Uma das servidoras do governo do Paraná implicadas nas investigações da Operação Quadro Negro, Marilane Aparecida Fermino da Silva, negou que tenha recebido propina e que tenha interferido no processo de liberação de pagamentos a construtoras envolvidas no esquema. A funcionária, hoje lotada na Secretária de Estado de Administração e Previdência (Seap), se manifestou por meio de seu advogado, Norberto Bonamim. É a primeira vez que Marilane dá sua versão sobre as acusações.
Marilane é ré em uma ação civil pública por improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR). Ela atuava na Superintendência de Estado da Educação (Sude), vinculada à Secretaria Estadual da Educação (Seed), e, segundo as investigações, teria dado andamento aos processos de autorização de pagamento às construtoras. Como o pagamento era feito de acordo com o andamento das obras, segundo o MP-PR, o dinheiro era liberado a partir de medições falsas, que atestavam que as obras estariam em estágio bem mais avançado do que efetivamente estavam.
“Ela era só uma funcionária que recebia ordens. Ela não tinha uma função de chefia ou de gestão. Os documentos vinham assinados por engenheiros. Ela não tinha como analisar ou contestar o que estava apontado nesses documentos”, disse o advogado. “São centenas de documentos que passavam pelas mãos dela. Se veio errado ou se houve má fé, não foi da parte dela”, completou.
Propinas
A servidora é mencionada em delação premiada firmada pelo dono da Valor Construtora, Eduardo Lopes de Souza. O empresário se refere a ela com certa intimidade – a chama de Mari – e relata o pagamento recorrente de propina diretamente a então funcionária da Sude. De acordo com Lopes de Souza, os pagamentos começaram em 2013, “cerca de quarenta dias após conhecê-la”. O dinheiro era entregue em uma rua perto de uma lanchonete, no bairro Santa Quitéria, e em uma casa na Rua Conselheiro Laurindo, ambas em Curitiba. Além disso, uma amiga de Marilane teria retirado a propina na sede da Valor.
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“No total, eu entreguei quase R$ 200 mil para a Mari. Numa única vez, eu levei R$ 90 mil para ela, logo após eu receber o aditivo [de contrato] do Colégio Amâncio Moro. Ela ajudou a destravar a liberação do aditivo que estava parado há vários meses. Ela disse que esse dinheiro tinha a ver com a quitação do apartamento dela, alguma coisa assim”, consta da delação de Lopes de Souza.
O advogado da servidora disse que ela nega veementemente as acusações de ter recebido propina. Segundo Bonamim, para comprovar a inocência em relação a essa denúncia, Marilane vai disponibilizar seus dados bancários à Justiça. “Ela nega todos esses fatos e é estranhíssimo que ela tenha sido mencionada nessa delação. Ela não tinha condições de fazer essa intervenção, porque esses pagamentos já vinham com autorização. Ela só dava prosseguimento”, disse.
Família Barros
A servidora também nega que mantivesse qualquer contato com a família Barros. O delator afirma ter negociado a compra de um cargo na Vice-Governadoria do Estado – gabinete da vice-governadora Cida Borghetti Barros (PP) – que foi ocupado por Marilane. De acordo com Lopes de Souza, o salário era de cerca de R$ 15 mil, valor que era devolvido pelo delator ao irmão de Cida, o ex-vereador Juliano Borghetti. A colaboração premiada descreve a atuação direta do hoje ministro da Saúde, Ricardo Barros, marido de Cida.
“Ela não tem nem nunca teve qualquer contato [com a família Barros]. Até porque Marilane é funcionária de carreira e está sujeita a transferências”, disse o advogado.
Na Seap
Apesar das denúncias, Marilane continua trabalhando normalmente. No início de outubro, ela foi remanejada na própria Seap, onde ocupa uma função de gestão pública, na Divisão de Recrutamento e Seleção de Recursos Humanos (DSRH). A Seap classificou a transferência da servidora como mera “movimentação administrativa”. Mesmo envolvida no esquema de corrupção, a servidora não responde a nenhum processo administrativo no âmbito do governo do Paraná.
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Por outro lado, na vida pessoal, a servidora passou por “momentos terríveis”. Pouco depois da delação de Lopes de Souza ter vindo à tona, a mãe de Marilane faleceu e ela teve que reforçar os cuidados com seu filho adolescente. “Ela é uma pessoa de bem que nunca se viu em uma delegacia e, de repente, teve seu nome envolvido nisso... É claro que ela está abalada. Precisou ser afastada por motivos médicos, psiquiatra, teve o falecimento da mãe. Teve um impacto imenso sobre a família. Mas ela tem certeza de sua inocência”, afirmou Bonamim.
Outro lado
Na ocasião da delação, a família barrou negou que tenha havido acordo de compra de cargo com o empresário Eduardo Lopes de Souza. Juliano Borghetti afirmou que recebeu dinheiro da construtora, como pagamento por serviços prestados à construtora pelo período de três meses. Barros disse ainda que a Quadro Negro virou ação na Justiça há mais de um ano e que nunca tinha havido menção ao seu nome.
A Quadro Negro
Deflagrada em 2015, a Operação Quadro Negro apura um esquema de desvio de dinheiro público de obras de reforma e construção de escolas estaduais do Paraná. As investigações do Ministério Público (MP-PR) estimam que o núcleo de corrupção tenha causado um prejuízo superior a R$ 20 milhões aos cofres públicos. O rombo seria ainda maior: segundo a delação de Eduardo Lopes de Souza, o objetivo seria arrecadar R$ 32 milhões à campanha de reeleição do governador Beto Richa (PSDB). O delator também relata pagamento de propina a outros agentes políticos, como o presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSDB), o secretário Valdir Rossoni (PSDB) e o deputado estadual Plauto Miró (DEM). Todos negam as irregularidades.
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