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Tudo lotado: na integração temporal não precisa ser assim. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo/ Arquivo
Tudo lotado: na integração temporal não precisa ser assim.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo/ Arquivo

Não é de hoje que Curitiba ostenta a imagem de cidade exemplar no quesito transporte coletivo. O responsável é o sistema Bus Rapid Transit (BRT), tipo “ligeirão”, criado na capital nos anos 1970 e atualmente presente em mais de 200 cidades do mundo. No entanto, apesar da fama, atualmente a Rede Integrada de Transporte (RIT) curitibana já deu sinais de cansaço e vem perdendo usuários, evidenciando que a falta de inovação na mobilidade urbana da capital está cobrando seu preço.

Uma das possibilidades de melhora na rede, que funciona essencialmente da mesma forma há mais de quatro décadas, seria a adoção da integração tarifária temporal – normalmente chamada de “bilhete único”. A ideia não é nova e uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUC-PR mostrou que a adoção desse tipo de cobrança em Curitiba poderia reduzir em 25% o tempo de deslocamento dos passageiros.

Existe um discurso muito forte de que Curitiba é inovadora no transporte, só que no dia a dia há uma contradição, você vê que isso não acontece na cidade.

Jaqueline Massucheto arquiteta e mestranda responsável pelo estudo

A Urbs, por sua vez, que gerencia o transporte em Curitiba, justifica que a adoção desse modelo em todo o sistema encareceria a tarifa. Leia mais abaixo.

Como funciona a integração atual

Salvo algumas exceções pontuais, a integração do transporte coletivo curitibano é física: é preciso estar dentro de uma estação-tubo ou de um terminal para poder trocar de ônibus sem pagar uma nova passagem. Já na integração temporal é possível fazer essa conexão em qualquer lugar ou linha, dado um determinado espaço de tempo, sem precisar pagar uma nova passagem. No Brasil, esse sistema já é largamente utilizado em várias grandes cidades, como São Paulo, Fortaleza, Rio de Janeiro e Campinas.

“Existe um discurso muito forte de que Curitiba é inovadora no transporte só que no dia a dia há uma contradição, você vê que isso não acontece na cidade. Isso porque o sistema perde mais usuários a cada ano que passa e os congestionamentos também estão aumentando”, afirma a arquiteta Jaqueline Massucheto, mestranda responsável pelo estudo.

Ela acrescenta que não há políticas para incentivar o uso do transporte público, ao passo que o carro está cada vez mais presente. “Como assim Curitiba é inovadora, sendo que a gente não vê inovação?”.

Foi partindo dessa premissa que ela se dispôs a investigar se a integração tarifária temporal traria benefícios suficientes para a cidade. Para isso, foram usados dados de cerca de 10 mil viagens realizadas em Curitiba (sem incluir a Região Metropolitana) registradas na Pesquisa Origem-Destino publicada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) em 2017. Aliando essas informações ao Google Maps e a um software de inteligência artificial, a pesquisadora pôde analisar o uso das rotas de que a RIT dispõe hoje, com a integração física, e simular a possibilidade de fazer as mesmas viagens utilizando a integração temporal.

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Em um exemplo de viagem apresentado no trabalho, uma pessoa que mora no bairro CIC precisa se deslocar até o Sítio Cercado para trabalhar. Para gastar apenas uma passagem, usando o sistema atual ele poderá levar até 1h52min para concluir a sua viagem e precisará pegar quatro linhas diferentes, passando por três terminais (CIC, Pinheirinho e Sítio Cercado). Com o incremento de apenas mais uma passagem, o tempo total dessa viagem cai para 51 minutos e o passageiro só precisa pegar dois alimentadores para chegar ao destino final.

Além da diminuição do tempo de locomoção dos passageiros, os resultados apontam que o bilhete único possibilitaria redução de 36% nas emissões de monóxido de carbono e reduziria, em média, em 4,53 quilômetros o trajeto total realizado por usuário.

Competitividade no mercado da mobilidade

Ainda que a maior polêmica da chegada de aplicativos de corridas particulares, como o Uber, tenha sido em relação aos taxistas, essa tecnologia também impacta o transporte coletivo. Com preços acessíveis, muitas vezes uma corrida em um carro particular pode valer mais a pena do que pegar ônibus, compensando um custo um pouco maior com muito mais conforto e agilidade.

Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-PR, Marlos Hardt ressalta a necessidade de atualização do sistema de transporte coletivo na capital para que ele seja mais competitivo. “O sistema foi pensado para uma cidade de meio século atrás. Na década de 1970 as demandas eram outras – o computador nem existia! A vida na cidade era uma coisa completamente diferente”, lembra.

Ele explica que Curitiba teve dois grandes marcos de desenvolvimento urbanístico: o Plano Agache, da década de 1940, e o plano diretor baseado em eixos troncais, ligando as extremidades da cidade por meio das canaletas do biarticulado. Ambos foram inovadores e mudaram a dinâmica da cidade, melhorando a infraestrutura e a ocupação das periferias. Tantas décadas depois, porém, as necessidades da população mudaram.

