A prefeitura de Curitiba vai unificar a rede de atendimento psicossocial e passar a atender dependentes químicos e pacientes com transtornos mentais nas mesmas unidades. A Secretaria Municipal de Saúde alega que a medida foi proposta para “humanizar” a rede e ampliá-la. Para especialistas em saúde mental, no entanto, os efeitos devem ser os inversos: redução dos serviços e precarização do atendimento.
A intenção da Secretaria de Saúde é fundir os Centros de Atendimento Psicossocial (Caps), que hoje são divididos em Caps-AD (Álcool e Drogas),voltado a dependentes químicos; Caps-TM (Transtornos Mentais), para pacientes com sofrimento mental, como psicoses; e Caps-Infantil, para crianças e adolescentes. Com isso, os 12 CAPS de Curitiba não serão mais especializados, mas atenderão ambos os públicos.
Em artigo publicado na Gazeta do Povo, a secretária de Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, classificou o atual modelo como “desumano”, porque faz com que os usuários dos serviços tenham que se deslocar mais para ter atendimento. Essa “reorganização territorial”, que seria potencializada com a ação dos postos de saúde – como porta de entrada – teria como impactos o aumento da oferta dos serviços e da “resolutividade às demandas”.
“Gambiarra”
No último sábado (7), a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) – núcleo Carrano emitiu um manifesto em que classifica a unificação dos Caps de “uma gambiarra” e que aponta o temor quanto ao “desmonte” da rede de atendimento. Segundo o texto, a Secretaria de Saúde não apresentou um plano metodológico claro e que as equipes serão “reestruturadas” e com rompimento de vínculos profissionais, “desmontando um trabalho que vem se afinando ao longo do tempo e que poderia ser potencializado”.
Além disso, a principal crítica à unificação do atendimento diz respeito às demandas distintas entre os públicos – dependentes químicos e pessoas em tratamento mental. O manifesto explicita receios, como a redução da procura dos dependentes químicos, “por não se identificarem com a proposta” e pelo receio de estigmatização; aumento da possibilidade de uso de drogas por parte de pacientes com transtorno mental e dificuldade em estabelecer vínculo dos pacientes com as respectivas unidades.
“Essa divisão que há nos Caps é para fortalecer o vínculo com o paciente. O que a Secretaria de Saúde está propondo agora é você colocar no mesmo balaio pessoas com demandas completamente diferentes. Imagine formar um grupo terapêutico com dependentes de crack e pessoas com psicoses, por exemplo. Os prejuízos serão inenarráveis”, disse Altieres Edemar Frei, psicólogo e professor que integra o colegiado gestor da Abrasme.
Processo
Segundo a Secretaria de Saúde, a proposta de unificar os Caps foi discutida com o Ministério da Saúde, com o Ministério Público do Paraná e com colegiados como o Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas e Conselho Municipal de Saúde. Atualmente, a mudança está sendo debatida dos distritos sanitários do município. “Insistir numa separação entre pacientes de transtornos mentais e transtornos mentais gerados pelo uso de álcool e outras drogas no Caps não é uma exigência do Ministério da Saúde”, destaca o artigo da secretária da pasta.
A prefeitura afirma que a “reestruturação” foi definida a partir de um mapeamento de diagnóstico, realizado entre janeiro e setembro deste ano. A Abrasme, por sua vez, considera que para se efetivar mudanças deste porte seriam necessários mais estudos, que levem em conta informações quantitativas, indicadores de saúde mental dos trabalhadores dos Caps e opiniões de usuários e familiares. “Há uma série de atores deste processo que precisam ser ouvidos. É uma mudança de política muito severa para ser tomada desta forma”, disse Frei.
“Des-humanização”
Também em artigo publicado na Gazeta do Povo, o ex-secretário de Saúde do governo Gustavo Fruet (PDT), Adriano Massuda, e o ex-diretor do Departamento de Política Sobre Drogas, Marcelo Kimati, apresentaram críticas à proposta de unificar os Caps, o que provocaria dificuldades de os pacientes terem acesso aos serviços. Na avaliação deles, a proposta vai na contramão da das mudanças consolidadas em Curitiba entre 2013 e 2016, quando a prefeitura municipalizou os Caps a ampliou a rede. “A medida tende a dificultar o acesso dos usuários de substâncias psicoativas e de portadores de transtorno mental grave aos serviços de saúde, fragilizando vínculos e reduzindo a eficácia terapêutica”, consta do artigo.
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