Depois de 23 anos ininterruptos, Beto Richa se despede da Avenida Cândido de Abreu, núcleo do poder do Paraná. Ele anunciou que deixa o governo do estado na próxima sexta-feira (6) para concorrer ao Senado, um passo natural dentro de sua carreira política, que teve início em 1995, como deputado estadual.
Depois da Assembleia Legislativa, onde ficou por dois mandatos, Richa ocupou o gabinete de vice-prefeito na segunda gestão de Cassio Taniguchi (2001-2004). Em seguida foi eleito e reeleito (2008) para comandar o Executivo Municipal. Contrariando o famoso mote “Fica, Beto”, renunciou ao cargo em 2010, dois anos do término de seu segundo mandato, para concorrer e ganhar a eleição para governador naquele ano, sendo reeleito em 2014 – ambas as vezes, venceu no primeiro turno.
A intenção de bater ponto em outro endereço, porém, não encerra a influência de Richa na política local, ao contrário. Antes de deixar o Palácio Iguaçu, encaminhou um belo acordo com o PP da vice-governadora Cida Borghetti, a qual assume o posto do tucano com o objetivo de conseguir a reeleição no pleito de outubro. O deputado federal Ricardo Barros, marido dela e chefe do clã familiar, é tesoureiro do PP, o que indica que Richa pode ser beneficiado na campanha com recursos também desse partido, além daquilo que angariar no PSDB.
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Richa também construiu boas relações com outro pré-candidato ao governo do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), que foi secretário estadual de Desenvolvimento Urbano por quase dois anos. Ainda que o tucano tenha jogado um balde de água fria em uma eventual aliança entre os dois – ao transferir o cargo para Cida, a repassou também o comando da máquina pública em ano eleitoral –, ainda é cedo para apostar em uma ruptura definitiva entre o grupo de Richa e o de Ratinho.
Por outro lado, uma aproximação com Osmar Dias (PDT) parece mais difícil neste momento. “Nunca pretendi ter o apoio do Beto. Vou fazer campanha mostrando que dá para fazer melhor”, declarou na terça-feira (27).
Mas, em fevereiro, quando a força-tarefa da Lava Jato deflagrou uma operação para investigar o pedágio no Paraná, levando o então diretor-geral do Departamento de Estradas e Rodagem Nelson Leal Junior (DER) à prisão, Osmar Dias preferiu a cautela e evitou fazer acusações ao governo estadual. Leal Junior ocupou cargos de comissão em gestões de Richa desde que este foi vice-prefeito. O único pré-candidato ao governo estadual que faz oposição firme ao tucano é o senador Roberto Requião (PMDB), que ainda não tem garantias de concorrer pela legenda.
Richa também continua exercendo autoridade no Palácio 29 de Março. Com a vitória de Rafael Greca (PMN), que tem o tucano Eduardo Pimentel como vice, o governador passou a liberar diversos investimentos e anunciar várias obras para Curitiba, algo inexistente durante a gestão de Gustavo Fruet (PDT), entre 2013 e 2016.
Na Assembleia Legislativa, o PSDB tem atualmente oito deputados, a segunda maior da Casa, mas a base de Richa foi ampla, garantindo em torno de 30 do total de 54 votos para aprovar as propostas mais polêmicas.
Popularidade
Se o apelo de Richa continua forte nas rodas políticas do Paraná, não se pode dizer o mesmo em relação ao eleitorado paranaense. A imagem dele ficou bastante arranhada após os sucessivos ajustes fiscais no segundo mandato e a chamada “batalha do Centro Cívico”, em abril de 2015, na qual policiais usaram bombas e tiros de borracha contra professores, deixando muitos feridos.
Em setembro de 2017, um ano antes da próxima eleição, o instituto Paraná Pesquisas mostrava Richa com desaprovação de 58,3% – e 37,8% de aprovação. No fim de 2009, ano anterior ao da eleição para governador, a situação era bem diferente. Um levantamento feito pelo Datafolha mostrava aprovação de 84% a Richa, então prefeito de Curitiba – foi o melhor colocado no ranking de prefeitos. Ainda que as pesquisas não sejam idênticas e não possam ser comparadas, elas ajudam a entender o humor político de diferentes épocas.
