Ao avaliar somente as últimas estatísticas, o panorama da segurança pública no Paraná é relativamente positivo diante da média nacional. O estado mostra índices altos, porém inferiores à maioria das outras unidades da federação. Mas o cenário fica mais escuro quando se avalia as estruturas garantidoras da segurança, em especial as polícias e o sistema penitenciário. Há décadas, o efetivo não chega perto do quadro total de servidores da segurança pública previsto em lei, com salários defasados e presos amontoados em delegacias. Situação que desmotiva quem está na ativa e explica, em partes, porque a polícia paranaense está entre as que mais matam em todo o país e o baixo índice de crimes investigados e solucionados.
Os números mostram que a violência no Paraná vem caindo nos principais indicadores. Isto não quer dizer que os paranaenses vivem em uma ilha segura em meio à desordem nacional – é que o nível comparativo é ruim. O Paraná ocupa a 7ª posição entre os estados menos violentos do Brasil no que se refere a mortes violentas intencionais. Foram 2.555 vítimas deste crime em 2017, ou seja, taxa de 22,6 por 100 mil habitantes, aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A média nacional é 30 por 100 mil habitantes.
A quantidade de presos no Brasil quase dobrou em dez anos. Passou de 401,2 mil presos em 2006 para 726,7 mil em a 2016, conforme o mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado em 2017. O Paraná acompanhou a tendência. De acordo com o mesmo estudo, o estado tem a terceira maior população carcerária do Brasil com 51,7 mil presos. O relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), divulgado em agosto de 2018, aponta que existe déficit de 4.744 vagas. Falta lugar para colocar pessoas nos presídios, sobram presos em delegacias.
“Chegamos a ter 15,4 mil presos em delegacia, hoje temos 12 mil. Dos 11 estados da federação que têm presos na delegacia, o Paraná é o campeão”, denuncia André Luiz Gutierrez, presidente licenciado do Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol) e presidente da Confederação Brasileira dos Policiais Civis.
Mesmo com a imensa população carcerária, apenas os crimes mais graves são investigados. A realidade é um mar de inquéritos parados, investigações que não chegam nem a ser iniciadas e outras tantas que não são concluídas. Isto significa crimes que ficam impunes. "Os números de inquéritos esperando solução são milhares, por falta de pessoal e demora nas perícias", denuncia Daniel Cortês, vice-presidente do Sinclapol. “80% dos crimes não são investigados, os inquéritos acabam arquivados”, estima o coronel da reserva César Alberto Souza e diretor de comunicação da Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares Ativos, Inativos e Pensionistas (Amai).
O Paraná reflete a inoperância nacional. Em 2011, a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), formada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e pelo Ministério da Justiça, estabeleceu a meta que previa concluir os inquéritos policiais de crimes de homicídios instaurados até o dia 31 de dezembro de 2007 em todo o país. Cinco anos mais tarde, ou seja, em 2016, o que se viu foi o arquivamento em massa destas investigações. O Rio de Janeiro apresentou o pior resultado, com 96% dos inquéritos de assassinatos arquivados. No Paraná, 67% dos inquéritos de homicídios concluídos foram engavetados. Isto significa que não houve sequer um réu pela morte de outra pessoa em nenhum destes casos. Somente 30% resultaram em denúncia à Justiça, o que não quer dizer, obrigatoriamente, que houve condenação.
Para especialistas, este cenário mostra que o modelo de segurança pública que vem sendo aplicado há anos não está surtindo efeito e precisa ir além do enfrentamento. O que se espera é diminuição nos crimes, redução na população carcerária, e que não haja impunidade. Veja aqui a avaliação do governo feita em entrevistas anteriores e soluções apontadas.
Origem do mal
Estudos mostram que países com maiores desigualdades sociais, alto índice de pobreza, onde o Estado não oferece amparo, possibilidade de estudo, primeiro emprego e saneamento básico, a insegurança é maior. “A criminalidade não vem de fora”, define Aknaton Toczek Souza, pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Quando o governo não atende as necessidades mais básicas das pessoas ajuda a criar um ambiente ideal para fomentar a indústria marginal, capaz de gerar renda e angariar adeptos. De acordo com José Carlos Garcia, conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), os crimes contra a vida e contra o patrimônio (furto e roubo) são os que causam maior sensação de insegurança na população. “Porém, a alta taxa de incidência desses delitos está direta ou indiretamente associada ao tráfico de drogas”, relaciona.
