A autorização concedida aos estados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de computar novamente no cálculo do ICMS as tarifas de uso do sistema elétrico despertou manifestações de agentes representativos de concessionárias e consumidores do setor elétrico. Para os órgãos, a liminar deferida pelo ministro Luiz Fux, no último dia 9, é equivocada e traz insegurança jurídica ao setor. Segundo eles, alguns estados sequer retiraram as tarifas do imposto, descumprindo durante meses a lei que havia determinado a exclusão das tarifas.
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A cobrança das tarifas de transmissão e distribuição de energia elétrica (TUST e TUSD) sobre o cálculo do ICMS foi suspensa pela Lei Complementar 194/22, promulgada em junho do ano passado. A mesma lei que limitou a aplicação das alíquotas do imposto aos pisos de 17% e 18% para produtos e serviços considerado essenciais, como energia, combustíveis, gás natural, comunicações e transporte público. Em alguns estados, a incidência chegava a 29%.
Depois de promulgada a lei, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7195) foi movida por 11 estados e pelo Distrito Federal junto ao Supremo, questionando seus efeitos. E, agora, a liminar concedida por Fux, embora ainda vá a plenário para uma decisão em definitivo, estende a todos os estados da federação o direito imediato de retomar a cobrança das tarifas.
Mas, para além do impacto que todos os consumidores sentirão a partir de março nas contas de luz - que devem ficar entre 9% e 10% mais caras, segundo estimativas de associações representativas do setor elétrico - a discussão sobre a constitucionalidade da ação serviu de justificativa para que diversos estados não cumprissem com o que determinava a lei complementar.
Segundo levantamento encomendado pela Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), em dezembro de 2022, apenas 30% de 37 concessionárias de energia avaliadas em todo o Brasil haviam deixado de efetuar a cobrança até aquele momento. E a lei já valia para as contas de agosto. Com isso, boa parte dos brasileiros sequer chegou a se beneficiar com a redução na conta de energia.
“Nosso trabalho foi procurar os associados e perguntar se podíamos tirar uma fotografia da conta de energia, para ver o que estava acontecendo. E em muitos casos observamos que essa cobrança ainda estava sendo feita”, relata Carlos Faria, diretor-presidente da Anace.
Vale lembrar que as distribuidoras de energia apenas recolhem o valor e repassam aos estados, o que implica dizer que a cobrança das tarifas de uso do sistema elétrico sobre o ICMS seguia sendo feita por determinação dos governos. Tecnicamente, a TUSD engloba a TUST, entrando como se fosse um custo único - e o que o consumidor vê, na conta de luz, é o descritivo do custo como uso do sistema.
Em janeiro deste ano, a partir da análise do levantamento, a entidade iniciou um trabalho de mobilização junto aos governos estaduais para reforçar a necessidade de aplicação da lei. “Muitos deles acabaram nos dizendo que a discussão estava no STF e por isso não iriam, em princípio, adotar a redução”, conta.
De acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), apenas o Distrito Federal e os estados de Minas Gerais, Rondônia, Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul regulamentaram completamente a redução do ICMS. No caso do Paraná, a adequação à lei complementar só aconteceu em outubro de 2022 (veja abaixo).
Como consequência, para o diretor Institucional e Jurídico da associação, Wagner Ferreira, os estados que não se adequaram serão injustamente beneficiados. “O status deles é o mesmo do ano passado: permaneciam cobrando o ICMS sobre aquela base de cálculo, que são os serviços de distribuição, transmissão e encargos setoriais. Vitória dos estados e derrota da população”, afirma.
Na hipótese de os estados ganharem definitivamente a ação e a retirada da cobrança for considerada inconstitucional, ainda não é possível dizer se os governos que aplicaram a redução poderão requerer as perdas acarretadas. E, numa hipótese contrária, caso a ação seja desfavorável aos estados, também é cedo para avaliar se os consumidores prejudicados pelos que não cumpriram a lei poderão solicitar a devolução dos valores pagos indevidamente.
Segundo a diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Anace, Mariana Amim, geralmente questões tributárias, quando passam por uma decisão definitiva no STF, são posteriormente avaliadas pelo instituto de modulação da corte. “A modulação provavelmente vai tratar dessa matéria, dando o contorno de quanto ela retroage ou não. A prática nos mostra que, normalmente, a decisão não retroage, mas a modulação pode caminhar para um sentido diferente”, explica.
Ela reforça, porém, que não é possível afirmar com certeza se haverá uma decisão de modulação para a pauta. É preciso, portanto, esperar para ver como será tratada a matéria a partir da votação definitiva.
Liminar é equivocada, na visão das associações
Para o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, embora seja compreensível a posição dos estados em reclamar redução de receitas, a decisão do Supremo é um equívoco ao autorizar o retorno das tarifas de uso do sistema elétrico sobre o ICMS. “A conta de luz já é alta demais, e muito mais por tributos e encargos do que pelo consumo da energia em si”, opina.
