“Era o [Roberto] Requião fazendo aquele show dele. Ele andava de um lado para o outro com uma pilha de papéis. Aí, nos debates, mostrava: ‘essa aqui é a ficha corrida do vice de Osmar [Dias]’”, se diverte uma fonte ligada à campanha eleitoral de 2006 ao governo do estado. Há 11 anos, um então pouco conhecido Osmar Dias tentava chegar pela primeira vez a um cargo de gestão direta. Embora senador e secretário estadual da Agricultura por 8 anos, ele não era nome fácil na boca do eleitor há poucos meses antes da votação. Ao contrário de seu oponente. Requião [PMDB] era o governador do Paraná. Bem a seu estilo, usou o episódio do vice de Osmar, Derli Donin, para resgatar alguns votos. Ex-prefeito de Toledo, Donin tinha um histórico tão limpo quanto pau de galinheiro: eram oito processos administrativos e dois criminais. Algumas escolhas têm um gosto amargo. Em questão se semanas, Osmar acompanhava a apuração da eleição cercado de assessores e coordenadores de campanha em sua chácara, em Quatro Barras. Com quase 99% das urnas apuradas, seu assento estava praticamente garantido no Palácio Iguaçu. Mas aquele 1%... Osmar encarou o revés com um toque de crueldade: perdeu por uma diferença de pouco mais de 10 mil votos – um nada em um universo de quase 7 milhões de eleitores. O homem de pedra foi às lágrimas.
Não só a vitória tem vários pais. Às vezes, a derrota também. E Donin imprimiu bem seus genes nessa cria. “Mas jogar o cara aos leões não era uma coisa que combinava com o Osmar. Outro político iria querer salvar sua pele. Ele não é desse tipo”, descreve Cila Schulman, sua marqueteira nesta eleição. Com Osmar, lealdade é lealdade.
Mais de uma década passada, Osmar, aos 65, parece ter cicatrizado a ferida da frustração. Em seu escritório sem requintes no Alto da Glória, bem perto do Colégio Estadual, conta com uma equipe até aqui modesta para sua terceira tentativa de assumir o Executivo estadual. Somente ele, o coordenador Celso Silva e dois outros funcionários arrumam a casa para uma disputa que se desenha acirrada, muito embora ainda na fase embrionária. Ratinho Jr. (PSD) e Cida Borghetti (PP) são seu páreo por hora. Dos três, Osmar é o que tem mais cancha. Está na vida pública há quase três décadas. “Nós não temos um clima de opinião eleitoral bem definido. Isso teremos em torno de junho, julho. Mas, hoje, olhando as alternativas, observo que o Osmar é um aspirante em potencial, muito em razão por ser um político que não está muito exposto na mídia na questão de escândalos políticos”, diz o cientista político Doacir Quadros, professor da Uninter.
Hoje, Osmar parece mais leve do que o político do início de sua carreira. Barba bem aparada, fala calma e pausada. É bem verdade que seu sorriso usa uma angulação mínima de abertura da boca, mas o jeito sisudo, que lhe rendeu o apelido de Urtigão e que faz parte do imaginário popular, ele garante, não existe. “Não sou de ficar dando risada”, diz. Quem trabalhou com ele, também. “É que ele assume a idade que tem. Aquela barba branca o deixa mais carrancudo. Mas não é um cara que seja grosseiro. É um cara que conta piada. Na relação profissional é um bem humorado”, diz Débora Iankilevich, ex-assessora em diversas campanhas. “Ele tem esse jeito mais porque é um sujeito sério, estudioso das coisas”, relembra Cila.
Desta vez, Osmar parece ter corrigido parte de uma falha crônica que o prejudicou nas duas eleições a que concorreu – e perdeu – ao governo do estado, em 2006 e 2010. Anunciou sua pré-candidatura ainda em novembro do ano passado, quase dois anos antes do pleito, e não na véspera do prazo final, como anteriormente fizera.
