Frente a frente, quatro mulheres devem confrontar versões, diante do juiz e do promotor, na próxima sexta-feira (23). Elas são acusadas de serem as principais beneficiadas em um esquema de desvio de recursos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que veio à tona há um ano, quando foi deflagrada a Operação Research. O objetivo da acareação é tentar desvendar um dos principais mistérios: onde foi parar a maior parte dos R$ 7,3 milhões desviados. Até o momento, contas bancárias e bens foram bloqueados, mas com valor estimado em R$ 1 milhão.
Entre os 32 réus do processo em andamento na Justiça Federal, em Curitiba, estão Conceição Abadia de Abreu Mendonça e Tânia Catapan, servidoras da UFPR, Maria Áurea Rolland, funcionária aposentada, e a filha dela, Gisele Rolland. Elas prestaram depoimento, mas as versões foram consideradas inconsistentes. Além disso, elas se acusam mutuamente. Como as declarações divergem, será promovida a acareação.
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Paulo Gomes de Souza, advogado que defende Conceição, afirma que a cliente sempre falou a verdade e tem interesse na acareação. “Ela é ré confessa. Sabe que vai ser condenada, mas está disposta a assumir somente a parte que tem na culpa e espera ter redução de pena por ter confessado e contribuído com a investigação”, disse. Conceição chegou a ser presa, mas foi libertada para aguardar, em casa e com tornozeleira eletrônica, o julgamento. O advogado comenta que continua negociando a delação premiada, mas o acordo ainda não foi fechado.
Emerson Ferreira de Almeida, advogado de defesa de Gisele Rolland, disse que a cliente “sabia que se tratava de um rolo”, mas não tinha conhecimento que era um desvio de recursos da UFPR. Ela alegou que recebia R$ 1 mil para obter contas bancárias para que Conceição conseguisse operacionalizar o esquema. Em depoimento, Gisele isentou a mãe, Maria Áurea, de qualquer responsabilidade – disse que ficava com o cartão bancário dela. O advogado também acredita na absolvição da servidora aposentada, alegando que não há materialidade contra ela. Sobre a acareação, Almeida disse que a cliente não teme ou tem qualquer objeção, mas que considera desnecessária já que teria apresentado justificativas que considera plausíveis.
A reportagem procurou contato com a defesa de Tânia Catapan, mas não obteve resposta até o momento. O espaço segue aberto para manifestações.
A previsão é de que a sentença saia em abril. Mesmo com o processo judicial em curso, a investigação segue. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal buscam rastrear o dinheiro desviado e apuram indícios de outras irregularidades, como contratação ilegal de funcionários e problemas em licitações de compras.
Entenda o caso
Aproveitando-se de brechas no sistema interno da UFPR, servidores incluíram na lista de beneficiados de auxílio-pesquisa pessoas que não tinham vínculo com a instituição e que não teriam prestado qualquer serviço. O desvio começou pequeno, com poucos envolvidos e pagamentos módicos, e cresceu de forma a chegar a 30 pessoas, incluindo moradores de outros estados, que constavam como beneficiários de bolsas. Os pagamentos suspeitos tiveram início em 2013 e se estenderam até 2016. Cabeleireira, artesã, motorista e vendedor estão entre as profissões dos supostos bolsistas.
Os valores desviados são significativos: os R$ 7,3 milhões representam 6% de tudo o que foi destinado para auxílio a estudantes e pesquisadores no período (R$ 122 milhões, em quatro anos). Os pagamentos escaparam a todas as formas de controle da UFPR.
Nove servidores da UFPR tiveram os bens bloqueados, na busca pelo ressarcimento dos valores desviados de pesquisas para pessoas que não tinham qualquer vínculo com a universidade. O reitor Ricardo Marcelo Fonseca afirmou, à época, que soube do desvio de recursos logo que assumiu a administração da UFPR, em janeiro, mas que a denúncia à Polícia Federal havia sido feita poucos dias antes de ele tomar posse, ainda na gestão do ex-reitor Zaki Akel. Ambos afirmam que tomaram providências assim que foram informados sobre condutas irregulares.
A Gazeta do Povo estava investigando o caso quando a operação foi deflagrada. A estudante Débora Sögur Hous procurou o jornal em janeiro de 2017 e contou que havia feito um rastreamento, por meio do Portal de Transparência do governo federal, nos pagamentos realizados e havia identificado situações suspeitas. A investigação jornalística estava em curso quando estourou a operação da PF, baseada em descobertas do Tribunal de Contas da União (TCU).
Sindicância na UFPR ainda não foi concluída
Em tese, a universidade tinha 120 dias – 60 dias, prorrogáveis por igual período – para concluir a sindicância instaurada para apurar a responsabilidade dos funcionários encarregados de zelar pela aplicação correta do dinheiro. Contudo, passados 365 dias, a investigação interna ainda não foi encerrada. A assessoria de imprensa da UFPR informou que a comissão encarregada do Processo Administrativo Disciplinar já concluiu seu relatório. O documento, com 98 páginas, está em fase de revisão e será entregue ao reitor Ricardo Marcelo Fonseca nos próximos dias.
A comissão foi criada em 16 de dezembro de 2016, por portaria assinada pelo então reitor, Zaki Akel Sobrinho. É formada por dois professores e uma servidora técnico-administrativa. Por força de lei, o procedimento corre em sigilo. O prazo da apuração foi estendido por conta da complexidade do trabalho. São 11 volumes de processos. Além de ouvir dezenas de pessoas (servidores acusados de envolvimento, testemunhas e outros), a comissão fez uma ampla verificação do fluxo de processos e informações e refez todos os cálculos relativos a pagamentos. Além disso, é preciso dar amplo direito de defesa aos acusados. Como não houve qualquer medida punitiva até aqui, alguns servidores foram afastados das funções, mas seguem recebendo salário.
Universidade assegura que melhorou formas de controle
Além da criação do Comitê de Governança de Bolsas e Auxílios e do Plano de Transparência e Dados Abertos, anunciada logo após as denúncias, a UFPR informou, por meio da assessoria de imprensa, que aperfeiçoou seus sistemas internos para garantir mais transparência e rastreamento das informações. Em novembro, foi lançada a nova versão do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica – o SIGA 3.0, que organiza as informações dos programas de pós-graduação, integrado com outras plataformas, como a do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e a da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O sistema permite traçar um histórico de cada personagem da instituição: pessoas, cursos, disciplinas, projetos, infraestrutura, produção intelectual e gestão, produzindo rastreáveis e auditáveis.
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