“Curitiba se transformou numa refém da sua própria inovação. Essa inovação que chegou com BRT, com o ônibus biarticulado, que faz com que até hoje venha gente do mundo inteiro para Curitiba para conhecer o sistema, parece que freia uma possibilidade de mudança do sistema”, opina o arquiteto. “Cada vez mais as pessoas têm vindo quase que para conhecer um patrimônio histórico, não uma inovação”.

De acordo com dados do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp) cada vez menos pessoas têm usado ônibus em Curitiba. De janeiro a dezembro de 2018, o total foi de 176,7 milhões de passageiros – uma queda de 2,89 milhões em relação a 2017. Nos anos anteriores, a redução foi ainda mais brusca. De 2016 para 2017, a queda foi de 19,8 milhões. Entre 2015 e 2016, por sua vez, a diferença foi de 17,6 milhões de passageiros.

O custo do bilhete único

Algumas linhas, como o Interbairros I, contam com a integração temporal porque, segundo a Urbanização de Curitiba (Urbs), essa opção é mais conveniente do que construir novos terminais. O órgão justifica que a adoção desse modelo em todo o sistema encareceria a tarifa, já que a saúde financeira dele seria abalada com a perda da arrecadação dessas passagens. “O empresário ganha por passageiro transportado, não por quilômetro rodado. Se não tiver a receita dessas baldeações, automaticamente a tarifa vai subir”, afirma o coordenador de Operações de Transporte da Urbs, Ismael França.

O estudo de Jaqueline mostra que, de fato, haveria uma perda de 23% na receita. “Muito se fala sobre o impacto financeiro da integração temporal, mas a integração física não sai de graça para o município”, pondera a arquiteta. “Para o sistema [de integração física] ser eficiente hoje e competir com o Uber, ele vai precisar de uma infraestrutura muito robusta, o que exige espaço da cidade. E como vai ficar isso? Vai ter mais vias exclusivas? Vai ter mais mini terminais? E o custo disso, onde fica?”.

Questionado sobre melhorias que a Urbs têm feito para tornar o transporte público mais atrativo, França mencionou justamente a criação de faixas exclusivas para circulação de ônibus, como a que foi inaugurada em janeiro na Rua General Mário Tourinho.

Mudanças como a implementação da tarifa temporal, barateando e dando mais agilidade ao passageiro, têm o potencial de resgatar os usuários perdidos ao longo dos anos. “Talvez numa conta simples e rápida, a integração temporal seja mais ‘cara’ para o poder público. Mas, digamos que ela consiga resgatar 200 mil, 300 mil usuários por dia para o sistema. Será que essa atratividade não traz um benefício, inclusive financeiro, para o sistema? No final das contas, o que é bom para a população, é bom para o poder público”, assegura Hardt.

“Nós não encaramos a integração temporal como uma atratividade para o poder público, mas para o usuário. Nosso sistema é montado para que o usuário possa ter interesse de usar o sistema”, explica o secretário de Transportes de Campinas (SP), Carlos José Barreiro, onde o bilhete único existe desde 2006. Na cidade, 95% do uso da integração temporal – que dura por duas horas a partir do pagamento da passagem – é feito para apenas uma viagem “extra”. A partir da segunda viagem adicional, há acréscimo de R$ 0,40, também debitado automaticamente do smartcard.

Ampliar a adesão ao Cartão Transporte seria um primeiro passo e um fator essencial para a aplicação do bilhete único em Curitiba – e para a modernização do sistema, em geral. O cartão é utilizado por aproximadamente 60% dos usuários da RIT e, para que esse número cresça, é importante simplificar e incentivar essa modalidade de pagamento.

Ainda que o acesso a 89 linhas da RIT seja feito exclusivamente com o smartcard, hoje só é possível comprar créditos via internet, através de boleto bancário, em postos de atendimento da Urbs (na Rodoferroviária e em Ruas da Cidadania) ou em 23 bancas de jornais espalhadas pela cidade. Não há facilitadores como totens de venda automáticos instalados em terminais ou desconto na tarifa adquirida no cartão.

Em Campinas, por exemplo, além dos terminais e do pagamento pela internet, via site ou aplicativo, o usuário dispõe ainda de mais de 300 pontos de vendas de créditos. Lá, a tarifa base vigente é de R$ 4,70, mas sai por R$ 4,30 no bilhete único.

A Urbs afirma que está estudando a possibilidade de uma parceria com a Caixa Econômica Federal e com o Banco do Brasil para aumentar o número de pontos de venda de créditos para o cartão transporte. Também estariam em curso estudos a respeito da implantação de totens de autoatendimento em terminais. Contudo, não há previsão de quando essas mudanças seriam efetivadas.

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