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| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A prisão do ex-governador Beto Richa (PSDB), acusado de receber propina de concessionárias de rodovias, é o mais novo e “dramático” capítulo de uma longa história de 22 anos de polêmicas e suspeitas envolvendo o pedágio no Paraná. A Lava Jato acredita que a corrupção envolvendo as concessionárias e integrantes do poder público estadual tenha começado em 1999 – apenas dois anos após a assinatura dos contratos e só um ano depois do início da efetiva cobrança das tarifas pelas empresas vencedoras da licitação.

Mas nem só de suspeitas de corrupção é feita a história do pedágio no Paraná. Ela também é exemplo de como contratos mal elaborados e a demagogia de políticos podem prejudicar o interesse público.

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A origem do mal: por que o pedágio é tão caro?

Na década de 1990, os governos começaram a ficar sem dinheiro para investir em obras de infraestrutura. As estradas se deterioravam. E o debate sobre a concessão de rodovias para a iniciativa privada, como forma de resolver o problema, ganhou força. O Paraná foi um dos primeiros estados do país tomar a decisão: ia conceder estradas para a iniciativa privada.

Primeiramente, o governo do estado fechou um contrato com a União por meio do qual rodovias federais foram delegadas ao Paraná para, depois, serem privatizadas pelo estado. Em 1997, os seis lotes de estradas, num total de cerca de 2,5 mil quilômetros, foram licitados pela administração do então governador Jaime Lerner. A assinatura dos contratos de concessão foi feita em novembro daquele ano, com prazo de validade de 24 anos (ou seja, até o fim de 2021). As empresas vencedoras tiveram sete meses para arrumar as estradas antes de começar a cobrar tarifa.

A cobrança começou efetivamente em junho de 1998. As estradas estavam muito melhores do que as de 1997. Mas o pedágio estreava já com a primeira e mais persistente polêmica: o alto preço da tarifa.

Havia justificativas técnicas para os valores elevados. O Paraná optou por um modelo de concessão em que a empresa vencedora não era a que ofertasse a menor tarifa, mas a que aceitasse fazer a manutenção de uma maior extensão de estradas. A licitação também exigia obras de duplicação das estradas – o que encarecia a tarifa.

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Além disso, o país vivia um cenário econômico muito diferente do atual, com altos juros e maior insegurança jurídica para investir. Para atrair empresas interessadas em administrar o pedágio, o governo estadual sinalizou com um lucro previsto no contrato (tecnicamente chamado de taxa interna de retorno) de 20%. “As crises externas afetavam duramente o Brasil. Diante desse quadro, ninguém investiria sem uma taxa atrativa”, justificou Lerner, num relato de 2013.

O problema é que o contrato não previu a possibilidade de rever e até mesmo reduzir a taxa de retorno, adaptando-a a possíveis novos cenários econômicos do país. Só a exemplo de comparação: os contratos de concessão de estradas firmados pelo governo federal na década seguinte têm taxa de retorno de 8%.

Populismo de Lerner criou condições para o esquema de corrupção

Apesar das explicações técnicas, o usuário das estradas não gostou nada do preço alto. E Lerner, que à época era candidato à reeleição, começou a perder popularidade. Então ele tomou a primeira medida demagógica envolvendo o pedágio paranaense que, apesar de inicialmente parecer boa, demonstrou ser ruim para o interesse público. Em julho de 1998, apenas um mês após o início da cobrança do pedágio, o governador baixou unilateralmente o valor das tarifas em 50%, na média.

Lerner se reelegeu. Mas as concessionárias recorreram à Justiça – que as desobrigou de promover os investimentos previstos nos contratos. Elas ficaram responsáveis apenas pela manutenção das estradas. Estava iniciada uma guerra judicial entre estado e empresas que ia durar até o ano de 2000 – quando o governo do Paraná, governo federal e as concessionárias fecharam um acordo.

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Pelo acerto, as empresas desistiram das ações judiciais que moviam contra o estado. Em troca, foi assinado o primeiro aditivo contratual do pedágio, que estabeleceu adiou para o fim da concessão a obrigação de as empresas realizarem as obras de duplicação das rodovias. Outro aditivo, também benéfico às empresas, veio a ser assinado em 2002.

Segundo as investigações Lava Jato, foi nesse período – a partir de 1999 – que começou a corrupção no pedágio do Paraná. Delatores relataram que concessionárias, em função das dificuldades que estavam tendo com o governo, decidiram pagar propina para funcionários do estado para obter pareceres favoráveis às empresas e para afrouxar a fiscalização, entre outras vantagens. O valor inicial dos pagamentos, segundo os depoimentos, foi de R$ 120 mil.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), esse esquema funcionou de forma ininterrupta até 2018 – quando a Lava Jato deflagrou operação para apurar o caso. Até o governo de Beto Richa, iniciado em 2011, não há evidências da participação de agentes políticos na corrupção.

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“Baixa ou acaba”. Não baixou, nem acabou. E a corrupção continuou

Em 2003, o Paraná passou a ser governado por Roberto Requião , que se elegeu no ano anterior com um bordão que se tornou antológico: “O pedágio baixa ou acaba”. Requião passou os primeiros meses de sua gestão negociando com as concessionárias para reduzir a tarifa. Sem fechar acordo, declarou guerra contra as empresas. Uma nova briga que teria impacto negativo para o interesse público.