Se a decisão de se oferecer ao cargo foi rápida, ele não dá sinais de que pretenda fazer o mesmo com suas alianças. Muita gente parece interessada em entrar neste barco. Ou fazê-lo trocar de iate. “Todos os convites são importantes e honram o político quando ele é convidado. Eu estou no PDT há 16 anos e não vejo razão para deixa-lo. Não há necessidade de nenhuma precipitação nesse momento”, diz. E, de fato, há um caminho até abril, prazo final de definição das coligações. Um destes convites é o do irmão Alvaro Dias, que recém-lançou um partido político, o Podemos, e parece querer fazer uma dobradinha fraternal – Alvaro pretende concorrer à Presidência da República. Ele não descarta o apoio. Mas, há um tempo, Osmar parece muito mais disposto a caminhar com as próprias pernas. Cansou de ser apenas o outro irmão.
A gente sofreu muito politicamente quando aconteceu essa questão com o vice [Derli Donin, em 2006] porque uma parte da campanha queria substitui-lo imediatamente e outra parte queria salvá-lo. E essa indefinição atrapalhou mais do que o próprio vice. O Osmar é muito leal e muito correto. Para ele, jogar o cara aos leões não era uma coisa que combinava. Outro político iria querer salvar sua pele. Ele não é desse tipo. De um lado isso é muito bacana, mas, do outro, atrapalha
A família era grande demais para Quatá, no interior de São Paulo, onde os 12 irmãos Dias e seus pais viviam até a década de 1950. Em 1938, o pai havia desbravado algumas terras ao sul, no estado vizinho. Adquiriu terrenos, loteou e vendeu. Ele praticamente abriu caminho no meio do mato para o que, anos depois, viria a se tornar a promissora Maringá (a cidade foi fundada em 1947). Em 1954, toda a família partiu para lá. Com dinheiro, os Dias investiram em plantações de café, o que levou boa parte dos irmãos a escolher a agronomia como profissão definitiva.
Alvaro era a exceção. A família tinha outros planos para o filho mais velho. Na juventude, ele foi estudar no seminário, algo que era comum para as famílias abastadas da época. “Nessa época, para muitas famílias do interior com grana, o filho mais velho é que tem prioridade. É ele que vai estudar fora, que tem mais direitos. É que você não sabia se os mais novos iriam viver”, conta uma fonte que esteve próxima a Osmar durante uma das campanhas estaduais. Se a relação entre Alvaro e Osmar não era tão próxima pela questão de idade, uma diferença de oito anos, se distanciou neste período. “Não dá para dizer que eram irmãos amiguinhos. Quando o Alvaro tinha 18 anos, o Osmar era um menininho de 11, 12 anos. Um já estava indo para o seminário e outro era um guri estudando em Maringá”, comenta outra fonte na condição de anonimato.
Foi Alvaro que trilhou o caminho político para os irmãos Dias, logo cedo. A carreira de radialista o impulsionou ao primeiro mandato de vereador, em Londrina. Osmar deve muito de seu impulso inicial a ele. Graças a Alvaro, o irmão mais novo – até então engenheiro agrônomo, professor e reitor de universidade –, logo passou a se interessar pela política. Coordenou algumas campanhas do irmão até que assumiu a função de presidente da Companhia Agropecuária de Fomento Econômico do Estado do Paraná, no governo José Richa. Depois, quando Alvaro chefiou o Executivo estadual, foi chamado para ser secretário da Agricultura. Sua aproximação com o agronegócio, que já era próxima, se estreitou.
Ao mesmo tempo em que o irmão deu um impulso a sua trajetória, o encobria, de certa forma. “Do segundo mandato na secretaria da Agricultura ele saiu direto para ser candidato ao Senado e se elegeu [em 1994]. Talvez nessa época tenha começado alguma divergência. Porque ele [Osmar] começou a aparecer. Mas são mais divergências de postura do que briga. Nunca vi os dois brigarem”, relata uma fonte próxima aos irmãos. “[Em 2006] O Alvaro não aparecia na campanha e isso deixou o Osmar muito magoado. No final, ele gravou para o horário eleitoral, mas não que ele estivesse lá todo dia. Até porque ele estava na campanha dele para senador e não queria se meter nessa confusão”, diz uma das fontes.
