O 1º Distrito Policial (DP) de Curitiba, localizado em pleno Centro de Curitiba, chegou ao ápice de sua superlotação: mais de 81 pessoas estão precariamente amontoadas em duas celas, uma antessala e uma sala. As condições da delegacia são o episódio mais recente da crise carcerária do Paraná, que mantêm mais de 9 mil presos em carceragens de delegacia em todo o estado. A superlotação extrema do 1º DP – onde também funcional a central de flagrantes – foi constatada em vistoria realizada nesta segunda-feira (22), pelo Conselho da Comunidade e pela Defensoria Pública do Paraná.
Originalmente, o 1º DP tem apenas duas celas, com capacidade conjunta para oito pessoas, mas que detinham 21. A necessidade, no entanto, faz com que presos sejam mantidos também na antessala que dá acesso à carceragem. Neste espaço, havia 55 presos. Há apenas duas entradas do ar e, para suportar o calor, os detidos permanecem apenas de cueca e se abanam o tempo todo com marmitas de isopor.
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Como a carceragem não tem espaço para manter mulheres, cinco presas foram colocadas em outra sala do 1º DP. Elas permanecem algemadas o tempo todo. Além da falta de condições dignas, há presos com problemas graves de saúde. Quando o Conselho da Comunidade e a Defensoria chegaram à delegacia, encontraram dois deles que haviam desmaiado por causa do calor e que estavam acorrentados fora das celas.
Do lado de dentro, um homem diagnosticado com tuberculose – e que chegou a vomitar sangue – usava uma máscara cirúrgica para tentar evitar que os demais fossem contaminados. Havia ainda dois presos com asma, dois com problemas de pressão alta e um soropositivo para o vírus HIV.
“Além da falta de respeito, de dignidade e do atentado a todas as formas de direitos humanos, a nossa preocupação é com relação à saúde deles. Tem presos com doenças contagiosas. A sensação de calor é de mais de 50 graus [Celsius]”, disse a presidente do Conselho, Isabel Mendes. “Eu nunca vi uma superlotação dessas no 1º DP. E o problema é que continuam a chegar presos”, acrescentou.
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A exemplo do que já acontece em outras delegacias, os presos são obrigados a urinar em garrafas e galões. Tanto nas celas, quanto na antessala, eles têm defecado em um buraco e jogado água da torneira para escoar as próprias fezes. “É uma coisa inimaginável”, afirmou Isabel.
Sem defesa
Dos 81 presos, apenas nove afirmaram ter advogado constituído. Entre os motivos pelos quais eles foram levados para trás das grades, estão principalmente casos de menor relevância, como furtos e posse de drogas. Um dos homens que não tem advogado está detido há 16 dias, por ter atirado uma pedra contra uma estação-tubo. “É muito grave pensar que essas pessoas estão sem qualquer assessoria jurídica”, definiu a defensora Camille Vieira da Costa.
Por causa das condições desumanas, a defensora cogita mudar a forma de atuação a ingressar com ações individuais – em nome de cada preso – contra o Estado. “A minha ideia é acionar o Estado, pedindo indenizações por essa situação em que essas pessoas se encontram”, explicou.
Medidas
Logo na terça-feira (9), o Conselho de Comunidade pretende denunciar as condições do 1º DP ao Departamento Penitenciário do Estado (Depen) e solicitar a remoção imediata dos presos daquela carceragem. O órgão também deve acionar o Ministério Público do Paraná (MP-PR) e o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário, ligado ao Tribunal de Justiça do Paraná.
“As autoridades têm que tomar medidas e resolver”, disse Isabel. “O 11º DP foi interditado pelo juiz. Mas resolve? Você vai mandar pra onde? Estamos numa situação em que não tem o que fazer”, completou. No fim do ano passado, o 11º DP também enfrentou superlotação extrema e, após vistorias do Conselho da Comunidade e da Defensoria, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) anunciou a implantação de shelters , que são celas modulares de concreto naquela delegacia.
A crise
Em novembro do ano passado, a Gazeta do Povo mostrou que havia 438 presos em delegacias de Curitiba. A superlotação. Juntas, as carceragem da capital e da região metropolitana somavam mais de mil pessoas detidas. Um relatório de análise preliminar elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) no início do ano passado levantava hipóteses para o fato de a superlotação das carceragens ser um fenômeno crônico no estado. Entre as possíveis causas está o aspecto financeiro. Segundo o documento, há um “desconhecimento do efetivo custo mensal do preso por unidade prisional” e que, aparentemente, a manutenção do detido em carceragens de delegacias custa menos do que em uma prisão. “O que pode indicar uma das causas da inércia do Estado em resolver a questão”, destaca o TCE-PR.
Além disso, a corte de contas diagnosticou problemas de gestão, como a falta de um plano integrado entre órgãos da Sesp “visando soluções de curto prazo à superlotação das carceragens e à sustentabilidade do sistema a médio e longo prazo”. Além disso, o TCE-PR destaca que os dados referentes ao sistema carcerário não são atualizados, nem fornecem um mapeamento preciso da rede.
Outro lado
No início da noite desta segunda-feira, a Gazeta do Povo entrou em contato com a Sesp para comentar a superlotação da carceragem do 1ºDP. Eis a nota de resposta do governo, na íntegra:
A Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná, assim como a direção da Polícia Civil e do Departamento de Execução Penal (Depen), estão cientes do problema de superlotação nas carceragens das delegacias do Estado. Importante salientar que já houve avanços: no início de 2011 a Polícia Civil gerenciava em torno de 14 mil presos e hoje o número é de aproximadamente 9,5 mil.
A cúpula da segurança pública tem trabalhado para reduzir o número de presos em delegacias. Semanalmente, o Comitê de Transferência de Presos (Cotransp), que conta com representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, autoriza a transferência de presos de delegacias para o sistema prisional. No entanto, as vagas só são abertas com a saída de presos e, para isso, é preciso autorização do Poder Judiciário.
A solução para o caso de superlotação são as 14 obras de construção e ampliação de unidades prisionais do Estado. Serão abertas cerca de 7 mil novas vagas com essas novas unidades prisionais.Outras 684 vagas serão geradas com a instalação destas celas modulares (“shelters”), equipadas com camas e banheiro. As duas medidas vão beneficiar todas as regiões do Estado.
Além disso, é uma alternativa a adoção das tornozeleiras eletrônicas para aqueles presos que cometeram crimes de menor potencial ofensivo e que passam a ser monitorados a partir do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) da Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária. O número de presos monitorados subiu de 500 no início de 2015 para aproximadamente 6 mil este ano, uma eficiente política de desencarceramento.
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