinham produtos paraguaios destinados à exportação. Apesar de as estatísticas de 2022 ainda não estarem disponíveis, acredita-se que o volume possa ter dobrado. “É evidente que a maior parte das cargas são lícitas, mas no meio há uma parcela que se utiliza do porto para trazer armas para o Paraguai, vindas de mercados como Leste Europeu ou Estados Unidos, e que depois são revendidas ao crime organizado brasileiro”, diz o delegado.
Mesmo com o diagnóstico, a dificuldade na fiscalização e identificação da carga ilícita existe porque as armas mais visadas pelos criminosos chegam fragmentadas. “Principalmente fuzis não chegam inteiros, chegam em partes para depois serem montados. Muitas dessas peças sequer têm número de registro, ou seja, é impossível o rastreamento, o que facilita a importação e depois a montagem para a revenda criminosa”, explica ele. Dessas peças aleatórias, as armas são montadas na sequência.
“Não é a melhor arma, mas cumpre bem com sua função. Se observarmos os ataques no Rio Grande do Norte, as armas do crime organizado eram exatamente com essas características”.
Marco Smith, delegado da Polícia Federal (PF)
Segundo o delegado, a não interceptação no Brasil a estas cargas esbarra num acordo que determina uma espécie de corredor de importação e exportação entre Brasil e Paraguai pelo qual os contêineres não passam por inspeção minuciosa. O delegado-adjunto da Alfândega da Receita Federal no Porto de Paranaguá, Gerson Zanetti Faucz, esclarece que todos os contêineres que chegam e que estão em trânsito de importação passam por um pequeno controle para averiguação de mercadorias. Há uma análise dos itens que podem ser transportados no Brasil, além de identificar ilícitos ou identificar falsas declarações.
“Mas 98% das cagas seguem direto sem nenhuma fiscalização [minuciosa], só com uma análise de risco, quando é feita a lacração do contêiner pela Receita. O transporte tem uma rota para cumprir, geralmente pela BR-277, com uma hora para chegar [em Foz do Iguaçu]”, afirma o delegado da Receita Federal. De Foz, a carga segue então viagem pelo Paraguai. As cargas são pesadas na hora que deixam o porto e quando chegam no processo alfandegário em Foz do Iguaçu, para confirmar que nada foi retirado ou incluído a elas.
De acordo com o delegado, para evitar a passagem de produtos ilegais, ocorre uma análise de risco das cargas. “Quando se trata de uma empresa que nunca fez trânsito [de importação], quando se trata de um material meio diferente, abrimos e verificamos o que tem lá dentro. Os contêineres também passam pelo scanner para identificar possíveis produtos ilícitos. Armas nunca pegamos. Costumamos identificar eletrônicos e outros produtos que não podem ser transportados no Brasil”, reforçou Faucz.
Do porto para o Paraguai
Ao entrarem no Paraguai, os contêineres seguem para a capital, Assunção, por rota terrestre. “Brasileiros não podem comprar armas [em grande volume] no Paraguai, então lá diversos laranjas fazem aquisições para a revenda aos grupos criminosos. É um mercado extremamente lucrativo ao se pensar que, para montar um fuzil um criminoso, vai gastar cerca de US$ 600 [algo próximo a R$ 3,5 mil] e ele será revendido nas bases da facção por até R$ 60 mil”, alerta o delegado da PF.
Da capital paraguaia as cargas saem para as cidades na fronteira, onde geralmente as negociações são efetivadas. Outra importante rota para a chegada das armas no Paraguai é aérea. Aeronaves carregadas com esses equipamentos pousam com frequência na região do Chaco, dominada por grupos criminosos. Do Chaco, seguem para cidades estratégicas, até chegarem aos compradores brasileiros na fronteira.
Dali, o trajeto passa a ser o mesmo que do contrabando de cigarros. Para facilitar as transações, as duas maiores facções criminosas brasileiras estabeleceram território na fronteira, afirma o delegado. “A facção paulista, por exemplo, vem eliminando os atravessadores em toda a linha de atuação. Então membros da própria facção coordenam todo o processo para a compra e o tráfico de armas e munições”, esclarece Smith.
O instrutor de tiro, ex-oficial das Forças Armadas por 13 anos e servidor da segurança pública federal Marcelo Adriano critica a política do desarmamento no Brasil. Marcelo Adriano afirma que, além dos criminosos sedentos por armas e munições, a política desarmamentista pode refletir em um aumento do tráfico também entre pessoas que querem uma arma para defesa própria.
Ao questionar a recente regulamentação de armas adotada pelo governo Lula, Marcelo destaca que a mudança foi feita sem critérios e sem ouvir os entes envolvidos, como quem integra a indústria formal de armas brasileira ou importadores legais. “O segmento representa uma economia pujante com mais de 3 milhões de empregos formais [em toda a cadeia de armamentos no Brasil, desde a produção, até a importação, a venda e os clubes de tiros], então a restrição de armas no país também terá esse impacto econômico com reflexo no aumento das ilegalidades”, opina.
