Filha de uma família de banqueiros, nora e mulher de ex-governadores do estado, Fernanda Bernardi Vieira Richa foi presa temporariamente nesta terça-feira (11), ao lado do marido, o ex-governador Beto Richa (PSDB) pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) acusada de participar de um esquema de lavagem de dinheiro. Ela foi solta da cadeia na madrugada de sábado (16), por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Fernanda é uma personalidade política que nunca se relegou à condição de primeira-dama. Bacharel em direito, formada pela Universidade Tuiuti do Paraná, assumiu desde o primeiro mandato do marido na prefeitura de Curitiba papel relevante no governo.
Dentro da tradição política brasileira de a primeira-dama ocupar uma posição assistencial, foi colocada, assim como suas antecessoras Marina Taniguchi e Fani Lerner, na presidência da Fundação de Ação Social (FAS), o braço responsável pela gestão da assistência social no município.
O início da gestão de Fernanda Richa na FAS, em 2005, coincidiu com a instituição do Sistema Único de Assistência Social (Suas) no Brasil, que regulamentou e, em várias medidas, profissionalizou o atendimento da assistência social no país. Era o início do fim da era do assistencialismo e o início da modernização do sistema de proteção social, envolvendo áreas transversais, especialmente o Serviço Social, a Pedagogia e a Psicologia. Fernanda deu início a essa transição, ainda que nunca tenha abandonado a figura de benfeitora e caridosa.
Foi na periferia da cidade que Fernanda Richa encontrou sua vocação política. Ao mesmo tempo em que estava na linha de frente da ampliação da rede socioassistencial no município, com a instalação de Centros de Referência da Assistência Social (Cras), unidades de atendimento e liceus de ofício – os Richa deixaram a prefeitura propalando terem reduzido em mais de 60% a pobreza na cidade –, também protagonizava espetáculos assistencialistas, como a distribuição de cobertores para a população carente em festas que contavam com fanfarra, caminhão do exército e muito discurso político.
Em um desses eventos, em 2010, pouco antes do início oficial da campanha que levaria Beto Richa pela primeira vez ao governo do estado, foi condenada pela Justiça Eleitoral por fazer uso político da cerimônia. À época, negou a irregularidade, que mais tarde foi admitida pelo próprio marido.
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As andanças de Fernanda pelos bairros mais pobres da cidade também garantiram a Beto um apoio relevante do eleitorado curitibano. Desde que Fernanda esteve à frente da FAS, fez de líderes comunitários aliados ferrenhos. Ao menos um deles, Edson do Parolin, seguiu carreira própria como vereador. Outros tantos permanecem fieis aos Richa, presenteados com cargos comissionados na prefeitura ou indicações. Compõem uma linha de frente aguerrida em bairros que não teriam a mesma adesão ao projeto político do PSDB não fosse a influência de Fernanda.
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Como companheira de Beto, Fernanda Richa soube fortalecer a própria imagem como liderança política. Desde a primeira campanha de reeleição do marido à prefeitura, passou a ser presença constante nos programas eleitorais de Beto. Na campanha eleitoral de 2014, era praticamente a apresentadora dos programas de televisão do marido. Ele vinha de uma imagem desgastada depois de quatro anos no Palácio Iguaçu. Ela ainda preservava a figura de “mãe dos pobres”, explorando o prestígio conseguido nas camadas menos abastadas da sociedade.
Tal foi a força da imagem construída por Fernanda Richa que ela passou a ser frequentemente ventilada como uma sucessora do marido na prefeitura. De fato, depois do fracasso da campanha de reeleição do aliado Luciano Ducci (PSB), em 2012, seu nome sempre foi lembrado nas trincheiras tucanas como natural candidata a disputar a prefeitura.
Mas Fernanda não chegou a construir sua candidatura. Em 2016, arregaçou as mangas para ajudar a eleger Rafael Greca (PMN). Agora, trabalhava com força pela eleição do filho Marcello a deputado estadual. Além do quê, a dedicação a Greca rendeu frutos. A atual presidente da FAS, Elenice Malzoni, foi braço-direito de Fernanda em seus anos frente à Fundação e mais tarde, na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social (Seds).
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O “furacão” Fernanda fez ainda com que ela juntasse um séquito próprio que a acompanhou durante seus anos frente à Seds, quando Beto era governador. Ali, implementou programas que já tinha gestado na prefeitura: o Família Curitibana virou Família Paranaense. A campanha do agasalho, Doe Calor, transmutou-se na Espalhe Calor, nos mesmos moldes da municipal.