Ao longo de seu governo, encerrado em 2010, Requião tomou uma série de medidas contra as concessionárias. Prometeu construir as “estradas da liberdade” para os motoristas fugirem do pedágio (quase nada saiu do papel). Anunciou a encampação do pedágio (o estado assumiria a cobrança). Usou a invasão de 11 praças de cobrança pelo MST para determinar a intervenção no sistema. Negou por sucessivas vezes os reajustes previstos em contrato. Nada deu certo. Em geral, a Justiça barrou as iniciativas do governador. As empresas também usaram o contencioso judicial, que chegou a mais de 140 ações, para travar os investimentos que teriam de promover nas estradas.

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As dificuldades criadas por Requião para as concessionárias também ajudaram a manter a indústria de venda de “facilidades” dentro do governo. Segundo a Lava Jato, os pagamentos mensais de propina para funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) continuaram nesse período. Afinal, nas condições de animosidade com o governador, para as concessionárias era muito mais necessário ter agentes infiltrados nas linhas “inimigas”.

Durante o governo Requião, a Assembleia Legislativa do Paraná também promoveu duas CPIs para investigar o pedágio. A primeira delas, presidida pelo então deputado estadual André Vargas (PT), mais tarde preso pela Lava Jato por envolvimento no escândalo da Petrobras, concluiu que os contratos eram juridicamente perfeitos e que nada podia ser feito para baixar o valor da tarifa. Em 2007, outra CPI saiu do papel, mas não teve influência alguma sobre o preço do pedágio.

Richa assume e o esquema migra para o alto escalão

Em 2010, a eleição para o governo do Paraná de Beto Richa abriu a possibilidade para estado e concessionárias voltarem à mesa de negociação. Afinal, ele era um político bem mais receptivo à iniciativa privada do que Requião.

E de fato estado e empresas voltaram a conversar. Pouco após assumir o Palácio Iguaçu, em janeiro de 2011, Richa e as concessionárias “suspenderam” a batalha jurídica que, àquela altura, já havia resultado em 140 ações judiciais. E começaram a negociar uma redução no valor da tarifa.

O governador tucano conseguiu algumas vitórias pontuais ao longo de sua gestão, encerrada em 2018. Obras menores previstas nos contratos foram antecipadas pelas concessionárias. Anunciou uma redução no lucro das concessionárias de 20% para 8% ou 9% (não era bem assim, conforme mostrou a Gazeta do Povo). O preço do pedágio, contudo, continuou alto.

A contrapartida para o corte mais significativo da tarifa seria a prorrogação dos contratos sem licitação. Ou seja, as mesmas empresas continuariam a gerir as estradas após o encerramento dos contratos, em 2021. Nunca se chegou a um acordo sobre o porcentual do corte no preço do pedágio tampouco dos novos prazos para os contratos. Também pesou o fato de as rodovias serem da União, que teria de dar aval a uma renovação dos contratos. E, à época, o governo federal estava sob comando do PT – adversário do PSDB de Richa.

Ao mesmo tempo, uma série de estudos e investigações indicavam que o pedágio no Paraná era lesivo ao interesse público e ao usuário. Chegaram a essa conclusão, em diferentes momentos durante a gestão Richa, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e a Fundação Instituto de Administração (FIA).

Em 2013, a Assembleia Legislativa promoveu mais uma CPI do Pedágio. O relatório final defendeu a redução de até 25% das tarifas. Mas, de resultado prático, nada mudou. A CPI de 2013 foi a terceira a investigar a concessão de rodovias em dez anos. Nenhuma delas, tampouco outros órgãos estaduais de controle, conseguiram puxar o fio da meada do que ocorria nos bastidores. Isso só veio à tona quando a Lava Jato chegou ao pedágio paranaense.

De acordo com as investigações, foi na gestão Richa que a corrupção deixou de ser um esquema só de servidores para abastecer a cúpula do governo – incluindo o governador, a quem a Lava Jato acusa de ser o chefe do esquema. Isso teria ocorrido por meio de obras superfaturadas e pelo repasse de 2% do valor dos contratos, em pagamentos de propina que chegavam a R$ 500 mil mensais.

De acordo com a Lava Jato, o pagamento de propinas que havia começado em 1999 só se encerrou no início de 2018, pouco antes da deflagração da primeira operação envolvendo o pedágio no estado.

Cida “repete” Lerner. E caberá a Ratinho encerrar a história

Mas nem mesmo com o fim do esquema as polêmicas envolvendo o pedágio acabaram. Em outubro do ano passado, já com Richa fora do Palácio Iguaçu, a então governadora Cida Borghetti “copiou” Jaime Lerner e tomou uma medida populista: decretou a intervenção nas seis concessionárias do pedágio. Coronéis da Polícia Militar entraram nas empresas para fiscalizá-las e abrir a “caixa-preta” do pedágio. A medida foi tomada a três dias da eleição do primeiro turno. Havia dado certo para Lerner, mas não deu para Cida: seu principal concorrente, Ratinho Júnior se elegeu governador.

Aliás, caberá a Ratinho encerrar a longa história de suspeitas e polêmicas do pedágio paranaense. Os contratos se encerram em novembro de 2021, durante o seu mandato.

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