Ainda que próximos por laços de sangue e distantes por ideologia, os irmãos faziam valer a ferro e fogo o acordo familiar de não disputarem o mesmo cargo. “Isso não envolve somente os dois. É um consenso familiar ali. Em 2014 o Osmar poderia ter sido novamente candidato ao governo, mas aí a família se reuniu e o Alvaro firmou com ele o compromisso de que ele seria candidato ao Senado com o compromisso de apoiar o Osmar para o cargo que ele decidisse. Osmar não disputou nada em 2014 para ser candidato agora”, diz uma das fontes.
Alvaro está um passo à frente neste acordo. “O que se observa são dois perfis diferentes. O Alvaro tem uma capacidade grande de articulação. No Legislativo, ele articula com as bancadas, ele tem essa capacidade de negociação. O Osmar passa o perfil do gestor, no sentido do burocrata, aquele que toma a decisão pautada no seu conhecimento”, analisa Doacir Quadros. Mas o saldo tem sido positivo para os dois. “Sempre houve articulação da família Dias e isso tem sido positivo para o sucesso político deles. Se observar os políticos da década de 1980, os Dias se colocam como sendo das famílias tradicionais que mantêm um potencial político eleitoral tanto para cargo executivo quanto legislativo”, diz.
Se no ambiente familiar Osmar parece amarrar bem seus contratos, fora dele, apanha. Talvez o traquejo de articulação que sobre ao irmão mais velho, falte ao mais jovem. “Quando ele decidiu se candidatar em 2006, foi em cima da hora. Se foi culpa dele ou não, eu não sei. Mas isso dificultou encontrar apoio. Quando você sai na frente, tem mais chances”, relembra a marqueteira Cila Schulman. “Quando eu cheguei, o Requião estava praticamente reeleito, não tinha para ninguém. O Requião tinha uma aprovação muito alta e uma taxa de rejeição baixa. Talvez por isso, e pela demora, os apoios [a Osmar] vieram mais vagarosamente que as decisões dele. Claro, todo mundo quer estar em uma campanha vencedora. E o Requião era uma figura que se impunha. Havia um clima de terror entre os empresários. Eles ficaram muito reticentes em apoiar o Osmar. Com isso, foi a campanha mais solitária que eu fiz no Paraná, diz Cila.
“Era muito difícil trazer as pessoas para gravar. O Osmar andava muito sozinho no começo. Nenhuma figura muito importante, com mandato, veio para o lado dele. Quem apoiava ele era o agronegócio. No interior do Paraná isso é importante, mas na capital havia pouquíssimo apoio”, destaca a marqueteira.
O fato é que a demora o prejudicou. “Prejudica porque uma campanha tem que estar na rua o quanto antes. O candidato tem que formar sua imagem, sua visibilidade. Quanto mais adia isso, a possibilidade de adesão fica mais restrita. E não em relação ao eleitor comum, apenas. As próprias lideranças políticas ao observar que o candidato está hesitando em sair ficam em dúvida. É possível apoiar um candidato que até então reluta?”, avalia Doacir Quadros.
Sempre houve articulação da família Dias e isso tem sido positivo para o sucesso político deles. Se observar os políticos da década de 1980, os Dias se colocam como sendo das famílias tradicionais que mantêm um potencial político eleitoral tanto para cargo Executivo quanto Legislativo
A indecisão foi fator fundamental no caso envolvendo seu vice. “Gente, aquilo ali foi uma escolha... Mas acho que foi um pouco por falta de alternativa também. A gente sofreu muito politicamente quando aconteceu essa questão com o vice porque uma parte da campanha queria substitui-lo imediatamente e outra parte queria salvá-lo. E essa indefinição atrapalhou mais do que o próprio vice. O Osmar é muito leal e muito correto. Para ele, jogar o cara aos leões não era uma coisa que combinava. outro político iria querer salvar sua pele. Ele não é desse tipo. De um lado isso é muito bacana, mas, do outro, atrapalha”, relembra Cila Schulman.
Foi ali que Osmar começou a ganhar uma alcunha de indeciso que o irrita. Mas que, ainda assim, o acompanhou anos a fio.
