Ao presidir interinamente uma sessão na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), em abril deste ano, o deputado estadual e primeiro vice-presidente da Casa, Marcel Micheletto (PL), alertou para uma preocupação extrema: o risco de invasões de terra no estado que é o segundo maior produtor do agro brasileiro. A tensão, segundo o deputado, se mantém e é constante.
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“Tenho atendido representantes de muitos sindicatos rurais e grupos de produtores que têm demonstrado essa preocupação e afirmado que estão prontos para o confronto”, alertou Micheletto. O deputado destacou que não se pode aceitar que um estado com o potencial produtivo como o Paraná, “que mais gera valor agregado por metro quadrado no país, sofra qualquer tipo de ameaça dessa natureza”. Para o parlamentar, quem vive da terra não pode perder suas áreas. Ele evidenciou que o agro é a mola propulsora da economia. “E nós, que somos ligados ao setor produtivo, estamos muito preocupados com o risco de invasões”, seguiu.
Na ocasião, Micheletto apelou às autoridades de segurança pública para que redobrem o cuidado e mantenham um “olhar cirúrgico sobre a possibilidade de uma onda de invasões”, como a registrada nos primeiros meses do ano em algumas regiões do Brasil. “Estou preocupado com que tenho ouvido: o medo das pessoas terem suas terras invadidas”, repetiu.
O receio se justifica também pelos números. O Paraná é o maior produtor nacional de frangos, segundo na cadeia de suínos e está entre os três maiores na produção de leite. Quando o assunto são os grãos, o estado ocupa a segunda colocação no ranking nacional, com produção de 46,6 milhões de toneladas no ciclo 2022/2023. Os dados são do Departamento de Economia Rural da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Deral/Seab).
As cooperativas agrícolas do estado respondem por um terço do faturamento de todo o segmento no Brasil e operam como integradoras com o produtor, do início até a cadeia final do processo de transformação dos alimentos. Sem um, outro não funciona.
Como o campo tem se protegido das invasões de terra?
Na prática, o setor produtivo no Paraná tem alertado que está em vigilância constante, conforme disse o presidente da Faep/Senar (Federação de Estado da Agricultura do Paraná), Ágide Meneguette, em entrevista à Gazeta do Povo.
Nos primeiros meses deste ano, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST da Câmara dos Deputados, foram cerca de 40 propriedades invadidas no Brasil. Nesta semana, com a aproximação do fim dos trabalhos da CPI do MST, houve mais uma invasão de terra, desta vez em uma fazenda em Santana do Cariri (CE). A área conhecida como Sítio Ventura pertence ao Ministério da Agricultura, pecuária e Abastecimento (Mapa). Na analise conjuntural, o temor é que as invasões de terra cheguem com força a outros estados. O Paraná sempre foi um dos alvos, com terras invadidas há décadas.
“Temos um compromisso que a força militar do Paraná assumiu: invadiu, nos comunica que nós tiramos, é isso que nós precisamos. Não queremos saber o que o governador pensa, queremos que se cumpra a lei. E cumprir a lei (nestes casos) é a nossa Polícia Militar que está aí cumprindo à risca. Invadiu, tira”, afirmou Meneguette.
Segundo ele, algumas regiões do estado convivem com esses alertas mais latentes, como o oeste e o sudoeste paranaenses, por concentrarem grandes e importantes áreas produtivas. “Ser agricultor não é fácil, precisa produzir e manter a vigilância”, considerou.
Paulo Orso é o presidente do Sindicato Rural Patronal de Cascavel (PR) e complementa o que Meneguette destacou. “Infelizmente continuamos em alerta e sob risco constante. Sim, sempre tem risco, temos pedido às forças de segurança e temos esperança que não ocorram (as invasões de terra). Não só no Paraná, mas em todo o Sul se entende a importância da paz no campo. Se tiver paz, tem produção tranquila; se tiver confusão no campo, gera a insegurança física, a insegurança jurídica, os produtores não investem. Por isso estamos atentos e temos alertado para que o produtor se prepare para agir quando, por ventura, acontecer. Claro que isso de forma ordeira e legal, mas orientamos que procurem todos os meios legais para que isso não aconteça”, alertou.
Setor mantém contato com as forças de segurança para proteger terras produtivas
Segundo Paulo Orso, em consonância com essas ações, sindicatos regionais têm visitado os comandos da Polícia Militar (PM) em diversas regiões do estado pedindo reforço de patrulhamentos no meio rural.
“E temos falado também com o comandante-geral do estado, que é o nosso governador (Ratinho Junior, PSD) e essa é a nossa tábua de salvação e esperança. Ele tem dito que no Paraná a paz no campo é prioridade. O governador tem nos garantido que neste estado não haverá invasão de propriedades produtivas. O campo permanece em alerta, não pode baixar a guarda, o agro não para e continua em alerta sintonizando com as autoridades públicas”, exemplificou.
Orso complementou que, em todas as oportunidades que o setor produtivo tem para dialogar com o Estado, tem pedido atenção plena às áreas rurais e, também, que há a confirmação do respeito ao direito à propriedade, o direito de ir e vir e da liberdade.
Patrulha Rural: bom trabalho, mas precisa de mais efetividade
O presidente do Sindica Rural Patronal de Cascavel lembrou que a Patrulha Rural da PM tem atuado em consonância com o trabalhador do campo e está próxima do produtor. “Queremos que a Patrulha Rural esteja permanentemente no campo, isso por si só aumenta a segurança e inibe ações ilegais. Só a presença afasta uma série de irregularidades", considerou.
