Aeronave que faz rota dentro do programa Voe Paraná, no Aeroporto Afonso Pena.| Foto: Jonathan Campos/ Arquivo/ Gazeta do Povo

Após o decreto do governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), em julho de 2019, que possibilitou a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o querosene de aviação para até 7%, parte do pacote de incentivos Paraná Competitivo, oito novos voos surgiram dentro do Paraná, ligando Curitiba a dez cidades do interior do estado, com o programa Voe Paraná. Apesar de ainda estar muito no início, os números do programa indicam que é preciso achar soluções pra não sucumbir à falta de demanda. Nos primeiros 40 dias de voos, as aeronaves tiveram ocupação média de 27%.

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Apesar da expectativa inicial criada pelas rotas regionais, a maior parte dos destinos não tem grande procura de passageiros. A companhia aérea que faz os trechos, a Gol, e o governo do Paraná encaram os números iniciais com normalidade. Especialistas no setor, no entanto, veem com preocupação os primeiros resultados apresentados.

Opiniões em confronto

Com pouco mais de dois meses de operação, os dados mostram que a maioria dos trechos tem baixa demanda. A ocupação média das aeronaves, nos voos vendidos pela Gol e realizados pela Two Flex, é de 27%, ou seja, menos de três passageiros por decolagem. As aeronaves que realizam as viagens têm capacidade para nove passageiros.

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Foram, ao todo, em outubro e novembro, 779 passageiros em 334 decolagens. O programa começou em 22 de outubro e os dados de dezembro ainda não foram divulgados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Conforme o secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná, Sandro Alex de Oliveira, por estar no começo e ter implantado o programa sem atividade prévia, a baixa procura inicial era esperada. “É um sucesso porque nós começamos do zero. Então nós vamos construindo um novo modal para cidades que nunca imaginaram que teriam um voo. Nós temos absoluta convicção de que isso vai aumentar e já temos informações que está em uma crescente”, declarou.

Para Camila Bisinoto Borges, gerente de Alianças da Gol, os números estão dentro do esperado também pela companhia aérea. “É normal em uma fase de instalação das operações. [As rotas] são feitas também pra entender as cidades, os mercados. Ninguém tem um histórico, então é preciso entender como funciona o mercado. Em qualquer inicio é assim”, afirmou.

Especialistas no assunto, no entanto, mostram certa preocupação com o modelo adotado para promover os voos regionais. A troca do serviço por incentivos fiscais do governo é uma fórmula válida para fomentar o setor, mas tem curta duração, conforme explica Elton Fernandes, professor do Programa de Engenharia em Transportes do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Fernandes afirma que tal incentivo acaba extinto caso os interessados não apareçam, porque perde sua função social e afeta a arrecadação de impostos do estado.

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“Se for por curto prazo, você ainda consegue manter mesmo sem passageiros. Mas se persistir a falta de demanda, não tem cabimento a continuidade. Isso significa que o modal não está sendo competitivo”.

Já para o professor Wilson Rocha Gomes, da Escola de Aviação da Universidade Positivo, algumas condições, principalmente de renda, são necessárias para que a demanda cresça a ponto de sustentar as rotas.

“Quando a gente pensa nos fatores indutores do fomento do transporte aéreo, um deles é o PIB da região e o outro é a renda per capita. As pessoas têm que ter rendimento. Em algumas dessas microrregiões, a renda per capita não sustenta o transporte aéreo. Ou seja, as pessoas, de um modo geral, não têm renda para pagar pelas passagens”.

Destinos

O primeiro mês completo do Voe Paraná, novembro, mostra a tendência de uma maior procura por voos que saem do interior rumo a Curitiba. Foram 304 que seguiram sentido capital frente aos 280 passageiros que foram para o interior, um total de 584 usuários.

O grande destaque até aqui é o trecho entre União da Vitória, no Sul do estado, e a capital. Em novembro, foram 67 passageiros em oito voos, o que dá uma ocupação de 93%. A volta, saindo de Curitiba, teve ocupação de 75% no mesmo período (34 passageiros em cinco decolagens).

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A rota de União da Vitória é uma escala até Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná, e a procura pelo trecho faz a média de ocupação ser de metade da capacidade da aeronave. A ida para Francisco Beltrão chega aos 51%, enquanto a volta bate na casa dos 56%.

Mas o caso de sucesso é isolado, já que a grande maioria dos trechos convive com aviões vazios até aqui. A pior rota é a que liga Curitiba a Paranaguá, no litoral do estado. A procura nesse caso é quase nula, e todos os passageiros que fizeram a viagem em novembro, por exemplo, não encheriam uma aeronave. Foram apenas oito, em 18 decolagens. Os números são idênticos nos dois sentidos.

Uma leitura geográfica dos dados mostra que as cidades do Norte e do Noroeste do Paraná também têm baixa procura. Os trechos entre Curitiba e Arapongas, Campo Mourão, Cianorte, Cornélio Procópio e Paranavaí, somados, têm ocupação média menor que 20%. Os voos das quatro cidades rumo à capital geram lotação pouco maior, de 22%.