A lealdade com seu vice em 2006 foi a que faltou a seus apoiadores em 2010, sua segunda tentativa ao Executivo estadual. Nos bastidores, diz-se que havia um compromisso de Beto Richa seguir na prefeitura da capital e seu PSDB apoiar Osmar. “O Beto roeu a corda no meio do caminho e decidiu ser candidato. Ao Osmar não cabia outra alternativa se não concorrer contra ele”, diz uma fonte. Aquilo pegou de surpresa. “Muita gente disse que eu fiquei indeciso em 2010. Eu não fiquei indeciso. Eu tinha tomado a decisão de concorrer ao governo com apoio do PSDB. Houve o rompimento de um acordo comigo”. Pior. Na época, Alvaro estava no PSDB e era vice de José Serra para a presidência. “Eu fui até a convenção do PMDB e do PT e disse: não sou candidato porque o Alvaro está concorrendo à vice-presidente. Isso no dia 30 de junho [de 2010]. No dia 2 de julho, veio a notícia de que o Alvaro tinha deixado a vice. Aí eu já poderia ser candidato. Caiu o impedimento, que era eu disputar em uma chapa contrária a de meu irmão. Eu paguei o preço por ser leal ao Alvaro”, diz Osmar.
“A candidatura demorou porque o Osmar queria fazer uma aliança forte com o PMDB. Só que metade do PMDB roeu a corda de novo. Alexandre Curi, Luiz Cláudio Romanelli e outros do PMDB com bases fortes no interior não assumiram a candidatura do Osmar. O PT assumiu da boca para fora. Porque os deputados e candidatos a deputado não trabalharam para ele, com algumas exceções”, relembra uma das fontes. O jogo estava perdido. Beto Richa faturou fácil aquela corrida.
Eu fui até a convenção do PMDB e do PT [em 2010] e disse: não sou candidato porque o Alvaro está concorrendo à vice-presidência. Isso no dia 30 de junho. No dia 2 de julho veio a notícia de que o Alvaro tinha deixado de ser vice. Aí eu já poderia ser candidato. Caiu o impedimento, que era eu disputar em uma chapa contrária a de meu irmão. Eu paguei o preço por ser leal ao Alvaro. Pago até hoje, pois sou taxado de indeciso.
Diferentemente de 2006 e 2010, Osmar encontra um novo cenário em sua nova tentativa de chegar ao Executivo estadual. Ainda que afastado de cargos eletivos desde 2012, período no qual esteve em um cargo diretivo no Banco do Brasil, ele parece despontar como um protagonista fácil deste pleito. “A própria tradição dos Dias no estado do Paraná é muito forte. Eles possuem uma história na política paranaense que garante a eles um eleitorado assíduo sobretudo no interior. Eles tem lideranças políticas muito fortes que podem transferir o voto para eles”, avalia Doacir Quadros.
Neste cenário em que o eleitorado parece desesperançoso com a política tradicional, ele ainda tem espaço, segundo o cientista político. “O novo seria justamente o fato de o Osmar não ter ocupado um cargo de gestão direta. Aí seria a novidade. O novo vai ao encontro dessa percepção de critério moral e ético. Ao mesmo em tempo que o eleitor quer o novo, ele exige a experiência”.
Mas, para se garantir, Osmar precisará explicar manchas recentes em sua trajetória. Em abril, um executivo da Odebrecht disse ter repassado dinheiro ilícito para o PDT, via Carlos Lupi e Osmar Dias. O repasse teria sido feito nas eleições de 2010 e 2014. “Eu fui muito injustiçado. Eu nunca falei com ninguém da Odebrecht e nunca vi esse cidadão [Fernando Reis, o delator] na minha frente”, diz Osmar, puxando um conjunto de planilhas de sua pasta, supostamente as de repasse da Odebrecht. Não há valores ligados a seu nome. “O cara diz que eu perdi por 8 a 10 mil votos em 2010. Eu perdi por isso em 2006. Diz que não sabe se foi primeiro ou segundo turno. Em 2010 não teve segundo turno”, se defende.
Além disso, restará a Osmar decidir se continuará leal a Alvaro. Caso não se alinhe ao Podemos e permaneça no PDT, Osmar não subirá ao palanque contra o irmão, que disputará a presidência com Ciro Gomes, de seu partido. Há também as constantes chamadas do PSB, fiel a Beto Richa. Seja qual for o lado, a escolha deve tirar o sono de Osmar, que desta vez precisa de um exército realmente forte. E, de preferência, sem desertores.