O deputado estadual Ricardo Arruda Nunes (PEN), ou Missionário Arruda, como ele prefere, quer restringir a entrada de crianças e adolescentes em eventos artísticos e culturais no Paraná. Ele apresentou projeto de lei para tanto uma semana depois do cancelamento da mostra “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, em 10 de setembro passado, que estava em cartaz no Santander Cultural, em Porto Alegre (RS).
Nesta semana, o debate veio novamente à tona após uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Começaram a circular nas redes sociais na noite de quinta-feira (28) vários vídeos mostrando uma menina tocando um homem nu, com o pênis à mostra, durante uma performance artística.
A proposta do deputado
O texto de Missionário Arruda que introduz a classificação indicativa em exposições, mostras, exibições de arte e eventos culturais prevê classificações desde “entrada livre” a “não recomendado a menores de 18 anos”, a serem definidas pelo “responsável pela exposição ou evento cultural”.
Na justificativa do projeto, Arruda afirma que busca “prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”, sem explicar como obras de arte poderiam causar tais problemas. Diz, ainda, procurar “garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de conteúdos inadequados”. Um artigo do projeto de lei prevê que “qualquer pessoa está legitimada a verificar o cumprimento das normas de classificação indicativa e pode encaminhar representação fundamentada do seu descumprimento” às autoridades.
“Deviam prender o cara que fez isso”, bradou Arruda, numa rápida entrevista por telefone, se referindo ao responsável por “Quermuseu” – o curador Gaudêncio Fidelis. “Aquilo foi uma vergonha, um ato criminoso, uma apologia à pedofilia, um desrespeito à igreja e à família”, disse, aos berros – ele manteve um tom agressivo durante toda a conversa. Apesar do tom incisivo, o deputado confessou não ter visto a exposição. “Não perco tempo com bobagem, só com coisa útil.”
Museus
A reportagem também perguntou a Arruda se ele fazia parte do grupo de brasileiros que não vai a museus ou exposições. “Não”, respondeu. Instado a dizer quais as últimas mostras que visitou, não soube responder. Irritou-se ao ser questionado a respeito dos artistas que mais admira. “Para que vou lhe citar isso? Não posso nomear nenhum artista favorito”, falou.
Disse ter ido a “museus de arte em Nova York e na França”. “Lá vi obras-primas, mas nenhuma baixaria. Lá fora, não se permite isso aí”, falou, novamente referindo-se a “Queermuseu”.
No último sábado (23), dois dos mais prestigiados museus nova-iorquinos, o New Museum of Contemporary Art e o Whitney Museum, receberam manifestações de artistas em apoio à exposição cancelada em Porto Alegre – o movimento recebeu o nome de “NY loves Queermuseu” (Nova York ama o Queermuseu, em inglês).
A reportagem perguntou ao deputado se ele se sente à vontade para legislar sobre um tema que parece conhecer pouco: “O que é crime, apologia à pedofilia, zoofilia, eu conheço muito bem”, respondeu.
O projeto de Arruda foi apresentado em 19 de setembro, poucos dias após o banco Santander encerrar antes do previsto a exibição pública de “Queermuseu”. A decisão, segundo o banco, atendeu a protestos conservadores que apontaram de blasfêmia a incentivos à pedofilia e zoofilia na exposição.
Conheça o deputado
Ricardo Arruda elegeu-se em 2014 pelo PSC, legenda fortemente ligada a igrejas evangélicas. Ele é missionário da Igreja Mundial do Poder de Deus, que pertence ao o auto-denominado “apóstolo” Valdemiro Santiago – esfaqueado no altar enquanto pregava, em janeiro passado.
Segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral, Arruda elegeu-se com 23.592 votos em 2014, com uma campanha que custou pouco mais de R$ 100 mil. O principal doador foi ele mesmo -- R$ 31 mil. Em seguida, aparecem doações de R$ 20 mil da empreiteira Andrade Gutierrez, intermediadas pelo comitê financeiro do partido. O governador Beto Richa (PSDB), também ajudou a custear a campanha, com R$ 4.056,64.
Em 2014, Arruda declarou R$ 2,86 milhões em bens ao TSE – a maioria imóveis em São Paulo. Um salto considerável ante o patrimônio que disse ter em 2010, quando elegeu-se deputado federal: apenas uma casa, estimada em R$ 511 mil. Antes disso, em 2013, o pastor causou alguma polêmica ao assumir uma cadeira de suplente de deputado federal pelo Paraná – ele viveria em São Paulo, então.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrava que, enquanto os vizinhos dele em São Paulo o reconheciam, os moradores do prédio indicado por Arruda como endereço em Curitiba não se lembravam do deputado. Na ocasião, o político era segundo suplente do então deputado federal Ratinho Júnior, quando ambos eram filiados ao PSC, e assumiu a vaga por 120 dias.