Segundo Adriano, as políticas para conceder acessos às armas legais no Brasil obedecem a vários critérios para fiscalização, controle e rastreio. “O criminoso vai continuar comprando armas ilegais. A diferença agora é que a sociedade que quer uma arma registrada, legalizada, para esporte ou para se defender deste criminoso que está com uma arma ilegal oferecendo riscos à sua segurança, não pode ter. A política de desarmamento é revanchista”, critica.
O instrutor alerta que, assim, alarga-se ainda mais o caminho para a ilegalidade, já que o decreto presidencial também limita o acesso às munições, podendo refletir no aumento do tráfico de munições entre quem possui armas legalizadas. “E reforço: o bandido vai continuar armado. Essas políticas precisam ser revistas com critérios”, reitera.
Qual a origem das armas ilegais?
Segundo o delegado da PF Marco Smith, a grande parcela das armas que são vendidas para criminosos brasileiros vem dos Estados Unidos, de Israel, do Leste Europeu e de exércitos da América Latina. “Não podemos só olhar para as armas. Uma arma sem munição não significa nada, então nessa mesma rota estão as munições que costumam vir dos mesmos países, principalmente os do Leste Europeu”, reforça.
Para o transporte pelo Brasil, segundo mapeamento das polícias Federal e Rodoviária Federal, o caminho percorrido por traficantes é o mesmo do contrabando de cigarros e eletrônicos. Além das estradas vicinais, caminhos rurais e rodovias estaduais com pouco fluxo de veículos e de fiscalização, as cargas que saem de Pedro Juan Caballero ou Salto Del Guairá passam pela BR-272, que liga o oeste ao norte do Paraná, seguindo então para os grandes consumidores em São Paulo, Rio de Janeiro e estados do Norte e do Nordeste.
Quando as armas e munições saem de Cidade do Leste, passando por Foz do Iguaçu, o trajeto é pela BR-277 que corta o Paraná de leste a oeste. O modelo de transporte mais corriqueiro segue sendo o terrestre, segundo apuração das foças de segurança.
O tráfico "formiguinha" corresponde às pequenas cargas, com poucas armas, geralmente de baixo calibre. “Essas geralmente são cargas para abastecimento emergencial de grupos criminosos. O grosso do armamento é de carregamentos em fundos falsos de caminhões, muitas vezes no meio de cargas lícitas, ou em carregamento de cigarros contrabandeados”, diz o delegado da PF.
A menina dos olhos da carga para as facções criminosas é a de fuzis. A rota das armas na fronteira se pulveriza rapidamente por todo o País. Os principais compradores, segundo Smith, são as grupos criminosos coordenados por Rio de Janeiro e São Paulo, mas o consumo cresce em outras regiões do território nacional, onde outros grupos vêm se consolidando.
Neste mês, a Polícia Federal no Paraná deflagrou a Operação Orange-Tip, com o cumprimento de sete mandados de busca e apreensão expedidos pela 1ª Vara Federal de Ponta Grossa, na região dos campos Gerais paranaense. Os mandados eram para este município e também São Paulo. Para Marco Smith, a operação é a ponta de um gigantesco iceberg. “Temos nos debruçado nas investigações para rastrear o dinheiro das organizações criminosas. É a partir daí que é possível desarticular esses grupos”, destaca.
Cobrança por mais efetivo e tecnologia integrada na fronteira
No diagnóstico do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), uma percepção é latente. “O tráfico, de modo geral, traz um reflexo rápido na segurança pública nos municípios de fronteira, que costumam figurar entre os mais violentos do País”, afirma o presidente do órgão, Luciano Barros.
Para ele, o crime prospera na ineficiência do estado. “O crime organizado não precisa licitar, não tem burocracia, não respeita normas e regras e tem muito dinheiro”, reflete Barros, ao defender processos de desburocratização no serviço público. Na visão dele, uma resposta eficiente à criminalidade na fronteira do Brasil com o Paraguai seria, além do aumento de efetivos da PF, da PRF e da Receita Federal, focar em investimentos e integração do aparato tecnológico.
“Falta visão estratégica para garantir agilidade a esse aparato que já existe. Falta isso faz muito tempo. Por que não se integra os mecanismos tecnológicos que já existem entre as seguranças públicas? O ente municipal não conversa com o ente estadual que não conversa com o ente federal. Isso não pode acontecer. Isso agilizaria a fiscalização, o controle e o avanço do estado sobre os grupos criminosos”, critica.
Ação apreende armas em caminhões vindos do Paraguai
Uma das ações bem sucedidas das forças de segurança aconteceu nem janeiro, quando a Polícia Militar do Paraná apreendeu 161 armas de fogo escondidas em dois caminhões, de origem paraguaia, que transportavam arroz. O caso foi registrado na rodovia estadual PR-323 entre os municípios de Iporã e Perobal, na região noroeste paranaense. O volume apreendido foi o maior já registrado em uma única ação pela corporação em todo o estado.
Os policiais militares rodoviários faziam uma operação no Posto Rodoviário de Iporã quando abordaram um caminhão. Durante a fiscalização, que contou com apoio de um cão farejador, a carga ilícita foi encontrada escondida em um fundo falso, com pistolas, fuzis e espingardas calibre 12, além de acessórios e insumos para recarga.
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