O trecho entre Curitiba e Guaíra, no Oeste do estado, tem ocupação média maior que os do Norte paranaense. Enquanto a saída da capital tem ocupação média de 20%, a volta chega aos 30%.

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Para Sandro Alex, no geral, o começo do programa é de fato uma fase de entendimento de como funcionam o mercado e a procura. A partir do que foi experimentado nesses primeiros meses, conforme ele, algumas rotas serão extintas enquanto outras podem surgir.

“Não há problema nenhum em fazer uma transferência de destinos. Nós estamos aguardando o fechamento do ano para fazer uma análise para 2020. Agora, nessa segunda avaliação, a gente está pegando quais destinos têm mais demanda, aqueles que têm menos, para poder fazer uma nova avaliação”.

No entanto, segundo o secretário, a intenção é oferecer opções do transporte para todos os cantos do Paraná, mesmo para alguns lugares com baixa demanda. “O governador se colocou à disposição por entender que quer cobrir o estado, onde qualquer empresário, qualquer cidadão que venha a escolher o Paraná como destino, tenha a aviação chegando em todos os lugares”, destacou.

Operação

Conforme o decreto de Ratinho Junior (PSD), a previsão de redução do imposto sobre o combustível é condicionada ao investimento que a empresa faz no estado, uma espécie de renúncia fiscal. No caso do Voe Paraná, a economia de impostos não é oferecida somente nas rotas regionais, mas também para escalas e novos trechos nacionais e internacionais. Assim, mesmo sem grande procura local, a economia da Gol com combustível e os ganhos com passagens e transporte de carga compensam a baixa demanda, conforme os especialistas no assunto.

De acordo com Camila Bisinoto Borges, gerente de alianças da companhia aérea, a parceria entre a Gol e a Two Flex é feita como uma forma de compra de capacidade, modelo bastante comum na aviação regional nos Estados Unidos. A empresa é responsável pelos voos, apesar de não ser quem opera. “Em essência, é um voo Gol, não é considerado um voo da Two Tlex, mesmo sendo operacionalizado por eles. A gente vende o voo, sendo responsável pelos trechos”, resume, sem detalhar como funciona a engenharia financeira por trás da aliança.

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Para o professor Elton Fernandes, mesmo um acordo entre as empresas pelo barateamento do combustível de aviação não é capaz de manter a saúde financeira da operação sem um acréscimo de passageiros. “A Gol tem um acordo com a empresa [Two Flex], com certeza, para vender a passagem direto, estimular o viajante. Mas mesmo com acordo pelo combustível, sem passageiros o serviço não tem um sentido social. A sociedade vai querer ficar pagando por isso?”, questionou, por se tratar de um modelo que troca a arrecadação de impostos pela prestação do serviço.

De acordo com ele, muitas rotas do programa podem valer como uma experiência, uma forma de medir a demanda dos locais, mas devem sumir em breve. “Você pode fazer experimentalmente, por algum tempo. As empresas aéreas, às vezes, fazem isso, experimentalmente estabelecem rotas e, se não ocorre o incremento da demanda, fecham”.

Futuro

Um ponto em comum entre o secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná, Sandro Alex, e a gerente da Gol, Camila Borges, é considerar precoce a análise dos dados vistos até aqui. Para Sandro Alex, a consolidação das rotas trará um maior interesse dos passageiros e o crescimento dos mercados em torno dos destinos deve impulsionar o programa. “Foram 584 casos de empresários que puderam estar próximos, gerando emprego, renda, prospectando, 584 pessoas que precisaram da mobilidade, da velocidade, que fizeram a sua locomoção não só até Curitiba mas com outros estados. Então isso é um ganho exponencial. São pessoas que não tinham voo. As pessoas passam a conhecer e passam então a fazer as suas compras”, afirmou, em referência ao número de passageiros que pegaram as rotas regionais em novembro.

Além disso, o programa ajudou a reverter a queda de 60% nos voos registrada entre 2014 e 2018, segundo levantamento feito pelo economista João Ricardo Tonin, em fevereiro de 2019. “Nós tivemos muitas perdas, ao longo dos últimos anos, de conexões de voos e destinos. Nós tivemos um aumento da alíquota no Paraná, que prejudicou muito a aviação em geral. Estamos conseguindo agregar, mês a mês, novos voos, novos destinos”.

A gerente da Gol destaca também que contribui na análise o fato desses trajetos terem sido criados recentemente, o que impossibilita a análise de qualquer histórico de demanda. “É muito precoce, a gente precisa de muito mais dados. Ainda mais em mercados diferentes, que a Gol não está acostumada a operar, a gente está aprendendo conforme vai operando. Não dá pra dizer se é bom, ou ruim, nem se é médio. Precisamos de mais tempo para avaliar e dar um veredito.”

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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