Ainda era início da semana quando o deputado estadual Fernando Francischini (PSL) caminhou até o gabinete do colega Paulo Litro (PSDB). Francischini, o parlamentar do Legislativo estadual mais bem votado da história – com quase 428 mil votos –, queria se certificar do apoio daquele que era tido nos bastidores como o fiel da balança na esperada votação para presidir a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), a mais importante da Assembleia Legislativa do Paraná, marcada para esta segunda-feira (11). É pela CCJ que passam todas as proposições levadas à discussão no plenário da Assembleia Legislativa.
Horas depois, Francischini saiu satisfeito. Paulo Litro, até então dividido entre o apoio ao parlamentar do PSL ou ao velho conhecido Nelson Justus (DEM), optou pelo primeiro. No dia seguinte, estava na mão do delegado licenciado da Polícia Federal um documento assinado por oito parlamentares que se comprometiam a votar nele. Era a costura que faltava para Francischini dar mais um passo em direção ao Palácio 29 de Março, sede da prefeitura de Curitiba.
LEIA MAIS: Mesmo renovada, Assembleia Legislativa do Paraná ainda está na mão de caciques
Somente uma reviravolta improvável poderá tirar o assento de Francischini na votação desta segunda-feira (11). O ex-delegado deverá ser conduzido sem dificuldade à presidência da CCJ em uma articulação que busca, sobretudo, viabilizar sua candidatura à Prefeitura de Curitiba. Nesta pré-corrida eleitoral ele figura, ao menos por enquanto, como um dos nomes mais fortes. Um posto conquistado graças a uma combinação de popularidade com alinhamento ao discurso em voga entre os eleitores: combate à violência e defesa de valores conservadores.
A proximidade com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), de quem é amigo, companheiro de partido e do qual foi um dos principais articuladores de campanha, também ajudou. É o lugar certo na hora certa.
Mas as poucas quadras que separam a Assembleia do 29 de Março deverão ser um caminho mais tortuoso para o delegado. É que, para se manter forte, o deputado estadual precisa conquistar o apoio do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) e superar uma longa lista de controvérsias, que inclui a Batalha do Centro Cívico – um fantasma de 2015 que sempre terá de carregar à tiracolo. Não bastasse, precisará superar problemas com a Justiça Eleitoral que podem, inclusive, tirá-lo do cargo no Legislativo.
Guerra dos tronos
A presidência da CCJ pode soar como um gol pequeno para o nome mais expressivo da maior bancada da Alep. Graças a sua votação massiva, Francischini conseguiu carregar seis dos outros sete candidatos para a Casa legislativa, seguindo as regras do coeficiente eleitoral. O último deles, Subtenente Everton, teve apenas 13 mil votos – votação pouco superior a de um vereador de Curitiba. A questão numérica é ainda mais impressionante quando analisado o desempenho na capital: foram quase 140 mil votos.
A performance, é claro, aguçou o desejo pela disputa à prefeitura de Curitiba em 2020, naquela que seria sua primeira eleição majoritária. O parlamentar se recusou a falar com a Gazeta do Povo na semana passada. Em entrevistas a outros veículos, porém, afirmou que estará no pleito pelo Executivo municipal.
LEIA TAMBÉM: Iniciativa do TCE mostra que pequenas ações podem render grandes resultados
Tal desejo explica porque, mesmo com apoio popular e liderando informalmente a maior bancada da Casa, o deputado tenha preferido desistir da presidência da Alep e se contentar com uma comissão (ainda que a mais importante). Atrelado ao bloco governista, ele ainda trabalha com a possibilidade de apoio do governador Ratinho Junior (PSD) em 2020. E, para isso, precisa esperar na fila.
Ainda em campanha, o governador já havia negociado acordo com Ademar Traiano (PSDB) – ainda que o PSDB estivesse na chapa da rival Cida Borghetti (PP), o deputado havia oferecido sua articulação no interior a Ratinho em troca do apoio pela mesa diretora da Alep. Restou a Francischini o título da Série B.
À rádio CBN, no dia 1º de fevereiro, o delegado licenciado havia admitido a manobra. “Foi um convite do próprio governador, uma articulação que envolveu trazer experiência desses anos todos em Brasília para a CCJ, para ter um presidente aliado com o governador. [A ideia é] Fazer com que projetos, como as Parcerias Público Privadas (PPPs), possam caminhar para trazer um novo momento de infraestrutura. [Também é] Aprovar projetos de readequação das pautas importantes para o estado, como também a parte previdenciária”, disse.
“A minha candidatura é também a candidatura do governador Ratinho Junior para ter, além do líder [presidente da mesa] do governo, um aliado na comissão mais importante, que é aquela que possibilita qualquer votação em plenário”, completou Francischini.
