Em depoimento prestado a investigadores do Ministério Público do Paraná (MP-PR) no âmbito da Operação Quadro Negro, Beto Richa (PSDB), governador entre janeiro de 2011 e abril de 2018, admite ter tido uma relação de amizade com o engenheiro civil Maurício Fanini , agora candidato a delator. O tucano não deixa claro, contudo, se foi ou não responsável pela indicação de Fanini para os cargos públicos que ocupou na prefeitura de Curitiba e no governo do Paraná.
“Conhecia sim. Se formou comigo na faculdade”, inicia Beto Richa sobre Fanini. Depois, ele confirma que Fanini foi diretor de Pavimentação na Secretaria de Obras da Prefeitura de Curitiba, quando o tucano estava à frente da pasta, mas não dá detalhes sobre a nomeação. “Naquela época, nunca tive problema com ele, nenhuma acusação, nada que desabonasse sua conduta”, observou o tucano.
Logo no primeiro mandato de Beto Richa no governo do Paraná, em 2011, Fanini também foi nomeado para ser diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), braço da Secretaria da Educação (Seed). Lá, teriam ocorrido os desvios de dinheiro revelados pela Operação Quadro Negro. Mas, ao ser questionado sobre a nomeação de Fanini para a Sude, Beto Richa não foi claro. “Puxa, eu não me recordo. Quem o colocou neste cargo eu não sei. A qualificação dele é engenheiro civil”, explicou o tucano.
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Depois, Beto Richa ainda acrescentou: “Eu sei que, quando a gente arrumou o cargo, a remuneração era baixa. Tanto que foi dado um cargo também no conselho da Sanepar, para complementar o salário”.
Em outra parte do depoimento, os investigadores voltam a perguntar a Beto Richa sobre uma terceira nomeação de Fanini, no final de 2014, para comandar a Fundepar, autarquia recriada pelo tucano para assumir toda a parte administrativa da pasta de Educação, como contratos de obras, de merenda, de transporte. “Pode ser sim [que eu tenha indicado Fanini para a Fundepar]. Deve ter sido eu. Não sei se fui eu ou a Secretaria da Educação. Não me recordo”, respondeu o agora candidato a senador.
Os planos de recriação da Fundepar só foram interrompidos pela Operação Quadro Negro, deflagrada em meados de 2015, inclusive com a prisão de Fanini. “Todos reivindicavam a recriação, porque a Fundepar traria mais agilidade. Só na gestão Requião que [as missões da Fundepar] ficaram com a Sude, para fortalecer a pasta da Educação, que era do irmão dele [Maurício Requião]”, argumentou Beto Richa.
O tucano também disse às autoridades que não sabia descrever quais as atribuições de Fanini na cadeira de diretor na Sude. “Não tenho como saber quais eram todas as atribuições do Fanini. Eu sei que ali ocorriam as licitações, né? Mas não sei exatamente”, respondeu ele, acrescentando que não tinha o costume de indagar Fanini sobre andamento de obras nas escolas. “Nunca perguntei para ele sobre obras. Em eventos sociais, tinha que me desligar um pouco [do governo do Paraná]”, disse ele.
“Nunca ouvi reclamação de atraso em obras de escolas. Foi até uma surpresa. Um grande volume de irregularidades, e ninguém tinha falado nada. Não tem como saber, o volume de obras é muito grande. Só se sabe de fato quando a imprensa cobra, se o deputado bate, se o prefeito reclama. Quando não reclama, não fala nada, para mim está tudo bem”, disse Beto Richa aos membros do MP.
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Suposto alerta de prisão a Fanini
Beto Richa também negou que tenha alertado Fanini sobre a Operação Quadro Negro, deflagrada pelo Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), ligado à Polícia Civil. Na proposta de delação que fez ao MP, Fanini sustenta que foi orientado pelo então governador do Paraná a apagar provas antes da sua prisão. Em meados de 2015, Fanini chegou a ser preso temporariamente, mas foi liberado logo na sequência. Só voltou a ser detido, e de forma preventiva, quando a investigação saiu das mãos do Nurce e foi transferida para o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do MP.
Ainda sobre supostas interferências ilegais, os investigadores também perguntaram a Beto Richa sobre a mensagem de celular trocada na época entre a mulher de Fanini, Betina, e a então primeira-dama, Fernanda Richa. “Bê, bom dia, não fique brava comigo [Fernanda] ou com o Beto. Amamos vocês e vocês serão sempre nossos amigos. Estamos acompanhando e fazendo o possível”, leram os investigadores ao tucano, reproduzindo conteúdo interceptado pelas investigações.
