A campainha fez o casal Gilmar e Christiane Yared acordar com sobressalto, às 2h30 da madrugada de 7 de maio de 2009. Na porta da residência, dois agentes funerários portavam a notícia: o filho deles, Gilmar Rafael Yared, de 26 anos, e o amigo Carlos Murilo de Almeida, de 20, haviam morrido. O carro em que eles estavam – um Honda Fit – tinha sido atingido em cheio e em alta velocidade pelo Passat dirigido pelo então deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho. Desde então, o casal Yared clama por Justiça. Daqui a um mês – quase nove anos depois do incidente –, Carli Filho deve, enfim, se sentar no banco dos réus.
Após extensa batalha jurídica permeada de recursos – e que só foi esgotada no Supremo Tribunal Federal (STF) –, a Justiça decidiu que o ex-deputado deve ser julgado por duplo homicídio doloso (com intenção). Por isso, Carli Filho será levado a júri popular – em que um corpo de jurados decidirá se ele deve ser inocentado ou condenado. A primeira sessão está marcada para 27 de fevereiro, na 2.ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba.
A acusação não esconde: a chave de sua argumentação se centra na velocidade em que Carli Filho dirigia no instante da batida. Segundo a perícia oficial – feita pelo Instituto de Criminalística (IC) –, o Passat do ex-deputado estava entre 161 e 173 km/h quando atingiu a lateral do carro das vítimas. A velocidade máxima permitida na via era de 60 km/h. Laudos independentes, tanto o feito pela assistência de acusação, quanto o elaborado a pedido da defesa, apontaram velocidade além do estabelecido para aquela área.
“Se ele estivesse na velocidade indicada para a via, estaríamos diante de um acidente de trânsito, porque não haveria morte. Haveria, no máximo, a colisão. O fato que gerou a morte foi o excesso de velocidade. Ele [Carli Filho] usou o carro como uma arma”, disse o promotor Marcelo Balzer. “A pergunta que não quer calar é: aonde ele ia àquela velocidade? Ele tem que ter uma justificativa para estar àquela velocidade. Até o presente momento, a defesa não explicou”, completou.
Além disso, o ex-deputado já tinha histórico em andar acima do limite. Ele estava com carteira de habilitação cassada, com 130 pontos, correspondentes a 30 multas, das quais 23 haviam sido aplicadas por excesso de velocidade.
Já a defesa de Carli Filho mantém mistério sobre sua linha. O advogado Roberto Brezinski Neto disse que está “estudando várias possibilidades” de argumentação. Ao longo do processo, a principal estratégia dos defensores do ex-deputado foi apontar que Carli Filho transitava em uma via preferencial – a Rua Ivo Zanlorenzi. O Passat do ex-deputado atingiu a lateral do Honda Fit que passava pelo cruzamento, na Rua Paulo Gorski.
“Tem laudo no processo que atesta isso. Eu não preciso nem falar. É uma coisa que está no Código de Trânsito e que está clara”, disse Brezinski Neto.
Testemunhas
Segundo a pauta do julgamento, estão inscritas seis testemunhas de acusação e cinco de defesa. Dentre essas, a promotoria considera duas como fundamentais: dois motoristas que trafegavam na via no instante do acidente. De acordo com Balzer, eles desmontam a tese da preferencial.
“Essas testemunhas presenciais confirmam que o carro das vítimas parou no cruzamento, observaram que não vinha carro e só aí começaram a fazer a conversão. Só não foi possível ver o carro [de Carli Filho], porque ele surgiu de repente por causa do excesso de velocidade. As outras provas periciais também demonstram isso”, destacou o promotor.
Alcoolemia
Outro ponto controverso diz respeito ao fato de Carli Filho ter bebido antes de assumir o volante. Um exame de alcoolemia apontou que o ex-deputado estava com 7,8 decigramas de álcool por litro de sangue: quase quatro vezes acima do que, então, era tolerado por lei. A prova, no entanto, foi excluída do processo, porque a amostra de sangue havia sido coletada quando Carli Filho estava desacordado, após o acidente.
Para a promotoria, no entanto, essa prova técnica teria impacto secundário, já que o próprio réu assumiu que havia consumido álcool antes de dirigir. Isso ocorreu em 2016, na única vez em que Carli Filho veio a público falar sobre o episódio – e que também manifestou arrependimento pelo “erro” e disse que permaneceu em silêncio por causa da repercussão do caso.
“Precisei dar conta da imagem que foi criada, a imagem de que sou um assassino, de que não tenho sentimentos, que não sofri, que não me importei com nada nem com ninguém. E isso não é verdade. Eu sinto muito isso tudo que aconteceu. Eu errei, sim. Eu bebi e dirigi. Meu Deus, se eu pudesse voltar atrás...”, disse.
Adiamento e pena
Apesar de júri estar marcado, ainda há a possibilidade de o julgamento vir a ser adiado – não por algum recurso, mas por alguma manobra da defesa. Os advogados podem pedir que o juiz adie a sessão, por exemplo, caso alguma testemunha essencial não compareça ou não seja localizada.
“Hoje, depende de o réu querer ser julgado. É uma testemunha não encontrada, uma unha encravada do advogado, etc. São inúmeros artifícios. Cabe à Justiça não adiar. Eu espero que não seja adiado, porque é a terceira vez que esse júri é marcado”, disse Balzer.
Diferentemente do clamor popular, Carli Filho dificilmente deve ser condenado à sentença máxima – no caso de homicídio, a pena varia de 6 a 20 anos de prisão (com acréscimo de 1/6, em razão de haver uma segunda vítima). O réu tem bons antecedentes, nunca havia cometido crimes e não fugiu ao longo do processo.
“A pena dele nunca será mais de dez anos. O que a opinião pública sempre vendeu em relação à pena não é a realidade. Gostaríamos que ele tivesse uma pena superior, mas a doutrina orienta uma pena mínima. Jamais será a pena máxima”, apontou Balzer. O advogado Brezinski preferiu não estimar pena, em caso de condenação. “Quem define isso é o juiz”, resumiu.
Preparativos
Carli Filho será julgado no prédio do Tribunal do Júri, localizado no Centro Cívico, em um auditório com capacidade para 370 pessoas. O julgamento será aberto ao público, mas as regras para participação ainda serão definidas. O mais provável é que o juiz Daniel Surdi Avelar distribua senhas entre os interessados em acompanhar as sessões no local.
Entre 10 e 15 dias antes do julgamento, o juiz deve sortear os 25 jurados que vão compor o que se chama de rol de conselho de sentença. Destes, 15 serão escolhidos para comparecer à primeira sessão do júri. A promotoria e a defesa podem, cada uma, excluir três desses jurados, sem precisar apresentar justificativa. Depois disso, se chega, enfim, aos sete que participarão do júri e que, efetivamente, vão decidir se o réu é culpado.
Caso o júri não termine na primeira sessão e precise se entender ao dia seguinte – dia 28 de fevereiro –, os jurados serão encaminhados a um hotel, onde ficarão incomunicáveis. Eles só serão conduzidos novamente ao tribunal instantes antes do início da segunda sessão, sem ter mantido contado com ninguém, ainda que remotamente.
A família Yared espera poder pôr fim à angústia que começou na madrugada de 7 de maio de 2009. Mais que isso: que o caso estabeleça um novo paradigma. “A Justiça é para os vivos, para que a gente possa dar condições às pessoas de ter esperança neste país. Aguardamos a condenação e que ela seja um marco, para criar jurisprudência para ajudarmos que outras famílias não precisem chorar a morte de seus filhos no trânsito”, disse Christiane Yared, hoje deputada federal.
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