Mas essa mesma atuação também lhe provocou alguns sobressaltos na carreira. Em maio de 2015, a Gazeta do Povo revelou um esquema que envolvia arrecadação de doações por funcionários da Receita Estadual para o Provopar (Programa do Voluntariado Paranaense), presidido pela própria Fernanda Richa em 2011, em troca de benefícios para os auditores. Segundo o que foi apurado pelo jornal, os auditores tinham metas de arrecadação de doações que chegavam a R$ 2 milhões. Em retribuição, Fernanda Richa usaria sua influência para facilitar os pleitos dos auditores no governo.
Ao sair em defesa da esposa, Beto Richa minimizou não só a influência de Fernanda no suposto esquema como também diminuiu suas próprias capacidades: “Garanto para você que ela nem sabe o que é auditor fiscal, nem sabe onde fica a sede da Receita [estadual]”, disse Beto na ocasião, em entrevista ao UOL. Fernanda negou as acusações. No ano seguinte à revelação, a arrecadação de cobertores pelo Provopar caiu mais de 99%.
Há pouco mais de um ano, as primeiras delações premiadas de acusados no âmbito da operação Quadro Negro colocavam em dúvida o futuro político de Beto Richa. Sua continuidade no governo, em detrimento da passagem do bastão para Cida Borghetti (PP), foi considerada em nome do foro privilegiado. No fim, ele acabou renunciando ao governo para se candidatar ao Senado. Virou alvo da Lava Jato. Ainda assim, Fernanda Richa não se opôs publicamente à operação. Em entrevista concedida em outubro passado ao site Topview, afirmou:
Não tenho nada contra a Lava Jato, muito pelo contrário: acredito que nosso país esteja dando uma lição de moral e de democracia ao mundo, nenhum país faria com tanta determinação quanto o Brasil está fazendo. Mas acho que passou um pouco do limite; banalizou-se um pouco a pessoa “errada”, porque todo mundo é errado, enquanto que a nossa lei diz que todo mundo é correto até que se prove o contrário. Acontece que se prende, que se acaba com a moral de uma pessoa e depois de quatro, cinco meses chega-se à conclusão de que nada houve, que era tudo mentira e é arquivado. E aquela pessoa que sofreu todas essas denúncias, que foi exposta, não tem sequer direito ao mesmo espaço que foi usado contra ela para dizer que foi mentira, que foi arquivado. Ninguém vai ajudá-la a catar as penas.
A permanência de Fernanda Richa no governo durou até o mês passado. No início de agosto, pediu exoneração da Seds, já durante a gestão Cida Borghetti (PP) no Palácio Iguaçu. Os rumores que antecederam sua saída coincidiram com o impasse do embarque do PSDB na candidatura de Cida. Depois da ausência de Beto Richa em convenções de partidos aliados e de reclamações públicas do ex-ministro Ricardo Barros, marido e mentor da candidatura de Cida, Beto e o PSDB embarcaram na canoa cidista, com ele saindo candidato ao Senado pela coligação.
Apesar do protagonismo político, Fernanda Richa nunca deixou de executar bem o papel de escudeira de Beto Richa. O próprio admitiu em entrevistas que seu casamento é constantemente vítima de rumores devido ao casal viver na berlinda da política. Uma dessas ocasiões ficou marcada na vida pública de Fernanda. Em fevereiro de 2012, ela publicou nas redes sociais uma foto do casal em trajes de banho, exibindo sua boa forma, mandando um recado para as “inimigas”: “Aos maus (sic) amados da Boca Maldita e as mulheres felizes com a ‘suposta’ notícia, tirem os cavalinhos da chuva, porque estamos muito bem e felizes!!!”, disparou, em resposta às maledicências da época.
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Nesta terça (11), depois de sua prisão pelo Gaeco, sua página oficial no Facebook foi tirada do ar. Restava a comunidade “Somos 100% Fernanda Richa”, mantida por apoiadores que dizem não ter qualquer vínculo profissional com a ex-secretária. A administradora da comunidade afirmou que não pretendia tirar a página do ar e que tinha a intenção de pedir para os frequentadores “pegarem menos pesado” com Fernanda: “Prefiro nem responder o que estão falando na página por consideração a ela”.
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