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Entorno da Linha Verde vem passando por várias mudanças nos últimos anos. | Maicon J. Gomes/Gazeta do Povo
Entorno da Linha Verde vem passando por várias mudanças nos últimos anos.| Foto: Maicon J. Gomes/Gazeta do Povo

Se a obra viária da Linha Verde se aproxima de sua fase final - previsão de obras concluídas em 2020 - ainda com uma série de nós para desatar, um aspecto ainda mais fundamental, o da reurbanização de seu entorno, parece caminhar de maneira especialmente lenta. Apesar de visíveis as mudanças práticas na via (asfalto, recuos, calçamento), pouca coisa mudou em relação às construções que acompanham seus 22 quilômetros de extensão. Nos trechos localizados no extremo sul (sobretudo nos bairros Pinheirinho e Xaxim) e extremo norte (no Atuba) até existem conjuntos habitacionais, corporativos e uma rede de serviços urbanos, com supermercados e marcas de “atacarejo” (como a Muffato Max, por exemplo). Mas o miolo parece ter sido esquecido.

A ideia da via é que os antigos serviços, como transportadoras, armazéns e grandes oficinas mecânicas deem espaço a serviços do dia a dia de uma comunidade, em um uso misto – metade corporativo e metade residencial. Mas os barracões ainda tomam conta daquele cenário e, de concreto, há quase nada de “edifícios desejados”, como prevê o projeto.

“Apesar de os órgãos oficiais estarem um pouco decepcionados com a velocidade da mudança de uso do solo, não daria para dizer que é uma surpresa. Essa mudança na estrutura de uma região bateu com o momento, nos últimos anos, em que houve uma redução violenta no mercado imobiliário por conta da economia retraída”, explica o urbanista Carlos Hardt. Além disso, o professor atribui à própria falta de finalização da obra o fator “desmotivador” para quem poderia se sentir atraído pela área. “Não tem como implantar um transporte de maior capacidade naquela canaleta central enquanto não tivermos demanda alta e fluidez”, explica.

“Há alguma mudança. Tenho pesquisado a região e os barracões, armazéns e transportadoras realmente deixaram a região”, aponta o urbanista da PUCPR. Tais estruturas foram parar nos contornos – vias criadas para substituir a ligação que a BR-116 fazia pelo meio da cidade – onde quem depende deste serviço passou a circular. Mas o professor diz não ver a ocupação destes lotes, agora vazios, com o perfil de imóvel que a prefeitura esperava ver.

O município, porém, aponta que a lentidão é um movimento natural. “O compromisso do prefeito Rafael Greca (PMN) foi de concluir o eixo viário. O projeto de reurbanização vai durar 20, 30 anos. É um processo que não depende só da prefeitura. A prefeitura estabelece o planejamento e é uma indutora desse processo. Tudo tem a ver com questões econômicas do país, tem a ver com questões do mercado imobiliário”, defende Luiz Fernando Jamur, do Ippuc. “Entendemos que a infraestrutura que estamos colocando lá é o componente importante. Precisamos concluir este eixo principal porque, com ele, vamos atrair o mercado investidor nessa região”, diz. Isso inclui, ele ressalta, uma linha de transporte completa, com as integrações com terminais.

“Na parte sul já existem grandes conjuntos habitacionais de moradia, grandes varejistas. Na própria porção norte já há empreendimentos. Com a conclusão do eixo de transporte [a ideia é incialmente que um BRT, os biarticulados, percorram toda a extensão da via] se terá uma condição muito boa de mobilidade e sistema viário, integrado à rede metropolitana”, defende. É uma filosofia com a cara do clássico do cinema Campo dos Sonhos – apostar que depois da construção da obra as pessoas se encaminharão pra lá.

Para o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Paraná (Sinduscon), algumas regiões da Linha Verde estão mesmo consolidadas. Mas o órgão admite que não é regra. “Falando de 2016 para frente, a região já é vista como uma área de destino [feita para morar ou empreender]. Já é algo natural o lançamento de prédios lá. Caso peguemos uma média, fechada em outubro, são 500 unidades lançadas anualmente neste local [o valor se refere aos dois últimos anos]”, aponta Marcos Kahtalian, presidente da entidade. É um número que classifica como “interessante”. Mas ele admite que estes imóveis estão disponíveis no trecho já concluído – nos demais, a realidade é outra. “Na região norte isto não está acontecendo ainda. Com o shopping Jockey Plaza [previsto para inaugurar em 2019, no Tarumã], talvez haja uma movimentação”, aposta. É um verbo a ser conjugado no futuro.

Para o arquiteto Gustavo Pinto, conselheiro da regional paranaense da Associação Brasileira de Arquitetura (Asbea), o modelo de negócio escolhido e definido em legislação está errado. É que para financiar parte da obra e atrair essa nova cara urbana, a prefeitura optou por um instrumento chamado de ‘operação consorciada’. Na prática, a gestão estabelece novos mecanismos de uso do solo – ou seja, que tipos de construção podem ou não ser feitas naquele local –, e concede troca de ‘potencial construtivo’ em alguns casos – que é um mecanismo para que uma construtora possa fazer um prédio mais alto do que o zoneamento permite, por exemplo, pagando mais e dando contrapartidas, como construção de praça, para a cidade.

Segundo o arquiteto, a mudança encareceu os terrenos na região. “Os lotes, vamos falar em número hipotético, que custavam R$ 700 mil foram para R$ 3 milhões, R$ 4 milhões, com a venda do potencial construtivo”, exemplifica. De acordo com o conselheiro da Asbea, isso inviabilizou os empreendimentos de baixo padrão, que pareciam ser o mote natural dali. Foi uma faca apontada para o próprio peito. “A produção do mercado imobiliário cessou. Quando não tem essa produção, você também não compra Cepac [o nome técnico do potencial construtivo], que nesse modelo de negócio é o recurso-base para a continuidade da construção do sistema viário. O sistema se fecha como um todo e não oxigena”, define.

O arquiteto defende que a operação consorciada não trate a linha verde como um todo, mas obedeça cada característica de local. Na prática, para ele, isso não espantaria investidores. “Alguns terrenos ali passaram a ter características de preço como se fossem de regiões valorizadas, como o Água Verde ou o Batel. Vai ter que se esgotar tudo que é terreno nesses bairros para que a ocupação migre para a Linha Verde”, projeta. “Talvez o custo da terra seja mesmo uma das explicações. O terreno perto do viaduto da Marechal vale uma fortuna. E para fazer aquele empreendimento tem que ser de um nível de valor agregado muito alto”, concorda Hardt.

É uma realidade difícil de colocar em números, já que o Sinduscon aponta que haverá lançamentos em 2019 na região, mas sem muita empolgação – e sem revelar a quantidade.

O ponto é que ninguém crava um prazo para que a ocupação se consolide na região. Mas todos admitem que é um trabalho para décadas: 20 a 30 anos em estimativa otimista da prefeitura ou até 50 anos, na dos outros especialistas ouvidos pela reportagem. Por enquanto, a Linha Verde segue em obras. E assim será por um bom tempo.

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