O ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho está longe de ser o único a dirigir em alta velocidade, alcoolizado, e se envolver em uma colisão que acaba em morte. Assim como ele, milhares de outros motoristas são réus em ações judiciais que discutem se os casos devem ser decididos por júri popular. Um indicativo de como a Justiça atuará daqui para frente sairá a partir do debate marcado para a tarde desta quinta-feira (11) no Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto defesa quanto acusação concordam que a votação será um norte para ações semelhantes ao caso Carli Filho.
Em tese, o que os ministros discutirão é se alguém pode ir a júri popular mesmo que ainda haja recursos processuais pendentes. No caso Carli Filho, há dois agravos em análise no próprio STF. Mas a situação não será tratada como apenas mais um processo que chega à Corte Suprema. Não é comum que habeas corpus sejam discutidos em plenário, por todos os ministros. Ao levar o caso para apreciação dos colegas, Gilmar Mendes, que é o relator do processo, dá um indicativo de que o STF debaterá o assunto para que seja construído um entendimento a ser adotado em ações parecidas, envolvendo a associação de alta velocidade e embriaguez.
Mendes pode propor uma súmula vinculante ou mesmo julgar, na mesma tacada, os recursos pendentes do processo de Carli Filho. Se os ministros tomarem uma decisão desfavorável ao ex-deputado, não haverá mais estratégias jurídicas capazes de impedir a marcação do júri.
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Na avaliação do criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, Gilmar Mendes levou o caso a plenário para buscar uma tese majoritária sobre o assunto, a ser usada em situações semelhantes. Além disso, ele também enxerga na decisão de Mendes a intenção de dar agilidade ao processo de Carli Filho, evitando abrir brechas para mais recursos.
Para Elias Mattar Assad, advogado que auxilia a acusação, o Supremo fará o processo do Paraná ser um caso-líder, capaz de transformar o paradigma em votações parecidas. “Será parâmetro nacional”, comenta. Gustavo Scandelari, advogado de defesa, avalia que o Supremo enfrentará a questão da competência, de quem deve julgar situações de trânsito como a ocorrida no caso Carli Filho. Assim, no entendimento dele, não apenas a questão dos recursos pendentes, mas também se os crimes de trânsitos são casos para tribunal do júri, permearão o debate dos ministros.
O promotor Paulo Markowicz de Lima, que atuou na fase inicial do processo de Carli Filho, destaca que, mesmo que não saia uma súmula vinculante a partir da análise do processo do ex-deputado, “toda decisão do Supremo tem um efeito nas demais instâncias da Justiça”. Na avaliação dele, há vários indicativos de que o STF vai definir que o júri pode ser realizado mesmo que existam recursos pendentes – uma vez que uma absolvição ou condenação no julgamento ainda poderia ser alvo de contestação na Justiça, com o réu em liberdade.
O criminalista Mario Soltoski Júnior segue a mesma linha. Para ele, há diversas pistas de que o Supremo acabará autorizando a realização de júri mesmo com recursos pendentes. “Se o STF decidir que há a necessidade de se esgotar todos os recursos, haverá uma contradição com a decisão que permite a prisão a partir da segunda instância. Se pode a prisão, que é mais grave, porque não pode fazer o julgamento?”, pondera.
Imbróglio jurídico
A defesa do ex-deputado alega que não se trata de um caso de duplo homicídio intencional, já a acusação argumenta que Carli Filho, ao dirigir alcoolizado e em alta velocidade na madrugada de 7 de maio de 2009, assumiu o risco de matar. Os ministros avaliarão uma decisão liminar dada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que impediu o julgamento popular, que havia sido marcado para janeiro do ano passado. Caso derrubem a liminar, o júri poderá ser marcado a qualquer momento. Mas, se o argumento da defesa prevalecer, os ministros manterão o júri em suspenso até que seja analisado um outro recurso (agravo) apresentado pelos advogados de Carli Filho.
Relator do caso, Gilmar Mendes vai conduzir a votação. O entendimento dele tem peso na avaliação de plenário, apesar de contar tanto quanto qualquer outro voto, o relator é o magistrado que estudou mais profundamente o caso e acaba influenciando a opinião dos colegas.
Entenda o caso
Há oito anos, na madrugada de 7 de maio de 2009, uma colisão matou Gilmar de Souza Yared e Carlos Murilo de Almeida, na época com 26 e 20 anos, respectivamente. No volante do carro que provocou a batida estava o então deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho. Na época, um exame no hospital onde ele foi atendido mostrou que o ex-parlamentar tinha 7,8 decigramas de álcool por litro de sangue. No entanto, como o exame foi realizado enquanto Carli Filho estava desacordado, a Justiça desconsiderou o teste como prova.
Em fevereiro de 2014, a 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) entendeu que havia indícios de que Carli Filho assumiu o risco de matar ao dirigir em alta velocidade e depois de ingerir bebida alcoólica, e confirmou o júri popular. Carli Filho seria julgado nos dias 21 e 22 de janeiro, por duplo homicídio doloso qualificado. Na decisão que concedeu a liminar e suspendeu o júri, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que seria necessário que os recursos interpostos pela defesa fossem julgados antes.
Em maio do ano passado, em mais um capítulo polêmico dessa história, Carli Filho divulgou um vídeo, com exclusividade para o colunista Reinaldo Bessa, pedindo perdão às mães dos jovens mortos. Em resposta, a mãe de um dos jovens mortos, a deputada federal Chistiane Yared (PR) reagiu imediatamente, dizendo que o ex-deputado estava “sete anos atrasado para o enterro” do filho dela e que não percebeu sinceridade no pedido de perdão.