Tarifa de ônibus
O tucano, aliás, se valeu de uma medida bastante popular para pavimentar sua primeira vitória para o Executivo municipal. No fim de janeiro de 2004, o então prefeito, Taniguchi, aumentou a tarifa de ônibus de R$ 1,65 para R$ 1,90, e viajou em seguida. Richa, como vice-prefeito, assumiu o comando e cancelou o reajuste. A Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), subordinada ao comando do então governador Requião, também entrou na briga, exigindo análises na planilha de custos. Taniguchi, já de volta, suspendeu a integração do transporte público na Região Metropolitana de Curitiba e estipulou a tarifa em R$ 1,70. Entretanto, as amarras do contrato levaram a passagem para R$ 1,90 mesmo e garantiram o retorno da integração.
Mesmo como vice-prefeito, durante a campanha eleitoral Richa buscou se descolar de Taniguchi e se colocar como oposição. A disputa não era fácil: foram 12 candidatos a prefeito em 2004, um recorde em Curitiba. O tucano, porém, tinha no currículo a canetada que tentou reduzir a tarifa em R$ 0,25.
No primeiro turno, Beto Richa fez 329,4 mil votos, contra 292,9 mil de Angelo Vanhoni (PT). No segundo turno, confirmou a vitória, por 494,4 mil votos (54,8%) contra 408,1 mil (45,2%) do petista. Ao assumir, tentou cumprir o prometido: reduziu em 50% o preço da passagem, mas somente aos domingos. Para os dias úteis, Richa congelou o valor por 90 dias. No fim de junho, após muitos estudos e corte de despesas em outras áreas, bancou a redução de R$ 0,10, fixando a tarifa em R$ 1,80.
Em janeiro de 2007, Richa lançou aquilo que pretendia ser a maior intervenção urbana em Curitiba, a Linha Verde. A promessa de transformar o antigo trecho urbano da BR-116 em uma avenida até se concretizou, com atraso, mas não a ponto de melhorar a vida de motoristas e passageiros de ônibus – as dezenas de semáforos ao longo da via impedem o fluxo e causam congestionamentos.
Mas, em 2008, a Linha Verde ainda era uma boa promessa. Richa buscou a reeleição em um momento bastante favorável: o crescimento econômico do Brasil durante o segundo mandato de Lula contribuiu para as finanças municipais, e vários prefeitos estavam bem avaliados – o tucano como destaque, com 79% de aprovação, segundo pesquisa Datafolha da época.
Reportagem da Gazeta do Povo de agosto registrou que Richa tinha cumprido 40% das promessas de campanha integralmente e 36% parcialmente – na época, a prefeitura afirmou ter cumprido 90% do total. O melhor índice foi em Ação Social, com 100% das metas cumpridas – área sempre delegada à primeira-dama, Fernanda Richa.
O mote da campanha era um “Fica, Beto”, visível em milhares de adesivos nos carros da cidade. A popularidade de Richa era tamanha que ele compareceu para votar pilotando sua Harley-Davidson – algo impensável para um político atualmente. Ele venceu fácil a disputa, com 77,3% dos votos válidos, um recorde na capital dos pinheirais. Gleisi Hoffmann ficou em segundo, com 18%, e Carlos Moreira Jr. (PMDB), em terceiro (1,9%).
Palácio Iguaçu
A alta aprovação cacifou Richa para concorrer ao Palácio Iguaçu. Ele teve que renunciar ao cargo de prefeito em março de 2010, 21 meses antes do fim do segundo mandato. Os adversários o confrontavam com o mote da campanha “Fica, Beto” e criticavam a decisão. Mas o apoio era grande: em 30 de março daquele ano, a sessão na Câmara Municipal foi suspensa por falta de quórum, já que grande parte dos vereadores foi acompanhar Richa em um almoço de despedida no Restaurante Madalosso. Deputados estaduais e lideranças nacionais do PSDB também estiveram presentes.
