Dinheiro dos fundos públicos de campanha que foi destinado à candidatura de mulheres no Paraná foi usado para financiar materiais de candidatos homens – inclusive do então candidato ao governo do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). Dois casos identificados pela Gazeta do Povo a partir da prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral envolvem o PSD, partido presidido pelo governador, e o PV, sigla que apoiou sua candidatura.
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Vanessa Giareta disputou o cargo de deputada estadual pelo Partido Verde. Foi a candidata a deputada estadual do partido que recebeu mais dinheiro do Fundo Eleitoral – e também uma das que teve votação mais baixa. Com uma receita de R$ 60 mil, ela obteve apenas 99 votos.
Do dinheiro que recebeu, a candidata usou R$ 40,9 mil para contratar cinco pessoas para trabalharem em sua campanha. O restante usou na confecção de jornais.
Em uma dessas publicações, imprimiu 200 mil exemplares por R$ 16,4 mil. Na descrição dos serviços que está na nota fiscal emitida pela Editora Diário Indústria e Comércio, a informação é de que o material é “referente à impressão de 200.000 exemplares de jornal de campanha Ratinho Junior/Leandro Bravin”.
Outra nota fiscal, no valor de R$ 2.590, é “referente à impressão de 30.000 exemplares de jornal de campanha Ratinho Junior/Ratinho Colombo”.
Ou seja, um terço dos recursos do Fundo Eleitoral recebido por Giareta foi revertido para as campanhas de Ratinho Junior e Leandro Bravim, candidato a deputado federal pelo PV.
A Gazeta do Povo fez contato com a ex-candidata por telefone, na manhã de quarta-feira (6), mas ela informou que não poderia falar naquele momento. A reportagem fez uma nova tentativa em outro horário, definido por ela, mas a ligação não foi atendida.
O presidente do Partido Verde (PV) no Paraná, Francisco Caetano Martin, o Chico do PV, disse que o material impresso foi uma “dobrada”, quando candidatos aparecem juntos na propaganda, prática comum em campanhas eleitorais. Ele não soube esclarecer, contudo, porque apenas a candidata Vanessa assumiu a conta do material impresso, de forma integral. Sugeriu que Bravin poderia ter ficado com a distribuição do material impresso, por exemplo, mas a reportagem não encontrou tal despesa na prestação de contas do candidato, disponível no site do TSE.
O PV se comprometeu a verificar o ponto e esclarecer a questão, mas não houve retorno até o fechamento do texto, no início da tarde desta quinta-feira (7). A Gazeta do Povo também não conseguiu falar diretamente com Bravin.
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Já o advogado da campanha de Ratinho Junior, Gustavo Guedes, informou, por meio de nota, que “não temos conhecimento do pagamento de materiais gráficos por proporcionais [candidaturas ao parlamento] com a foto do então candidato Ratinho Junior”. “Disponibilizamos fotos de campanha para quem quisesse fazê-lo, homens e mulheres. Mas seriam propagandas de responsabilidade deles, inclusive para fins de prestação de contas, nos termos do artigo 37, parágrafo quarto, da Resolução 23.553”, continua a nota.
“Para ela [Vanessa], é só vantagem aparecer com o [Ratinho] Junior”, comentou Chico do PV. Mas, questionado sobre o número de votos obtidos pela candidata – apenas 99 –, o presidente estadual da legenda avalia que “quem a gente colocou para defender o programa de partido” não teve um bom desempenho. “Em todo país foi assim. O programa do PV é antagônico ao do [Jair] Bolsonaro. A gente é contra redução da maioridade penal, contra o armamento. E ela [Vanessa] tocou nestes pontos. E o reflexo foi isso aí”, disse ele, ao comparar com os quase 430 mil votos obtidos pelo Delegado Francischini (PSL), eleito deputado estadual na esteira da onda bolsonarista.
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Vanessa não apareceu na televisão, no espaço reservado aos candidatos do PV. “Não era uma candidata que a gente imaginava que faria voto na tevê. A gente trabalhou mais com rede social e com o interior, mas não deu. É incrível isso. Esperava que ela poderia fazer entre 6 a 8 mil votos. Em Curitiba, 3 mil”, disse ele.
Chico do PV reconheceu que “há sempre uma dificuldade” na formação da chapa, mas enfatizou que a sigla tem um histórico positivo – a deputada federal Leandre Dal Ponte, citou ele, foi reeleita deputada federal pelo PV – e negou que Vanessa tenha saído candidata apenas para preencher cota. “Eu acho que ela já foi candidata pelo PV umas três vezes, salvo engano. É uma engenheira florestal, estudou no Canadá, há muitos anos milita no PV. É sobrinha de coração de um dos fundadores do partido [Henor Pinto dos Reis, falecido em 2017]”, disse ele.
