Uma carvoaria – mencionada pela Gazeta do Povo em uma reportagem sobre trabalho análogo à condição de escravidão – teve todos os seus fornos destruídos, na última segunda-feira (4). Os dois funcionários do estabelecimento – Alaídes Cordeiro de Paula, de 56 anos, e o filho dela, Roberto de Paula Farias, de 39 anos – permanecem morando em um casebre de madeira aos fundos da propriedade e continuam sem receber. Agora, mãe e filho dependem de “bicos” para viver. Paralelamente, aguardam a rescisão trabalhista e esperam começar vida nova, longe da rotina de exploração.
Localizada em Tunas do Paraná, na Região Metropolitana de Curitiba, a carvoaria está arrendada a José Alves, conhecido como Egito. Mas, de acordo com Alaídes e Roberto, quem destruiu os fornos foi o dono da propriedade – identificado por eles como Lucas. Duas das fornalhas já estavam até cheias de lenha, mas não houve tempo para acendê-las.
“Ele veio aqui com a mulher. Estava muito bravo. Com um pedaço de pau, ele arrebentou um por um [dos fornos]”, disse Roberto. “Perguntava quem tinha denunciado”, acrescentou. Apesar disso, nem Roberto nem Alaídes souberam apontar o motivo pelo qual as fornalhas foram postas abaixo.
EM IMAGENS: veja fotos das condições da carvoaria e de seus trabalhadores
Com a carvoaria inoperante, Roberto tem se oferecido para trabalhar em lavouras vizinhas, em troca de pagamento diário. O patrão garantiu que faria um “acerto” na última segunda-feira (4), entretanto não apareceu na propriedade. Segundo os trabalhadores, eles estão desde julho do ano passado sem receber salário integral. A última vez que ganharam algum “vale” foi na Páscoa e, desde então, estão sem “ver a cor de dinheiro”. Em contrapartida, trabalhavam de domingo a domingo, em jornadas que chegam a avançar pela madrugada, cuidando dos fornos da carvoaria.
“Não dá nem pra contar quantas horas a gente trabalhava. Tinha que acordar a noite toda e tinha que ir ver os fornos até se tivesse caindo pedra”, afirmou Alaídes. “A gente pensava que se a gente fosse embora ia ser pior, porque aí que a gente não ia receber. Então a gente ficava e trabalhava”, completou.
Advogados da comissão de direitos humanos da OAB, durante a vistoria
Vistoria
Na manhã desta quinta-feira (7), a comissão de direitos humanos da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) vistoriou a propriedade. Os advogados Anderson Ferreira e Lina Tieco Doe entrevistaram os funcionários da carvoaria, fizeram cópias de documentos e fotografaram a área. A partir de agora, eles vão elaborar um relatório, sugerindo à OAB-PR que solicite providências imediatas a órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT), à Polícia Federal (PF) e à comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa.
“Eles [Alaídes e Roberto] estão em condição de extrema vulnerabilidade, aparentemente em contínua exploração do trabalho, sem pagamentos regulares, sem equipamentos de proteção, sem vínculo material e com descontos, em uma condição muito similar ao trabalho análogo à escravidão”, observou Anderson Ferreira.
Para a OAB-PR, o caso dos trabalhadores é de urgência, o que requer uma cobrança de atuação efetiva de todos os órgãos a serem acionados. Ferreira destaca o aspecto social em que vivem Alaídes e Roberto, que estão perto de passar necessidades. “Eles não sabem para onde vão, estão sem dinheiro e estão sem trabalho”, destacou o advogado. “O que chama a atenção é que eles se forçavam a trabalhar para poder receber”, acrescentou Lina Doe.
Na avaliação dos advogados, não só o dono da carvoaria, mas também o proprietário que arrendou a área ao empresário pode responder pelas eventuais irregularidades que vierem a ser constatadas no local.
MPT vai fiscalizar todas as carvoarias da RMC
Após publicação de reportagem, o Ministério Público do Trabalho (MPT) anunciou que prepara uma ampla fiscalização não só à carvoaria mencionada pela Gazeta do Povo, mas a todos os estabelecimentos similares que funcionam em Curitiba e região metropolitana. Segundo a procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes, a ação coordenada vai envolver outros órgãos, como Polícia Ambiental, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e serviços de assistência social. A operação ainda não tem data definida para ocorrer.
O objetivo da operação é averiguar as condições dos trabalhadores destes estabelecimentos – inclusive no que diz respeito ao trabalho escravo. “Em um segundo momento, se necessário, o MPT articulará ações de geração de emprego e renda para pessoas em situação de vulnerabilidade, envolvendo as pastas correspondentes das instâncias governamentais municipais e estadual, de maneira a evitar a revitimização das pessoas pela sua vulnerabilidade econômica e social”, disse a procuradora.
Outro lado
A Gazeta do Povo não conseguiu localizar o dono da propriedade onde a carvoaria está instalada - e identificado como Lucas. Empresário responsável pela carvoaria, José Alves não atendeu as ligações. Na reportagem publicada no fim de maio, ele havia alegado que passava por “graves problemas financeiros” e que, em razão disso, não vinha conseguindo pagar o salário integral dos trabalhadores. Na ocasião, ele disse que de tempos em tempos levada “uma comprinha” aos funcionários e que não os deixava desamparados.
“Eu já deixei de socorrer a minha própria casa para socorrer eles lá, mas, realmente, a situação está muito difícil”, disse. Em toda a entrevista, ele negou que mantivesse os trabalhadores como escravos. “Eu sempre disse que eles poderiam sair. Eles não estão lá forçados. Mas eles preferem continuar, porque têm uma casinha, tem um recurso”, afirmou.
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