O tráfico é atividade econômica importante, que oferece muitos “empregos” informais e movimenta altas quantias de dinheiro. “Ocupa espaços em que o Estado não está, substituindo, muitas vezes, diversos serviços públicos importantes”, argumenta Garcia. “Não por acaso, é a população de baixa renda que sente e sofre as maiores consequências da violência no país”, completa. “Gostaria de chamar atenção para Piraquara e Almirante Tamandaré, que estão entre as 30 cidades mais violentas do país e têm baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH)”, relaciona. A Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece que o IDH é inversamente proporcional ao processo de criminalização.
Apesar da sensação de insegurança atingir todas as classes sociais, os números mostram que a violência é muito maior para os pobres. Segundo o Atlas da Violência 2017, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Foi constatado que em todas as unidades da federação os negros com idade entre 12 e 29 anos apresentavam mais risco de exposição à violência que os brancos na mesma faixa etária.
A única exceção é o Paraná, onde os brancos apresentam a taxa de 30,6 assassinatos para cada 100 mil habitantes enquanto que entre os negros o índice é 19. “Segundo o último censo, o Paraná possui 3.3% da população negra, ou seja, proporcionalmente (o índice) ainda é maior”, explica Souza. O dado reforça também que a desigualdade econômica e social é alto fator de risco. “Quem vai à periferia sente medo, está entrando em uma zona de conflito, tem toque de recolher”, aponta o pesquisador.
Na visão do especialista, quando as estruturas que geram comportamentos indevidos não são atacadas, as políticas públicas são ineficazes. “Tem que evitar que as comunidades periféricas fiquem desertificadas, sem presença do Estado, sem que as pessoas possam se sociabilizar”, argumenta.
A estrutura atual dos presídios, superlotados e dominados por facções criminosas que veem aumentar o número de integrantes a cada novo preso. “A proposta de reintegração e ressocialização é uma mentira. Ninguém pode ser (res)socializado se não foi alguma vez socializado (citando o jurista França Júnior), se nunca pertenceu ao convívio social”, avalia Garcia. Para ele, o sistema penitenciário é uma ideia de contenção e segregação e precisa ser repensado.
Tem solução?
O quadro parece transparecer que a solução para segurança pública não existe, ou se há alguma, levaria décadas para ocorrer. Porém, alguns especialistas são mais otimistas e enxergam efeitos em curto prazo, desde que o problema seja enfrentando adequadamente.
Entre as primeiras medidas está o investimento em pesquisa científica. “Só vamos superar problemas graves se compreendermos as reais dimensões deles”, afirma Souza. O especialista aponta que a grande maioria das políticas públicas é baseada em opiniões pessoais e “achismos”, sem embasamento consistente. “Não conseguem dar conta da realidade porque não compreendem o fenômeno criminal”, argumenta. Dentro desta ótica, o especialista sugere, por exemplo, a criação de centros de investigação e bolsas de pesquisa para desenvolver políticas públicas.
Diante do que as pesquisas mundiais já apontam, Souza argumenta que a ação inicial passa pela estruturação das comunidades em locais, hoje, desassistidos. “Sabemos que jovens integrados nas escolas, que conseguem primeiro emprego e possuem espaços públicos para integração geralmente não são cooptados pela criminalidade”, destaca. De acordo com o pesquisador, são medidas que não custam tão caro ao poder público e têm impacto quase que imediato. “Em poucos meses já se pode verificar mudanças.”
O conselheiro da OAB-PR concorda com a abordagem. “A política de segurança pública deve compreender o investimento em serviços públicos: saúde, educação, saneamento básico, iluminação pública nas comunidades mais carentes”, enumera Garcia. O advogado ressalta também que é imprescindível investir na polícia. Principalmente na área de inteligência e investigação.
Este aspecto é reforçado por Diógenes Lucca, autor de livros sobre segurança pública e ex-comandante do Gate, que acha necessário mudar a filosofia de gestão. “A segurança pública nunca foi considerada política de Estado, sempre de governo. São pensadas para o alcance máximo de quatro anos”, considera.
“Começaria com estudo profundo nos estados porque penso que o grande contato do cidadão é com a polícia nos níveis estaduais”, acredita. Ele diz acreditar que polícias municipais e estaduais realizam os mesmo trabalho em algumas ocasiões e perdem eficiência. “Mereceria fazer um estudo sobre a sobreposição de tarefas das polícias.” O procedimento da Polícia Militar em Santa Catarina está entre os exemplos lembrados por Lucca. “Nos crimes de menor potencial ofensivo, o policial que está na rua rapidamente resolve a ocorrência, faz termo circunstanciado e está de volta ao patrulhamento. Na viatura, ele tem uma impressora que imprime a intimação e o exame para fazer no pronto socorro”, exemplifica.
