A proposta inicial era tão polêmica quanto revolucionária: disponibilizar um hotel para acolher gratuitamente dependentes químicos que estivessem em situação de rua e em processo de recuperação. A ideia era reabilitar os usuários e, de quebra, reinseri-los no mercado de trabalho. Mantido pela prefeitura com recursos do Ministério da Justiça, o projeto não resistiu nem cinco meses: o convênio foi encerrado pela gestão de Rafael Greca (PMN) no fim de abril. Para o administrador da hospedagem, a iniciativa fracassou por causa de “sabotagem” por parte da própria gestão municipal. A prefeitura, por sua vez, aponta descumprimento de pontos do convênio.
O hotel para usuários de drogas em situação de rua começou a funcionar em dezembro do ano passado, ainda na gestão de Gustavo Fruet (PDT). Escolhido por meio de licitação realizada em outubro de 2016, o espaço ficava em frente ao Terminal do Guadalupe, cujo entorno é reconhecido como ponto de permanência de dependentes químicos. Assim que venceu a licitação, o empresário Kleyton Barreto, que administrava o hotel, se entusiasmou com o projeto. Afirma ter investido mais de R$ 500 mil, entre reformas e adaptações para obter todas as licenças exigidas.
“Eu vi que aquela era a possibilidade de mudar a realidade do Guadalupe, que é marcada por drogas e prostituição. O projeto daria condições de as pessoas conseguirem mudar de vida”, disse.
Pelo convênio firmado com a prefeitura, o hotel deveria deixar 100 vagas reservadas aos moradores de rua atendidos pelos programas psicossociais da prefeitura. A ideia é de que eles pernoitassem na pousada e, durante o dia, tivessem aulas profissionalizantes e frequentassem tratamento terapêutico. As regras eram claras: dentro do hotel, eles não poderiam usar drogas nem consumir bebidas alcoólicas. A prefeitura não disponibilizaria nenhum servidor para permanecer em tempo integral no hotel, mas eles ficariam de prontidão para atender demandas emergenciais.
Não foi o que aconteceu. Logo no início, os primeiros problemas de convivência entre os hóspedes surgiram e, segundo o administrador do hotel, a prefeitura não teria dado resposta imediata às demandas. “A gente acionava, relatava, pedia intervenção, mas os pedidos foram todos ignorados. Quando os usuários perceberam que a coisa estava frouxa, perdeu-se o controle”, disse.
Barreto coleciona boletins de ocorrências registrados na Polícia Civil de furtos e danos provocados por usuários. Até chuveiros e fiação elétrica chegaram a sumir dos quartos. Ele também relata que funcionários encontravam crack e garrafas de bebidas alcoólicas nos quartos e que brigas entre os hóspedes e entre os usuários e funcionários acabaram se tornando frequentes. Além disso, ele diz que havia casos em que os atendidos pelo programa não eram direcionados aos cursos e, ociosos, permaneciam no hotel durante a tarde.
“A gente nunca tinha retorno [da prefeitura]. Meus funcionários ficaram assustados. A situação começou a ficar catastrófica”, relatou.
“Sabotagem”
O dono do hotel aponta que os problemas de funcionamento no projeto começaram ainda na era Fruet. “Como ele tinha perdido a eleição, a equipe parecia sem vontade. Até porque não sabiam se o projeto seria mantido [por Greca]”, contou Barreto. Com a mudança na gestão municipal, afirma que o programa ficou “completamente à deriva”. O Departamento de Política Sobre Drogas foi transferido da Secretaria de Saúde para a Defesa Social, o que, segundo Ribeiro, provocou uma mudança radical de visão. O empresário diz que foi aí que o hotel começou a morrer.
“Por ter tido todo aquele imbróglio com moradores de rua durante a campanha [em que Greca afirmou que havia vomitado ao sentir cheiro de pobre], eu imaginei que ele apoiaria o projeto com unhas e dentes. Mas quando mudou a gestão, piorou de vez. Foi deprimente. O gestor da Guarda Municipal nem sabia o que era o projeto, não sabia nem mexer nas planilhas do Excel”, apontou Barreto.
A “sabotagem” que terminou, segundo o empresário, por sepultar o projeto foi efetivada financeiramente. Apesar de ser obrigado a reservar 100 leitos para o programa, a prefeitura fazia repasses proporcionais às vagas efetivamente ocupadas pelos usuários. Segundo os relatórios do projeto, eram destinados ao hotel uma média diária de 15 pessoas. Em março, por exemplo, 382 usuários passaram pelo programa: 13 pessoas por dia. Por essas vagas, a pousada recebeu pouco mais de R$ 10 mil.
“Meu custo fixo girava entre R$ 30 mil a R$ 50 mil. Foi uma sabotagem. A prefeitura foi estrangulando o programa financeiramente. Eu tinha que deixar 100 vagas provisionadas, mas só mandavam 10 ou 15 pessoas. Diziam que não tinha mais. Se a cidade tem quatro mil moradores de rua (pesquisa da Fundação de Ação Social de 2016 registrou 1.715 pessoas em situação de rua) e, como não conseguiam?”, questionou.
Barreto não esconde sua frustração. Ele destaca que acredita que o projeto poderia ter resultados positivos, mas que a falta de apoio da prefeitura teria sido determinante para o fracasso da iniciativa. “Desde o começo, ficou claro que só daria certo se a prefeitura abraçasse a ideia. Foi uma frustração muito grande, porque eu tenho certeza que teríamos condições de fazer algo que seria referência para o resto do país”, disse.
Rescisão
O convênio entre a prefeitura e o hotel foi rescindido no fim de abril. No processo que terminou com o cancelamento do projeto a prefeitura listou 17 itens para justificar o rompimento do contrato. Entre eles, estão o fato de a administração do local não ter fornecido toalhas padronizadas e não ter disponibilizado armários dentro dos quartos – os guarda-volumes ficavam na recepção.
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Defesa Social disse que a licitação foi cancelada porque “foram verificadas diversas irregularidades que estavam sendo cometidas no local”. “Na listagem dos frequentadores, havia nomes inexistentes, o consumo de entorpecentes era generalizado e era liberada a permanência das pessoas durante todo o dia no local, entre diversos outros problemas constatados. Além das questões administrativas, o local não respeitava e violava direitos humanos”, afirmou a secretaria.
Barreto discorda e diz que dos 17 itens apontados pela prefeitura, apenas dois estavam no edital. Com prejuízo estimado em quase R$ 1 milhão, ele cogita recorrer à Justiça. “Eu vou buscar meus direitos, porque eu fiz o que me pediram, até além do edital, e não tive a contrapartida. Estou avaliando com meu advogado a melhor forma de fazer. Minha empresa foi à falência por causa disso”, afirmou.
Prefeitura fará nova licitação, mas com previsão de menos vagas
A Secretaria Municipal de Defesa Social afirmou que uma nova licitação está tramitando para a prefeitura contratar um novo hotel para dependentes químicos em situação de rua, dentro de um novo plano de trabalho. O projeto – chamado “Nova Morada” – ofertará até 50 vagas, as quais 20% serão reservadas para gestantes ou moradoras de rua que acabaram de dar à luz.
Ainda segundo a secretaria, o Nova Morada “terá parceria com outros órgãos municipais, terceiro setor e instituições, proporcionando a reintegração social e o desenvolvimento global das pessoas em situação de rua”. Entre as ações mencionadas, estão a emissão de documentos, cursos profissionalizantes e atividades de esporte, lazer e cultura.
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