Foi a cena que marcou e encerrou a sessão daquela tarde de julho na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep): dois servidores públicos estaduais usaram roupas amarradas para descer das cadeiras reservadas ao público até o plenário, em uma cena digna de filme. Se não fossem contidos por seguranças, poderiam chegar à mesa diretiva. Na tribuna, o que se discutia naquele dia era a reposição salarial do funcionalismo estadual, em uma novela que se arrastou por semanas. Enquanto o governo de Cida Borghetti (PP) pedia reajuste de 1%, deputados estaduais ventilavam aumento na ordem de 2%. O conflito de interesses estava posto, em um dos poucos momentos em que a Alep discutiu temas mais complexos neste ano, que não concessão de títulos de utilidade pública ou nome de trechos de rodovias do estado.
No próximo dia 18, com a reunião final da Comissão de Constituição de Justiça, a Assembleia encerra o ano legislativo em um claro sinal de desaceleração em relação a anos anteriores. Se em temporadas passadas as “pautas-bomba” e discussões de fundos econômico e estrutural dominaram a Casa, em 2018 a regra foi passar com o máximo possível de discrição. Um reflexo, analistas apontam, do ano eleitoral.
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Para 44 dos 54 deputados estaduais, o foco estava além da atividade parlamentar. Estava também nas urnas. “O que se observa é que no último ano da legislatura há uma queda no ritmo de discussão dos projetos. Elas tendem a ser paralisadas. Muito em razão das eleições. Os parlamentares geralmente usam o último ano para fazer sua pré-campanha eleitoral na tentativa da reeleição”, define Doacir Quadros, cientista político e professor do grupo Uninter.
É uma prática admitida pelos próprios políticos. “Se pegar a pauta de votação, você verá que não se discute temas muito sensíveis neste período pré-votação. Claro que esses temas podem pesar nas urnas. Além disso, é um período em que os que querem a reeleição estão se articulando, construindo sua base, viajando, conquistando votos”, aponta um parlamentar, em condição de anonimato.
Da mesma forma, o ritmo de proposições do Executivo é menor ou barrado no plenário. “Claro que existem alguns projetos e pautas em votação. Mas não é comum. Os deputados tendem também a paralisar os projetos que são enviados pelo governo do estado, um dos grandes criadores de pauta. É assim na Assembleia, na Câmara dos Vereadores... E é histórico”, aponta o professor de Ciências Políticas.
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Desaceleração ocorre desde março
Na prática, a campanha eleitoral começou no dia 8 de setembro. Coincidentemente, um período de proposições legislativas bem brandas. O projeto de lei 590/2017 (do deputado Jonas Guimarães - PSB), por exemplo, foi para redação final (e mais tarde aprovado) ao propor que a Caminhada Internacional da Natureza de Cianorte entrasse para o calendário oficial de eventos turísticos do Paraná; assim como o evento “Maringá Encantada”, aprovado em segunda discussão sob o PL 748/2017 (do deputado Evandro Araújo - PSC). Ainda, foi para redação final o PL 259/2018 (do deputado Artagão Junior – PSB), que institui o Dia de Comemorações do Grupo Folclórico Ucraniano Brasileiro Vesselka, de Prudentópolis.
Mas as articulações políticas dos deputados para tentar salvaguardar uma das 54 cadeiras da Alep são anteriores a isso: vêm do início do ano.
“Vemos uma desaceleração clara a partir de março, que é quando as amarrações começam a tomar corpo.”
Em termos estatísticos, a Assembleia deve fechar o número de proposições e projetos aprovados somente no início do próximo ano, destaca Dylliardi Alessi, diretor Legislativo da Casa. Em 2017, como comparativo, a Alep fechou a 18ª Legislatura com 884 projetos de lei ordinária, dos quais 231 se transformaram em leis sancionadas pelo governo, ainda segundo a Diretoria Legislativa. A maioria dos projetos foi de origem parlamentar (ou seja, propostos pelos deputados): 690 propostas. O Poder Executivo apresentou 177 projetos de lei; o Tribunal de Justiça, dez; o Ministério Público, quatro; a Defensoria Pública, dois; e o Tribunal de Contas, um projeto.
“Com certeza essa é uma Legislatura [a de 2017] que, provavelmente, vai bater o recorde de produção legislativa. Tanto pela apresentação de projetos de lei, quanto pela transformação desses projetos em lei”, disse à época Alessi.