Em uma disputa eleitoral polarizada, Richa bateu Osmar Dias (PDT) ainda no primeiro turno, por 52,4% contra 45,6% dos votos. O primeiro mandato do tucano no governo foi marcado por uma benevolência com o funcionalismo público, com contratações de professores e policiais, pagamento de atrasados e novos planos de cargos e salários para várias categorias.
O gasto público crescente, incentivado durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, também foi palavra de ordem no Palácio Iguaçu. Entre 2010 e 2014, o Paraná foi o estado com maior crescimento da Receita Corrente Líquida (RCL), com 56%, mas o descontrole também elevou os desembolsos – proporcionalmente, não foi a folha de pagamento que mais pesou, mas sim o item “outras despesas correntes”.
Em 2014, Richa foi reeleito governador, e mais uma vez, no primeiro turno. Fez 55,7% dos votos, contra 27,6% de Requião e 14,9% de Gleisi. Ele teve o apoio de 17 partidos, em uma das maiores chapas já constituídas no Paraná. Mas, com o prenúncio de crise no caixa estadual, decidiu colocar seu capital político à prova. Em dezembro daquele ano, a Assembleia Legislativa votou vários itens de um grande programa de ajuste fiscal, que foi renovado diversas vezes ao longo do segundo mandato. Entre as medidas mais duras estavam o aumento do IPVA e de ICMS de centenas de produtos, fato que impactou diretamente no bolso dos paranaenses e que ajudou o governo a arrecadar mais receitas.
Com Mauro Ricardo Costa no comando da Secretaria da Fazenda, novos cortes de despesas foram feitos, ao mesmo tempo em que o governo buscava outras formas de arrecadação. O alvo principal foi o funcionalismo público, afetado principalmente com mudanças no Paranaprevidência em 2015. Dois anos depois, cálculos feitos pelo especialista na área Renato Follador, um dos criadores do sistema estadual, apontaram para um prejuízo de R$ 3,8 bilhões no patrimônio do fundo, com o fim de aportes bancados pelo governo.
Investigações
Com o governo federal em crise, o Paraná garantiu outros meios de economizar recursos. O presidente Michel Temer (PMDB), acuado durante quase todo o período na Presidência, alongou o prazo para pagamento de dívidas que os estados tinham com a União e melhorou outras condições. O ponto principal, porém, foi elevar a arrecadação, pelo aumento de impostos.
Isso possibilitou a Richa anunciar investimentos em infraestrutura, em uma agenda positiva na qual vem apostando nos últimos meses. Não é algo fácil: no segundo mandato, diversas denúncias de corrupção e desvios atingiram pessoas próximas ao governador ou revelaram fraudes milionárias para o estado.
Em três investigações diferentes, delatores afirmaram que a campanha do tucano foi abastecida com caixa 2. As revelações foram feitas por representantes da Odebrecht para a força-tarefa da Lava Jato; pelo empresário Eduardo Lopes de Souza, dono da construtora Valor, na Operação Quadro Negro, que investiga desvios milionários de obras em escolas; e por um auditor fiscal na Operação Publicano, que apura um esquema de corrupção articulado a partir da Receita Estadual.
O tucano nega todas as acusações. Há pelo menos três inquéritos e uma ação penal contra o governador em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que agora podem ser encaminhados ao primeiro grau, com a perda de foro de Richa.
Também há inquéritos criminais no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar envolvimento de autoridades com foro privilegiado no caso Quadro Negro. Pelas investigações do Ministério Público, esse esquema pode ter causado um prejuízo superior a R$ 20 milhões aos cofres públicos – além de ter deixado obras de escolas em ruínas, que ainda não foram retomadas, uma imagem com potencial de dano ao governador.
Mas os trâmites burocráticos com a mudança de jurisdição e os tempos processuais, porém, o favorecem. Caso seja eleito senador, ele passará a ter foro no Supremo Tribunal Federal (STF), pela legislação atual. Há duas cadeiras em disputa nesta eleição, e os aliados dão como certa mais uma vitória de Carlos Alberto Richa, londrinense de 53 anos que entrou na política contrariando a vontade do pai, o ex-governador José Richa.
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