Oficialmente, o governo nega qualquer ingerência na escolha dos postos na mesa diretora ou comissões, destaca o líder governista na Casa, Hussein Bakri (PSD). “O governo não irá interferir na eleição”, diz. O deputado, porém, é um dos que admitem publicamente que votará em Francischini na CCJ. “Eu, pessoalmente, estou apoiando a candidatura dele porque entendo que é o melhor para este momento que a Casa está vivendo. Ele tem confiança, tem conhecimento jurídico. Também não posso negar que ele tenha a maior bancada aqui na Casa e ficou fora da disputa da mesa. É uma posição que o partido dele merece”, diz Bakri.
O posto na CCJ garante visibilidade, algo fundamental para qualquer postulante ao Executivo municipal, além de poder de barganha com partidos e governo.
Um adversário pelo caminho
Além de aparecer, Francischini terá a tarefa de se mostrar um candidato mais viável para seu bloco de apoio. Embora seja “totalmente um aliado”, nas palavras do líder do governo, o deputado batalha a simpatia de Ratinho Junior com um postulante à prefeitura pertencente ao mesmo partido do governador e de perfil um tanto menos polêmico: Ney Leprevost (PSD).
“É inegável que alguém que deixa de ganhar a eleição [de 2016] por uma margem tão pequena fique com uma certa vontade. E não só uma vontade minha. As pessoas na rua vêm me abordar e falam: ‘próximo prefeito’”, diz o político. Leprevost carimbou sua credencial a uma nova disputa pelo Executivo municipal após o excelente desempenho na eleição anterior. Em 2016, o então candidato à prefeitura conseguiu levar a batalha ao segundo turno, superando o então prefeito Gustavo Fruet (PDT). Ele foi derrotado, no entanto, por Rafael Greca (PMN), por uma pequena diferença de votos – 461 mil contra 405 mil.
Em 2018, Leprevost conquistou uma das vagas de deputado federal. No entanto, antes que ele arrumasse suas malas para o cargo em Brasília, Ratinho Junior o nomeou secretário da Justiça, Família e Trabalho, em uma clara sinalização de que o quer por perto.
Leprevost nega haver, porém, um início de racha no grupo. “Essa é uma decisão [de se candidatar] que eu não vou tomar sozinho. Ela vai ser tomada com o próprio governador, que foi uma pessoa que confiou em mim e me trouxe para o governo, e também por um diálogo com meus eleitores. Vamos ver se a vontade deles continuará aflorada em 2020”, diz.
“Eu tenho um ótimo relacionamento com o Francischini inclusive no âmbito pessoal. Como deverá ser uma eleição de dois turnos, por ter vários candidatos fortes, não vejo problema nenhum em ter vários candidatos que são amigos e que fazem parte da base do governo”, destaca o secretário.
O vencedor desta disputa possivelmente irá encarar, como de praxe, o atual prefeito, Rafael Greca. Gustavo Fruet, hoje deputado federal, é outro nome nesta lista.
“O deputado do camburão”
Aos 48 anos, Francischini acumula sucessos eleitorais e uma longa lista de controvérsias. Ex-militar, delegado licenciado da PF e bacharel em Direito, o deputado usou e abusou do discurso de intolerância à criminalidade para conquistar um eleitorado forte.
À frente da PF, ele foi responsável por operações de sucesso que lhe deram projeção nacional, como a prisão de dois dos maiores traficantes do mundo: Juan Carlos Abadía e Fernandinho Beira-Mar. Foi a partir daí que investiu na imagem de linha-dura, na qual comemorava a prisão de criminosos na internet e aparecia em programas de televisão com arma na cintura.
“O sucesso como policial colocou ele no trajeto da política. Ele sabia que aquele era o momento de entrar. Francischini sempre soube surfar nos bons momentos. Tem uma inteligência estratégica para isso. Tanto que embarcou na campanha de Bolsonaro antes de qualquer outro político de relevância”, diz uma fonte próxima ao deputado.
O primeiro cargo político veio em 2010, como deputado estadual. Em 2014, partiu para um voo mais alto, como deputado federal, antes de voltar ao estado no último pleito. Nos anos de política, Francischini teve papeis de relevância, participando de CPIs e auxiliando o Executivo em momentos-chave, como em 2014, quando foi chamado para a secretaria de Segurança Pública na gestão de seu ex-aliado Beto Richa (PSDB).
