Ao renunciar à cadeira de governador do Paraná, no último dia 6, Beto Richa (PSDB) imediatamente perdeu o foro especial por prerrogativa de função, ou “foro privilegiado”, como é mais conhecido. A partir daí, todos os processos envolvendo o tucano que hoje estão sob o guarda-chuva do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, devem ser encaminhados para o primeiro grau. Neste caso, ao menos uma ação penal e três inquéritos podem sair de Brasília.
O envio não é “automático”, pois cabe ao magistrado que está relatando o caso decidir sobre quando isso ocorrerá e qual será o destino do processo, se ele seguirá para o primeiro grau da Justiça Estadual, ou para o primeiro grau da Justiça Federal, por exemplo.
No âmbito penal, o STJ é o foro adequado para todos os governadores, e também para conselheiros de tribunais de contas e desembargadores, por exemplo. Assim, desde 1º de janeiro de 2011, quando Beto Richa tomou posse para um primeiro mandato no governo do Paraná, o tucano só poderia ser eventualmente investigado, processado ou julgado no STJ. A regra agora não se aplica mais após a renúncia.
OUTRO LADO: “Em princípio, sou contra o foro privilegiado”, diz Beto Richa
Ao deixar o cargo no Palácio Iguaçu, Richa passa a se envolver diretamente na sua pré-campanha eleitoral a uma das duas vagas da bancada do Paraná no Senado. Ele obedeceu à legislação eleitoral, que obriga a desincompatibilização seis meses antes das eleições, marcadas para 7 de outubro. Ao menos até lá, o tucano vira um “cidadão comum”, podendo ser investigado, processado ou julgado no primeiro grau.
Se eventualmente for eleito para o Senado, Beto Richa volta a ter foro privilegiado logo que diplomado. No caso dos senadores, o foro adequado é o Supremo Tribunal Federal (STF), e não o STJ.
Casos
Recentemente, em março, a Segunda Turma do STF, a pedido da defesa do tucano, determinou o trancamento de um inquérito sobre a campanha de 2014 de Richa com base no fato de ele deter foro privilegiado. O inquérito tramitava há dois anos no STJ e buscava descobrir se dinheiro do esquema de propina revelado pela Operação Publicano abasteceu ou não um caixa 2 da campanha de reeleição do tucano ao governo do estado.
No âmbito do inquérito conduzido pelo STJ, a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigava se ele poderia ser responsabilizado por crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica para fins eleitorais (caixa 2). A investigação, contudo, tomou como ponto de partida os relatos do ex-auditor fiscal da Receita Estadual Luiz Antônio de Souza, cujo acordo de colaboração premiada foi homologado pela 3ª Vara Criminal de Londrina, e não pelo STJ.
Assim, para os ministros do STF, houve usurpação de competência do STJ, por parte da Vara londrinense. A delação foi considerada nula para o efeito pretendido pela PGR – investigar um governador de estado – e o inquérito foi trancado. A partir da decisão do STF, coube à relatora do caso no STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidir se ratifica ou não a delação.
Além do inquérito relativo à Operação Publicano, Beto Richa é alvo de ao menos outras duas investigações no STJ. Há um inquérito ligado às delações da Odebrecht, que foi aberto em junho de 2017 e está hoje nas mãos do ministro Og Fernandes. E há outro inquérito com o ministro Herman Benjamin, aberto em março de 2017, envolvendo licenças concedidas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) no Litoral.
Vai e vem
No STJ, o ministro Herman Benjamin também conduz uma ação penal contra Richa. O objeto do processo remonta ao período no qual o tucano ainda era prefeito de Curitiba.
Em 23 de junho de 2009, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu uma denúncia, perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, contra o então prefeito de Curitiba, Beto Richa, porque ele teria empregado recursos do Fundo Nacional de Saúde em desacordo com os planos originais, que eram as reformas de três unidades municipais de Saúde.
Mas, em 15 de julho de 2010, em razão da renúncia de Richa ao cargo de prefeito de Curitiba, para concorrer ao governo do Paraná, o TRF4 declinou da competência para a Justiça Federal em Curitiba. Em 7 de fevereiro de 2011, a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba remete os autos ao STJ, já que Richa tomou posse no cargo de governador do Paraná.
Agora, com a saída do tucano da principal cadeira do Palácio Iguaçu, o processo pode novamente voltar para a Justiça Federal em Curitiba.
Outros casos
O nome do governador do Paraná também surgiu ao longo das investigações da Operação Quadro Negro e nas delações da JBS. Mas não haveria, até agora, inquéritos específicos para apurar o suposto envolvimento do tucano nos dois escândalos.
Beto Richa: “Em princípio, sou contra o foro privilegiado”
Durante entrevista à imprensa no dia 26 de março, para comunicar a decisão de renunciar ao mandato, Richa foi questionado se era a favor do foro privilegiado. “Tem que ver. Olha, em princípio, eu sou contra. Mas, também, se você for acompanhar, o que tem de excessos que as pessoas cometem aí, o que tem de perseguição a agentes públicos, a governantes... Nesse aspecto, seria para impor algum limite dentro dessa realidade hoje do país”, respondeu ele, que vem negando os crimes ventilados pelos investigadores nos quatro processos em andamento no STJ.
Nos bastidores, especulava-se que a saída dele do governo teria alguma relação com uma indesejada perda do foro privilegiado, mas o tucano nega. Questionado se o tema teria influenciado em algum momento na decisão de sair ou não candidato, Beto Richa negou. “De forma alguma, tanto que estou me desincompatibilizando do cargo”, respondeu ele durante o anúncio de renúncia.
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