Uma decisão de 2017 dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e que retirou poderes dos deputados estaduais, acabou “ressuscitando” uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF), no ano de 2009, contra o então prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), hoje no seu segundo mandato como governador do Paraná.
A denúncia contra o tucano envolve um suposto desvio de finalidade na aplicação de R$ 100 mil, entre 2006 e 2008, para reforma de três unidades de saúde - uma verba federal que foi destinada à prefeitura de Curitiba por meio de convênio.
O MPF, contudo, não tinha conseguido até aqui efetivamente processar o tucano. Já na condição de governador do Paraná eleito, Richa acabou “blindado” pela Assembleia Legislativa. A maioria dos 54 deputados estaduais não autorizou a abertura da ação penal no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – instância adequada para julgamento de governadores de estados.
CRONOLOGIA: veja o desdobramento da denúncia, de 2009 até agora
Em maio do ano passado, contudo, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5540, o STF passou a entender que não há necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia e instauração de ação penal contra um governador de estado, e que cabe apenas ao próprio STJ decidir sobre a aplicação de medidas cautelares, inclusive a de afastamento do cargo.
A ADI 5540 tratava especificamente da Constituição do estado de Minas Gerais, mas a Corte máxima do Judiciário, já na sequência, ampliou o mesmo entendimento para os demais estados brasileiros. No caso do Paraná, a obrigatoriedade da “licença prévia” de pelo menos “dois terços dos membros da Assembleia Legislativa”, para admitir uma acusação contra o chefe do Executivo, está prevista no artigo 89 da Constituição estadual.
A principal polêmica do dispositivo que exige o aval de deputados estaduais para instauração de processo está relacionada ao fato de, historicamente, os governadores de estados possuírem uma ampla base aliada no Legislativo, geralmente com pouca ou nenhuma disposição para autorizar a abertura de uma ação penal.
No caso paranaense, o STJ pediu autorização da Assembleia Legislativa para processar Richa no ano de 2011, mas somente no final de 2014 o então presidente da Casa, Valdir Rossoni (PSDB), colocou o assunto em votação. Por 40 votos contra 5, e uma abstenção, os deputados estaduais “enterraram” a denúncia.
Agora, por causa do “atraso” de quase 3 anos para deliberar sobre o pedido do STJ, Valdir Rossoni, hoje na condição de deputado federal licenciado e secretário-chefe da Casa Civil de Richa, foi denunciado no mês passado ao STF pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por crime de prevaricação. Além disso, em função do novo entendimento do STF, dispensando a consulta ao Legislativo, o caso envolvendo Richa voltou a tramitar no STJ.
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Menos de um mês depois do julgamento da ADI 5540, o ministro do STJ Herman Benjamin cobrou uma manifestação da PGR sobre o caso do governador do Paraná. Em manifestação assinada em 26 de maio de 2017, e obtida pela Gazeta do Povo, o vice-procurador-geral da República José Bonifácio Borges de Andrada resolve então ratificar a denúncia oferecida em desfavor de Richa, pelo delito tipificado no inciso IV do artigo primeiro do decreto-lei 201, de 1967.
O trecho do decreto-lei prevê uma pena de detenção, de três meses a três anos, se o prefeito de um município “empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam”.
Em sua manifestação, Borges de Andrada ainda lembra que não houve prescrição. Segundo ele, entre 30 de novembro de 2011 (data do primeiro ofício enviado pelo STJ à Assembleia Legislativa do Paraná) e 3 de maio de 2017 (data do julgamento da ADI 5540 no STF), o prazo prescricional permaneceu suspenso.
A partir da ratificação da denúncia pela PGR, o ministro Herman Benjamin determinou a digitalização do processo no sistema do STJ.
Outro lado
Procurada na terça-feira (2) , a assessoria de imprensa do governador do Paraná enviou uma nota. Leia na íntegra:
O governador do Paraná, Beto Richa, reafirma que não era o gestor e nem o responsável pelas emissões de pagamentos de despesas e movimentações financeiras do Fundo Municipal de Saúde da Prefeitura de Curitiba. A funcionária responsável pela função confessou o desvio de recursos e foi demitida. Os valores conveniados, porém, foram restituídos à União com os devidos acréscimos legais. A prestação de contas feita ao Ministério da Saúde foi aprovada em 2009. Com isso, o caso foi arquivado administrativamente por falta total de elementos que sustentassem a acusação. A reforma e ampliação das três unidades de saúde - objeto do convênio com o governo federal - acabou sendo realizada com recursos próprios, da Prefeitura de Curitiba.
Assessoria de imprensa do governador do Paraná, Beto Richa
Curitiba, 2 de janeiro de 2018
Outros casos
Com o novo entendimento do STF, qualquer eventual denúncia criminal oferecida pela PGR ao STJ contra o governador do Paraná não deve mais passar pelo crivo da Assembleia Legislativa. Beto Richa é alvo de três inquéritos no STJ, de responsabilidade da PGR, decorrentes da Operação Publicano, da Operação Superagui e das delações da Odebrecht (no âmbito da Operação Lava Jato). O nome do governador do Paraná também foi citado nas investigações da Operação Quadro Negro e nas delações da JBS. Em nenhum dos casos, houve oferecimento de denúncia até agora.
A cronologia da denúncia
- Em 23 de junho de 2009, o Ministério Público Federal (MPF) oferece, perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, uma denúncia contra o então prefeito de Curitiba, Beto Richa, porque no período de novembro de 2006 a dezembro de 2008 ele teria empregado recursos públicos recebidos do Fundo Nacional de Saúde mediante convênio, no valor de R$ 100 mil, em desacordo com os planos a que se destinavam, que eram as reformas de três unidades municipais de Saúde;
- Em 15 de julho de 2010, em razão da renúncia de Beto Richa ao cargo de prefeito de Curitiba, para concorrer ao governo do Paraná, o TRF4 declina da competência para a Justiça Federal de Curitiba;
- Em 7 de fevereiro de 2011, a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba remete os autos ao STJ, já que Beto Richa tomou posse no cargo de governador do Paraná;
- Em 11 de novembro de 2011, a pedido da PGR, o ministro do STJ Cesar Asfor Rocha envia um ofício à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) solicitando autorização para a abertura da ação penal - AP 687 - contra Beto Richa;
- Em 6 de novembro de 2012, o ministro do STJ Herman Benjamin assume a relatoria do caso e reitera o ofício de Cesar Asfor Rocha, “por não ter sido enviada qualquer resposta” pela Alep;
- Em 12 de agosto de 2013, o ministro Herman Benjamin determina a suspensão do prazo da prescrição da pretensão punitiva, desde o recebimento pela Assembleia do primeiro ofício do STJ;
- Em 28 de novembro de 2014, o STJ recebe um ofício da Assembleia, no qual a Casa informa à Corte que indeferiu a licença para processamento de ação penal contra Beto Richa;
- Em 4 de maio de 2017, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, comunica o STJ sobre o resultado do julgamento da ADI 5540, na qual a Corte decidiu, com eficácia contra todos e efeito vinculante, que “não há necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia e instauração de ação penal contra governador de estado”;
- Em 9 de maio de 2017, diante da decisão do STF, o ministro do STJ Herman Benjamin envia o caso à PGR para que “requeira o que entender por bem”;
- Em 26 de maio de 2017, o vice-procurador-geral da República José Bonifácio Borges de Andrada ratifica a denúncia oferecida contra o governador do Paraná em 2009.