A discussão em torno do foro competente para abrigar a Operação Quadro Negro estaria interferindo na única ação penal até agora sobre o caso e que tramita em Curitiba, no âmbito da Justiça Estadual. Há praticamente seis meses, de acordo com pessoas envolvidas diretamente no processo, não teria sido registrada qualquer movimentação relevante na ação penal, que está sob sigilo na 9.ª Vara Criminal. A lentidão teria ligação com o debate sobre quem deve cuidar da Operação Quadro Negro, se a Justiça Estadual ou a Justiça Federal, ou, ainda, se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou até o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
O imbróglio se formou basicamente por dois motivos – por envolver recursos públicos retirados tanto dos cofres estaduais, quanto dos federais; e por envolver pessoas com diferentes foros por prerrogativa de função. As duas situações têm servido para sustentar recursos de réus contra o trâmite do tema no primeiro grau da Justiça Estadual.
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Deflagrada há dois anos, em junho de 2015, a Operação Quadro Negro aponta um desvio de ao menos R$ 18 milhões alocados para obras em escolas do Paraná, a partir de contratos firmados entre a empresa Valor Construtora e a Secretaria de Educação durante o primeiro mandato de Beto Richa (PSDB) no governo estadual, de 2011 a 2014.
A investigação já rendeu uma denúncia feita pelo Ministério Público do Paraná contra 15 pessoas, gerando a abertura de uma ação penal logo no começo de 2016. Entre os réus, estão o empresário Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor Construtora, e o engenheiro civil Maurício Fanini, ex-diretor da Secretaria de Educação.
Hoje usando tornozeleira eletrônica, Eduardo Lopes de Souza chegou a ficar preso preventivamente durante quase todo o ano passado. Ganhou liberdade com o fim dos depoimentos de todas as testemunhas no processo, no final do ano passado. Depois disso, a ação penal teria “estacionado”, coincidindo com questionamentos de réus sobre qual seria o foro adequado para julgamento do caso.
A juíza à frente da ação penal, Danielle Nogueira, foi procurada pela Gazeta do Povo, mas informou que não poderia conceder entrevistas. Ela alegou estar impedida pela Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e também pelo fato de o processo tramitar sob segredo de justiça.
Investigações em andamento
Embora a primeira parte da investigação já tenha concretamente gerado a abertura de uma ação penal em Curitiba, outras apurações, “filhotes” da Operação Quadro Negro, continuam em andamento, e espalhadas.
O fato de envolver recursos da União – parte das obras nas escolas era financiada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o Fundeb – fez com que a Polícia Federal do Paraná, em maio do ano passado, instaurasse um procedimento, no âmbito do primeiro grau da Justiça Federal, para apurar o caso. Logo depois, o procedimento foi tombado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que é o segundo grau da Justiça Federal, devido ao foro especial de nomes envolvidos. O procedimento foi devolvido recentemente à Polícia Federal do Paraná, no mês passado.
Como a investigação corre em sigilo, a PF não dá explicações sobre o andamento do caso e nem está autorizada a confirmar nomes de envolvidos. Mas, no início do ano passado, conforme a Gazeta do Povo revelou na época, ex-funcionárias da Valor Construtora já haviam apontado a participação de pessoas com foro especial: os deputados estaduais Plauto Miró (DEM) e Ademar Traiano (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, além do conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná Durval Amaral, que é pai do deputado estadual Tiago Amaral (PSB), e do secretário estadual de Infraestrutura, José Richa Filho, que é irmão do governador Beto Richa (PSDB). Todos eles negam relação com o esquema revelado pela Quadro Negro.
Os quatro nomes surgiram durante depoimentos prestados pelas ex-funcionárias da construtora ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público do Paraná. O conteúdo dos relatos acabou repassado para a Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília. A partir daí, a pedido da PGR, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu um inquérito, em março último, para apurar os fatos envolvendo o conselheiro Durval Amaral.
Nesta semana, questionada pela Gazeta do Povo sobre qual o destino dos demais nomes – Ademar Traiano, Plauto Miró e José Richa Filho -, a PGR respondeu, em nota, que “apesar da instrução no STJ constar apenas o nome de Durval Amaral, o procedimento investiga todo o contexto dos fatos relatados”.
Nas mãos do STF
Há dúvidas, contudo, se o caso continuará nas mãos do STJ, já que a Operação Quadro Negro teria atingido pessoas com foro especial no Supremo Tribunal Federal (STF). A Gazeta do Povo não conseguiu confirmar os nomes das pessoas que passaram a ficar na mira do STF, já que tudo corre em sigilo. Na Corte máxima do Judiciário, são investigados e julgados, por exemplo, deputados federais e senadores.
No final do ano passado, a defesa de Eduardo Lopes de Souza entrou com uma Reclamação (tipo de recurso) no STJ para questionar o trâmite da ação penal no primeiro grau da Justiça Estadual. Mas, o relator do recurso no STJ, o ministro Raúl Araújo, acabou enviando o pleito do réu para o STF. O magistrado havia sido alertado sobre o fato de “as investigações [da Quadro Negro] terem alcançado pessoas com prerrogativa de foro junto ao STF”.