Ao mesmo tempo, acumulou polêmicas. O deputado chegou a ser citado, em 2016, em delação do ex-senador Delcídio do Amaral, preso no âmbito da Operação Lava Jato. Naquele mesmo ano o processo foi arquivado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
No ano passado, Francischini teve o nome ligado a páginas que espalhavam notícias falsas no Facebook. Estima-se que o parlamentar, ainda como deputado federal, tenha destinado R$ 28 mil de sua cota de dinheiro público para pagar a empresa Novo Brasil Empreendimentos Digitais, que controlava 68 páginas e 43 perfis pró-Bolsonaro derrubadas pela própria rede social por violar sua política de autenticidade. O deputado nega que os pagamentos tenham sido usados para manter tais páginas e perfis.
Nenhum momento de sua trajetória foi mais turbulento, no entanto, do que a gestão de apenas cinco meses na secretaria de Segurança de Richa. Em fevereiro de 2015, para tentar furar o bloqueio de professores que protestavam em frente à Alep, Francischini sugeriu aos deputados entrarem escondidos em um camburão para votar as medidas impopulares alvo do protesto. O episódio tragicômico lhe rendeu a alcunha de “deputado do camburão”. Alguns meses depois, Francischini liderava um embate entre policiais e os mesmos manifestantes, em um episódio que terminou com mais de 200 feridos. Era a “Batalha do Centro Cívico”.
O ex-secretário Francischini, Beto Richa e três coronéis da PM foram absolvidos na Justiça pelo episódio, em 2017, após o Ministério Público ajuizar uma ação civil pública. Se na época Francischini tentou se eximir de culpa, responsabilizando a operação ao comando da PM – coronéis da corporação assinaram uma carta contestando a afirmação do ex-secretário –, hoje, ele parece ter mudado de opinião.
O deputado afirmou diversas vezes que repetiria a ação. “Cumpri a minha obrigação técnica naquele dia. Mesmo respeitando o direito de manifestação dos professores, não podia deixar que uma parcela de arruaceiros do MST e de sindicatos quebrassem o Centro Cívico”, disse à Gazeta do Povo em outubro.
Mandato em xeque
De certa forma, o resultado das urnas parece ter eximido o político da violenta ação de 2015. Mas nem bem sentou em sua cadeira na Alep, Francischini se vê às voltas com outros problemas judiciais, desta vez acusado por crimes eleitorais.
No início de janeiro, o Ministério Público Eleitoral apontou que ele teria realizado captação e gastos ilícitos de recursos durante a campanha. No julgamento das contas do deputado, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) constatou “graves irregularidades”. Segundo a análise, foram encontrados gastos de campanha não quitados, como um jantar no restaurante Madalosso que custou R$ 74.290. Segundo o entendimento do TRE-PR, esse tipo de evento viola a legislação eleitoral, que desde 2006 proíbe a “produção ou patrocínio de espetáculos ou eventos promocionais de candidaturas”. A ação poderia resultar na impugnação do deputado.
Um pouco antes, em novembro, a Procuradoria Regional Eleitoral do Paraná pediu a abertura de investigação judicial contra o deputado por um vídeo ao vivo postado em suas redes sociais no exato dia do primeiro turno das eleições, 7 de outubro. Nele, o deputado denuncia supostas falhas reportadas por eleitores nas urnas eletrônicas do Paraná.
A procuradora regional eleitoral Eloísa Helena Machado indica que Francischini “incitou a população a desprestigiar a Justiça Eleitoral, incutindo em seus ânimos a clara noção de que as eleições brasileiras estavam sendo fraudadas a favor de algum candidato e contra o candidato a Presidente da República Jair Bolsonaro”. Em caso de procedência, a ação também pode resultar na cassação de diploma e na ilegibilidade do parlamentar pelo prazo de oito anos.
À época, o então candidato justificou seu vídeo dizendo que estava apenas pedindo fiscalização. “A imunidade parlamentar Constitucional serve pra isso! Eu denunciei e o TRE agiu bem e auditou [as urnas eletrônicas]! Isso é Democracia!”, escreveu em seu Twitter.
Ambas as ações ainda não têm data para serem julgadas.
***
Enquanto aguarda o resultado da Justiça Eleitoral, Francischini segue seu compasso estratégico rumo a sua primeira tentativa em uma eleição majoritária. Por hora, em outra eleição, a da CCJ, devem apoiá-lo os deputados Hussein Bakri (PSD), Tião Medeiros (PTB), Paulo Litro (PSDB), Homero Marchese (Pros), Evandro Araújo (PSC), Delegado Jacovós (PR) e Marcio Pacheco (PPL). “Já conversei com o Francischini e declarei apoio a ele. Ele é uma pessoa com muita experiência e tem apoio dos deputados do governo. Passou a ser um candidato com força”, diz Paulo Litro.
Deixe sua opinião