Temas importantes foram discutidos em 2017
No ano passado, a Assembleia discutiu projetos mais fundamentais para o estado, como a alteração das alíquotas de ICMS para micro e pequenas empresas (proposição do governo Richa) e o PL 556/2017 (também do Executivo) sobre um “teto de gastos” em 2018 e 2019 – assim, as despesas públicas só poderiam crescer com base na inflação. Para se medir a importância dessa discussão, tal medida poderia deixar os servidores estaduais sem reajuste salarial por engessar o orçamento do primeiro ano de mandato do sucessor dele.
Outra discussão foi a aprovação do projeto do governo estadual que cancelava dívidas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Assim, donos de veículos em débito não pagariam tributo referente aos anos de 2010, 2011 e 2012.
Caso se aumente o recorte temporal, em outros anos recentes a atividade parlamentar pareceu mais intensa. Como em 2015, com a votação do “pacotaço” de Beto Richa – uma série de medidas para “arrochar” os gastos do estado. Tal votação culminou na lamentável Batalha do Centro Cívico. No dia 29 de abril de 2015, quando a Casa votaria tais medidas, manifestantes e policiais entraram em confronto. Mais de 2,3 mil balas de borracha e 1,4 mil bombas de gás foram deflagradas, enquanto centenas de servidores saíram feridos.
2018 é um ano lento na Alep
Em 2018, no entanto, pouquíssimos momentos renderam holofotes à atividade parlamentar da Alep. Um deles foi a aprovação da criação e/ou aumento de gratificações pagas pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ) e pelo Ministério Público Estadual (MP). Pela proposta, magistrados, promotores e procuradores passaram a ter direito a até um terço a mais do salário por acúmulo de trabalho em diversas situações.
Mesmo passado o período eleitoral, a atividade na Alep se concentrou em assuntos menos complexos. Na quarta-feira (28), por exemplo, a Casa votou e aprovou 23 de 24 itens na pauta. Porém, apesar do número expressivo de proposições, boa parte era para nomear trechos de estradas e viadutos ou conceder títulos de utilidade pública.
Os projetos de lei nº 82/2018, do deputado Rasca Rodrigues (Podemos), que denomina de Rotary Club o viaduto da Rodovia Leopoldo Jacomel (PR-415), localizado em Pinhais; e 473/2018, do deputado Ademar Traiano (PSDB), que denomina de Ladislao Gil Fernandez o trecho da PRC-466, localizado entre os municípios de Ivaiporã e Pitanga, são exemplos. Ambos avançaram em segunda votação.
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“Acho que a atividade foi idêntica a de outros anos”
Para o presidente da Casa, deputado Ademar Traiano (PSDB), no entanto, a atividade não diminuiu. “Eu acho que a atividade [parlamentar] foi idêntica a de outros anos. Não sofremos paralisação de processo de votação. Em termos de produtividade, a Assembleia produziu muito bem”, pondera.
Traiano, porém, reconhece que as discussões foram de impacto bem menor. “Em função do que ocorreu no primeiro ano do governo anterior [Beto Richa], em que nós votamos o ajuste fiscal, o estado ficou em uma situação extremamente confortável. Nós saneamos as contas do estado. Portanto, não haveria a necessidade de nenhuma iniciativa que pudesse criar uma animosidade dentro do Parlamento”, defende o presidente.
Traiano reconhece que a única pauta com discussão intensa foi mesmo a do reajuste dos servidores. “Nesse ano foi a reposição salarial [o grande clímax da Alep]. Foi o momento mais tenso, sim. Foi fruto até de uma discussão acirrada entre os deputados. Vieram servidores de uma forma muito agressiva inicialmente, me afrontando, e nós conseguimos dialogar”, diz. “As manifestações dentro do Parlamento fazem parte de um processo normal dentro da democracia e ocorrem em todo momento.”
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Como será na nova legislatura?
“Em 2019 as discussões devem voltar aos trilhos”, analisa o cientista político Doacir Quadros. Em uma nova legislatura, a Assembleia deve intensificar discussões importantes para o estado, sobretudo no que trata de equilíbrio de contas e saídas para o engessado orçamento paranaense.
Um pouco antes disso, ainda neste final de ano, o capítulo do reajuste salarial para servidores deve voltar à mesa. Se em julho a proposta era queda de braço entre o governo Cida Borghetti, em busca de eleição, e uma bancada orquestrada pelo grupo de Ratinho Junior (PSD), também em busca de seu assento no Palácio Iguaçu, agora a história volta com outros contornos.
Caso aprovado um reajuste acima de 2%, caberá ao novo governador ajustar as contas para fazer cumpri-lo. E novamente a Casa deverá estar em polvorosa em uma discussão bem mais interessante do que se tal estrada deverá ou não ter determinado nome.
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