A Frente lembra que muitos dos valores cobrados na conta de energia são referentes aos encargos setoriais que agregam decisões de políticas públicas e subsídios que não integram operações com energia elétrica.
Inclusive por isso, para Luiz Eduardo Barata, a análise sobre a questão deveria não só considerar a redução de arrecadação dos estados, mas também a situação dos consumidores. E acende o alerta para uma insegurança jurídica despertada pela liminar, com a edição de leis tributárias que afetam agentes setoriais e contribuintes. “A questão deveria respeitar a lei em vigor, e que se discuta isso na reforma tributária”, expõe.
De opinião semelhante, a Abradee acrescenta que a redução tributária é positiva para os estados, já que aumenta o poder de compra das pessoas e incentiva geração de riquezas. E reforça que a lei deveria ser mantida, já que é o Congresso Nacional quem decide o que é base tributária ou não. “O estado tem poder para tomar decisões, mas quem determina a base conceitual tributária é o Congresso Nacional. Sobre os serviços de distribuição, transmissão e encargos setoriais não deve incidir ICMS”, atesta.
A Anace vai além, e antevê que a redução das alíquotas ao teto de 18% estipulada pela mesma lei complementar também está em risco. “Essa alteração não foi afetada pela decisão do STF, embora diversos estados estejam buscando alternativas para elevar novamente esse imposto aplicado nas contas de luz”, afirma Carlos Faria.
Próximos passos
A justificativa dada pelo ministro Fux para a concessão da liminar levou em consideração não apenas a competência tributária de cada ente, estados e União, mas as perdas bilionárias relatadas pelos governos estaduais em decorrência da Lei Complementar 194/22. Segundo estimativa trazida aos autos, informa o STF, a cada seis meses os estados deixariam de arrecadar, aproximadamente, R$ 16 bilhões, o que também poderia repercutir na arrecadação dos municípios.
O ministro também observou que a União, ao definir os elementos que compõem a base de cálculo do tributo, possa ter invadido a competência dos estados relativamente ao ICMS. "Não se afigura legítima a definição dos parâmetros para a incidência do ICMS em norma editada pelo Legislativo federal, ainda que veiculada por meio de lei complementar", ressaltou na decisão.
Fux lembrou que a discussão sobre a base de cálculo adequada na tributação da energia elétrica - se o valor da energia consumida, em si, ou o da operação do sistema, que incluiria os encargos em questão - ainda está pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o regime de recurso especial repetitivo.
O assunto tramita no STJ desde 2017, cadastrado sob o tema 986. Em 2019, o ministro Herman Benjamin definiu a Primeira Seção da corte como responsável pelo julgamento do recurso. Será ela, então, que decidirá em definitivo se o contribuinte vai pagar ICMS somente sobre a energia consumida ou sobre os custos de operação do sistema. Não há data prevista para este julgamento.
Enquanto isso, valem os efeitos da liminar concedida por Fux no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade – que, agora, segue para votação no plenário do STF, o que deve acontecer até o dia 3 de março. Até lá, todos os estados podem aderir imediatamente ao que determina a liminar e incluir, novamente, as tarifas sobre o uso do sistema elétrico na base de cálculo do ICMS.
As entidades representativas das concessionárias de energia e dos consumidores garantem que vão atuar para que a decisão final favoreça os consumidores, munindo o plenário da corte das informações sobre os efeitos positivos colhidos com a redução do ICMS sobre a energia.
No Paraná
O governo do Paraná retirou da base de cálculo do ICMS as tarifas do uso do sistema elétrico em outubro de 2022 - embora a lei complementar tenha sido promulgada em junho e, seus efeitos, já devessem ter sido aplicados imediatamente. Na ocasião, a Secretaria da Fazenda do estado oficializou a norma em ofícios encaminhados às distribuidoras.
Agora, o estado informa que, em vista da liminar do STF, aplicará imediatamente seus efeitos e os reflexos já devem aparecer nas faturas do próximo mês. Em nota, a Secretaria da Fazenda do Paraná confirma que “atendeu a liminar proferida com efeitos imediatos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que restitui aos estados membros a competência tributária, enquanto aguarda a decisão do julgamento em conjunto pelos ministros da corte, nas próximas semanas”. O estado não comenta os possíveis retroativos gerados, afirmando que aguardará a decisão em definitivo do STF sobre essa interpretação.
O governo acrescenta que não é possível quantificar no momento o quanto as contas de luz dos paranaenses ficarão mais caras em virtude do retorno das tarifas no cálculo do ICMS. Mas informa que a arrecadação total do imposto do Paraná caiu 15% após a implantação da Lei Complementar 194.
De acordo com a Secretaria da Fazenda, considerando todos os setores afetados (combustíveis, gás natural, comunicações e transporte público), a queda na arrecadação foi de R$ 3,13 bilhões de agosto a dezembro de 2022, tendo sido a desoneração no setor de energia responsável por 64% deste montante, impactando em R$ 2,01 bilhões o fisco estadual.
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