“Ela sempre foi muito solidária com pessoas com dificuldade. Ela foi usada aqui. Minha mulher sempre foi muito religiosa e sempre estendeu a mão para quem tivesse dificuldade. Mas não fez nada, não interferiu. É uma mensagem de apoio”, justificou Beto Richa, sobre o diálogo.
Ainda em 2015, Fanini foi exonerado do governo do Paraná, na esteira do escândalo. “[Após a exoneração], ele me procurou. Ele foi até minha casa. Eu evitei recebê-lo. Ele só dizia ‘errei, errei’. Eu falei que ele traiu minha confiança. E foi só”, contou o tucano aos investigadores.
Perguntas sobre viagens e imóvel
No depoimento ao MP, o ex-governador do Paraná também foi questionado sobre o patrimônio de Fanini. Os investigadores buscavam saber se Beto Richa não desconfiava das compras e viagens de Fanini, já que, nas palavras do próprio tucano, ele se mantinha com uma “remuneração baixa”. “Mas as viagens não são caras. Eu pessoalmente não faço viagens caras. Não precisa ser rico para fazer viagem. A mulher dele também trabalhava, tinha um consultório de fonoaudiologia, se não me engano. O pai dele era construtor”, respondeu o candidato ao Senado.
Beto Richa também falou sobre as duas viagens ao exterior feitas com Fanini e outras pessoas, no ano de 2014. Logo no começo da apuração, quando a Operação Quadro Negro ainda não tinha ganhado toda a densidade atual, as fotos dos passeios serviram para que os investigadores comprovassem a relação pessoal entre os dois.
“Eu sei que tem aí fotos de viagens divulgadas pela imprensa. [As viagens] Não foram organizadas por mim. Seis ou sete famílias que foram na viagem. Quem quis ir, foi. Não fui eu que o convidei. Até por seu relacionamento antissocial, não queriam nem que ele fosse. Ele insistiu para ir, e acabou se enfiando na viagem, e foi”, relatou Beto Richa.
O tucano também admitiu que soube do imóvel comprado por Fanini, mas que também não estranhou a compra: “Ele se apressou em me dizer que era um apartamento financiado em longuíssimo prazo. Estive uma vez lá”. Ao MP, Beto Richa também negou que tenha recebido dinheiro ou presente de Fanini. “Nunca me deu presente. Me deu dois tênis, para jogar tênis. E acho que uma raquete”, resumiu ele.
Na proposta de delação, Fanini também revelou que, no ano de 2013, entregou R$ 500 mil para Luiz Abi Antoun, primo de Beto Richa e figura presente em outros escândalos. O dinheiro, teria dito Abi a Fanini, serviria para a compra de um apartamento à família Richa. “Jamais. Impossível. Uma invenção”, respondeu o tucano, no depoimento ao MP.
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Beto Richa também negou que o desvio de dinheiro na Secretaria da Educação tenha abastecido caixa 2 de campanha eleitoral e que tivesse pedido para Fanini providenciar uma academia na Granja do Canguiri, residência oficial do governo do Paraná. “Não me recordo disso. Tem uns aparelhos de ginástica lá, que são da Casa Militar, e outros que são meus. Não construímos nada. Tem uma porcariada lá”, resumiu ele.
O depoimento durou cerca de uma hora e foi prestado ao MP, no primeiro semestre deste ano, no âmbito de um inquérito civil da Operação Quadro Negro. A investigação gerou, recentemente, uma ação civil pública contra Beto Richa e outras 12 pessoas. Desde 2015 até aqui, o Gaeco, responsável pela apuração criminal da Operação Quadro Negro, já ofereceu denúncias sobre o caso à Justiça Estadual, mas Beto Richa ainda não figura entre os denunciados.
Outro lado
Quando vieram à tona as informações de Fanini, a defesa de Beto Richa distribuiu uma nota rejeitando os relatos do candidato a delator: “As declarações do réu confesso Maurício Fanini são totalmente inverídicas, em suas referências ao ex-governador do Paraná Beto Richa e à sua esposa Fernanda Richa, e não acrescenta qualquer novidade ao caso. Desde setembro de 2017, Fanini vem tentando obter os benefícios de uma delação, construindo versões mentirosas e que mudam a cada depoimento. Trata-se, apenas, de mais uma vã tentativa de transferir a responsabilidade pelos crimes por ele próprio praticados e já confessados”.
A defesa de Luiz Abi Antoun também já havia classificado de “mentirosas” as falas de Fanini. Disse que “o único objetivo de Fanini é firmar um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, envolvendo o máximo de pessoas próximas ao ex-governador do Paraná Beto Richa”. Disse ainda que Fanini “tenta se isentar da responsabilidade dos crimes que ele cometeu”.
A Gazeta do Povo não conseguiu contato com a defesa de Fanini, na noite desta quarta-feira (3).
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