Medida citada tanto por representantes das polícias como por especialistas é o atendimento policial com ciclo completo. Diferentemente do que acontece atualmente, neste modelo a Polícia Militar faz também os trâmites administrativos e encaminha a documentação ao Ministério Público. O Brasil é um dos únicos países do mundo em que existe a divisão de funções. O Projeto de Emenda Constitucional 430, que pretende implementar o ciclo completo, tramita na Câmara dos Deputados desde 2009.
O especialista afirma que é preciso também diminuir o número de quarteis. “O efetivo que você tem para manter o quartel pode ir para rua. Pode-se otimizar sem gastar um tostão funcionando de forma mais integrada e mais harmônica”, afirma. “Poderíamos ter um número somente para emergência. Uma central congrega todos os serviços e destaca o que atende aquela ocorrência, bombeiros, polícia, atendimento de saúde, controle de animais...”, sugere.
O peso da criminalização e como corrigir o desvio de comportamento é um assunto que divide opiniões. De um lado estão especialistas que avaliam que no Brasil prende-se muito e mal. Este sistema teria efeito negativo, porque ao mesmo tempo em que não inibe o crime piora o problema. De acordo com esta linha de raciocínio, presos de menor potencial ofensivo, a grande maioria, são encarcerados em prisões superlotadas, precisam se enquadrar à nova realidade e acabam saindo piores do que entraram, muitas vezes, como integrantes de facção criminosa. “Pessoas que são presas por furtos como comida ou pelo porte de pequenas quantidades de droga, estão associados a outros fatores como miserabilidade, drogadição e abandono. Então, melhorar políticas de assistência social funciona como filtro”, argumenta Souza.
Para o coronel reformado e diretor de comunicação da Amai, a decisão de juiz de primeira instância já determina a culpabilidade do réu, que deveria sair do julgamento direto para a prisão em caso de condenação. “A partir disto, o que se tem é um recurso em 2º grau, que pode ou não ter efeito suspensivo.” A ideia seria coibir a impunidade.
Para Garcia, no Brasil, prende-se pouco por delitos graves e violentos. Por isto, ele também diz acreditar que deveria haver mais racionalidade no número de prisões. “As facções criminosas se formaram e fortaleceram com a grande massa carcerária”, completa.
A avaliação do governo
A Secretaria de Segurança Pública foi procurada sobre vários pontos da reportagem, inclusive em relação às corporações citadas, mas não houve resposta aos questionamentos até o fechamento desta edição.
Em entrevista recente à Gazeta do Povo, o governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) destacou que a Secretaria de Segurança Pública tem dados muito positivos. "Um deles é de que só em Curitiba houve redução de 37% no número de homicídios. Historicamente, nunca houve um trimestre com ganho de eficiência tão grande. Nós assumimos o governo com 40% da frota de viaturas em oficinas. Boa parte delas ainda está no conserto. Estamos agora buscando mecanismos para melhorar essa eficiência. Uma parte alugando carros, uma parte vendendo e comprando carros mais novos. Mas tudo isso passa por um processo financeiro. Vamos anunciar uma economia grande na área de aluguéis de delegacias ainda neste ano. Estamos renegociando os contratos de marmitas dos presídios para diminuir o custo", afirmou.
Para o secretário de Segurança Pública do Paraná, general Luiz Felipe Carbonell, o projeto Cidade da Polícia é uma prioridade. "Sobre as metas, o grande projeto que temos de longo prazo é a Cidade da Polícia [estrutura que unificaria áreas de planejamento e inteligência do estado]. É uma determinação do governador, e já estamos trabalhando no projeto", afirmou em entrevista em março.
Polícia em pontos estratégicos
Em algumas cidades do Paraná, especialmente na capital, os moradores observaram que a polícia estava nas ruas nos últimos meses. Em pontos estratégicos eram posicionados viaturas e policiais em horários de pico. De acordo com a Amai, a Polícia Militar utiliza o número de chamadas e solicitações da população para distribuir as viaturas.
"Quando diminui o número de carros no conserto, a população vê mais policiais nas ruas", aponta a entidade. Para José Carlos Garcia, a ação é interessante, porém não tem efeito de longa duração. "Funciona, especialmente pelo efeito inibitório, mas a experiência demonstra que essa medida tende a perder fôlego com o passar do tempo. Seja pelos custos envolvidos, seja pela rápida adaptação e migração da criminalidade. Afinal, a polícia não consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo", pondera o conselheiro estadual da OAB-PR.
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