Apesar de elogiar o trabalho, ele aponta para a necessidade de se aumentar o efetivo policial destacado. Ele deu como exemplo o município de Cascavel que, de um extremo ao outro, soma mais de 100 quilômetros de distância. “Cascavel é um município grande e é uma espécie de um retângulo. Se as equipes de segurança estão em um lado, até chegar ao outro é muito longe, precisaria complementar o efetivo e dividir em quatro estruturas e todos seriam atendidos de forma tranquila, com um trajeto menor a ser percorrido”, opinou.
Paraná tem 12,5 mil propriedades rurais cadastradas pela PM
Segundo o coordenador da Patrulha Rural Comunitária no Paraná, o capitão Incare Correa de Jesus, é possível observar que a atuação das equipes tem prevenido tipos diversos de delito no ambiente rural, incluindo o risco de novas invasões. “Com equipes em campo é possível reestabelecer a ordem pública envolvendo a segurança de forma preventiva. A Patrulha consegue se antecipar na coibição de algum crime, ou mesmo de forma operacional (quando ocorre algum delito)”, destacou.
O capitão Incare reconhece a necessidade de novas equipes e reforça que nos próximos meses outras vão integrar o quadro operacional no campo. “Está prevista uma nova fase de expansão, estamos adquirindo novas viaturas, mas sabemos que haverá demanda mesmo se triplicasse ou quadruplicasse as equipes existentes”, ponderou.
O sucesso do trabalho das patrulhas no campo está relacionado à parceria firmada com as comunidades. “Temos uma boa receptividade dos produtores que aderiram bem ao Programa Patrulha Rural Comunitária 4.0”, avaliou o representante da PM. O objetivo do programa é que, por iniciativa do produtor rural, a polícia faça um cadastro e visitas às propriedades. Desde que o programa foi implantado, em junho do ano passado, foram cadastradas 12,5 mil propriedades no Paraná.
Esses método de trabalho é importante, aliado a ações preventivas e operacionais. “Assim que se cadastra, o proprietário recebe uma visita da Patrulha Rural. Nesta visita, o policial faz uma análise da propriedade identificando possíveis pontos e vulnerabilidade, como pontos muito escuros, falta de iluminação, problemas nas estradas de acesso, cercas danificadas, o monitoramento por câmeras. Identificando isso os policiais alertam aos produtores para as alterações e assim pode aumentar a segurança da propriedade”, explicou o oficial.
Além disso, as propriedades cadastradas recebem placas de identificação do programa e um código que as identifica e forma rápida. No caso de acionamento do produtor para alguma ocorrência, ao informar o código, a PM sabe exatamente de qual propriedade se trata. Mais de 5 mil propriedades rurais no estado receberam a placa de identificação do programa.
Quem quiser fazer o cadastro deve procurar o batalhão da PM mais próximo, unidades operacionais da polícia ou, ainda, pelas redes sociais oficiais. Para facilitar o contato entre a patrulha e o agricultor foi criado um Instagram.
Em 14 meses do programa, a Patrulha Rural Comunitária 4.0 efetuou 575 prisões, retirou de circulação 126 armas de fogo em abordagens a pessoas suspeitas circulando pelo meio rural, apreendeu mais de 7 toneladas de maconha e recuperou 78 veículos furtados ou roubados em centros urbanos ou rodovias e levados para áreas rurais.
“Nosso ponto principal tem um viés preventivo e, assim, durante as abordagens foram cumpridos pelas patrulhas rurais 211 mandados de prisão referentes a pessoas que estavam circulando no ambiente rural e que tinham pendência com a Justiça. Mas que para tudo isso dê certo, a PM conta com a parceria comunitária. Esse é um dos principais pilares do sucesso da Patrulha Rural, justamente porque o produtor confia para fazer parte do programa e a aciona quando necessário”, reforçou.
Mapeamento das invasões de terra no Paraná
Em levantamento feito pela Gazeta do Povo no primeiro semestre do ano, o Paraná somava 72 áreas urbanas e 109 propriedades rurais invadidas que tinham reintegração de posse em processos com transitado em julgado, ou seja, que não cabiam mais recursos às decisões judiciais. Os dados foram informados pela Superintendência Geral de Diálogos e Interação Social (Sudis). Este cenário permanece.
No âmbito judicial, o acompanhamento dos casos de reintegração em áreas invadidas no estado vem sendo gerido pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) Fundiário. A finalidade é a realização de audiências de mediação ou conciliação em ações que envolvem conflitos fundiários “em que litigam grupos de pessoas hipossuficientes, com ou sem liderança organizada, cuja ocupação de área urbana ou rural é causadora de relevante impacto ambiental, urbanístico, social e econômico”.
A atuação do órgão é precedida pela Comissão de Conflitos Fundiários, criada em 2019 no âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). É composta por três desembargadores, três juízes de direito e uma servidora efetiva. A proposta do grupo é evitar o uso de força pública, das polícias, no cumprimento de mandados de reintegração de posse e minimizar os efeitos destrutivos e danosos das desocupações, no que diz respeito às pessoas em vulnerabilidade social reconhecida.
No primeiro trimestre deste ano eram 90 processos judiciais sobre áreas invadidas em fase de conciliação envolvendo a comissão.
Para o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, o cenário ideal, no entanto, é que além dos cumprimentos das determinações judiciais que não ajam outros registros ou o retorno de ocupações de áreas.
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