Eventual descumprimento da cota pode gerar prejuízo para toda a chapa de candidatos, homens e mulheres. No Paraná, em janeiro, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) já propôs seis Ações de Impugnação de Mandado Eletivo (AIMEs), relacionadas a número de mulheres e a candidaturas laranjas. As seis AIMEs tramitam no Tribunal Regional Eleitoral em sigilo. A PRE ainda deve fazer uma análise aprofundada das prestações de contas dos candidatos, eleitos e não eleitos.
Do partido para a candidata; da candidata para o candidato
No PSD a reportagem também identificou um caso em que dinheiro de fundo público destinado a campanhas femininas pagou despesas de homens.
A candidata a deputada estadual Eliana Fuzari recebeu R$ 446 mil em doações do Fundo Partidário da direção nacional do PSD. Nenhum outro candidato a estadual do partido no Paraná recebeu doações do diretório nacional. O valor recebido por Eliana foi a terceira maior doação da legenda para candidatos a estadual em todo o Brasil. Ainda assim, ela fez apenas 1.501 votos.
Eliana Fuzari foi assessora do ex-deputado federal Edmar Arruda entre os anos de 2013 e 2017. Dos R$ 446 mil que recebeu do PSD nacional, R$ 49,9 mil foram repassados à candidatura de Arruda. A maior parte desse valor, R$ 47,9 mil, foi para a conta de campanha de Arruda dois dias antes do primeiro turno das eleições. O restante, R$ 1,9 mil, foi repassado em dois depósitos de R$ 950, no dia 9 de outubro, dois dias após o primeiro turno.
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Segundo ela, a doação do partido não foi intermediada por Edmar Arruda e foi motivada pelo seu currículo como vereadora e candidata a vice-prefeita no município de Paiçandu, próximo a Maringá. Sobre a doação de parte do dinheiro do Fundo Partidário à candidatura de Arruda, ela afirma que o repasse foi proporcional ao valor dos materiais que foram feitos em conjunto para a campanha.
“O repasse foi reembolso de materiais: santinhos, adesivos, perfurados, produção de vídeos etc. faturados e pagos pelo candidato Edmar Arruda. Isto foi feito para conseguir um custo menor por conta da quantidade produzida”, afirmou.
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A maior parte da receita restante foi destinada à contratação de cabos eleitorais. A prestação de contas entregue ao TRE indica 416 contratações, que custaram R$ 405,8 mil, o equivalente a 85% de todas as despesas. Para efeitos de comparação, o deputado Fernando Francischini, o mais votado no estado, declarou ter gasto R$ 320 mil em atividades de militância e mobilização de rua. A média desse gasto entre os dez estaduais mais votados foi de R$ 148 mil, e nenhum dos dez candidatos mais votados declarou ter contratado mais cabos eleitorais que Eliana Fuzari.
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Ao justificar a baixa quantidade de votos mesmo com uma estrutura de campanha superior a de deputados eleitos com folga, Eliana diz que procurou fazer uma campanha organizada, com material e a correspondente entrega aos eleitores.
“A campanha, naturalmente, focou na minha candidatura, na dobrada de federal e para o governo do estado. O candidato a governador do nosso partido fez quase 60% dos votos em Paiçandu, 10.238 votos. Detalhe que considero importante: eu esperava uma votação bem maior, mas fui a terceira mais votada na minha cidade”, explicou.
Entenda as regras que exigiam 30% dos recursos para mulheres
Nas eleições de 2018, dois fundos compostos por dinheiro público colocaram cerca de R$ 2,6 bilhões nas eleições. Ao tradicional Fundo Partidário, que em 2018 destinou quase R$ 900 milhões às legendas, foi acrescentado o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o chamado Fundo Eleitoral, que abasteceu as campanhas com R$ 1,7 bilhão. Esse mecanismo foi instituído pelo Congresso Nacional como forma de garantir dinheiro para as campanhas após a proibição de doação de pessoas jurídicas.
Em 2018, por decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal ficou definido que 30% desses fundos compostos por dinheiro público deveria ser usado em campanhas de mulheres.
Ao votar sobre o tema no STF, o Ministro Edson Fachin argumentou que a distribuição de recursos deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidaturas femininas.
A expectativa era de que, com a obrigação de um patamar mínimo de recursos, as mulheres não seriam inscritas como laranjas nas chapas, apenas para cumprir a exigência de 30% de mulheres entre os candidatos.
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