Há 30 anos a cavalaria da Polícia Militar (PM) do Paraná usava cassetetes e cães para reprimir uma manifestação de professores por melhores salários e condições de trabalho na Praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico de Curitiba. A repressão deixou pelo menos dez pessoas feridas e ficou ligada à trajetória política do senador e presidenciável Alvaro Dias (Podemos), à época governador do Paraná pelo PMDB.
Em entrevista concedida à rádio Jovem Pan de São Paulo, Alvaro chamou de “fake news”, “mentira” e “factoide” o episódio de 30 de agosto de 1988. Quando o entrevistador Marco Antonio Villa interpelou Alvaro afirmando que o episódio havia virado até data histórica no Paraná, com manifestações periódicas para lembrar o acontecido, o senador rebateu dizendo que virou data histórica apenas para a APP-Sindicato, “aparelho do PT”.
Nesta quinta-feira (30), frentes populares de esquerda e a APP, que representa os professores estaduais, se reúnem na Praça Santos Andrade, na capital. Para Hermes Leão, presidente da entidade, as balas de borracha “são a face explícita de uma violência que se reproduz no cotidiano da maioria da população”.
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O confronto se repetiu em 29 de abril de 2015, quando a PM reprimiu as manifestações contrárias à reestruturação da Paranaprevidência, responsável pelo pagamento dos servidores inativos. O tom de Beto Richa (PSDB) nas críticas é muito similar ao adotado pelo presidenciável. Ambos citam “infiltrados” e “garantia da ordem”.
Esse tema chegou a pautar parte do debate dos candidatos ao governo na Band e ainda não apareceu com contundência na campanha nacional da presidência. Dias aparece com 3% nas intenções de voto para a presidência da República, segundo a última pesquisa Datafolha*, e no Paraná é o segundo mais querido pelo eleitor, de acordo com levantamento do Ibope**, em um cenário em que ele só perde para o ex-presidente Lula (PT).
A Gazeta do Povo consultou três especialistas para entender se o episódio de 1988 pode impactar a campanha de Alvaro Dias à presidência. Luiz Domingos Costa é mestre em Ciência Política e professor da Uninter; Clodomiro Bannwart Júnior é advogado, filósofo e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL); e Francis Augusto Goes Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Positivo.
O 30 de agosto pode impactar a campanha presidenciável de Alvaro Dias?
Luiz Domingos Costa: Não tem impacto relevante nem mesmo no Paraná. Esse imaginário está muito bem assentado no eleitorado que tende a não votar nele, que tem preferência histórica por outros candidatos. Nesse sentido o voto dos professores também pode ir para aqueles que representam alguma novidade, por exemplo, Ratinho Jr. (PSD). Os familiares lembram desse evento, foi traumático, mas os efeitos dos atos da semana não devem influenciar os 22% que manifestam intenção de voto nele no Paraná. O problema é a extensão da memória, o episódio não está tão arraigado na maioria. Continua na classe dos funcionários públicos, nas bolhas de Facebook, houve uma mudança muito grande no eleitorado.
Clodomiro Bannwart Júnior: Não tem repercussão, é algo muito localizado. Ele representou o Paraná em Brasília por muitos anos depois disso. Ainda que tenha um peso aqui, na esfera federal não tem. Isso leva em consideração que ele é um candidato pouco conhecido, que ainda não conseguiu penetrar no Nordeste, por exemplo. As pessoas estão mais distanciadas do passado. O filósofo Santo Agostinho usa um aforisma quando se refere à memória. Ele diz que o passado alimenta, mas não tem mais sabor. Não há como reavivar aquele dia com a mesma intensidade. O aspecto mais recente dessa memória coletiva é o Beto Richa e o 29 de abril. Ele terá que pedir voto dentro da circunscrição eleitoral do Paraná, ao contrário de Dias. Tem esse capital negativo mais próximo.
Francis Augusto Goes Ricken: São situações que obviamente não deveriam ter se repetido, mas infelizmente aconteceram com o Richa, então podem impactar na campanha negativa que podem fazer contra Alvaro Dias. Mas já não é assunto tão recorrente. Alvaro foi eleito múltiplas vezes para o Senado com votações muito expressivas.
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Alvaro Dias pode liderar os votos aos presidenciáveis no Paraná?
Luiz Domingos Costa: O voto estadual puxava o voto federal nos anos 1950/1960. A partir dos anos 1990/2000 isso mudou e o presidente passa a arrastar voto para o governante, fica muito claro quando o fenômeno Lula ajudou a eleger Roberto Requião (MDB) em 2002. A candidatura do Ratinho Jr. (PSD) pode embalar um incremento nos votos do Alvaro, mas o voto nesse ano está muito segmentada entre o que fazer na eleição estadual e na eleição nacional – o chamado divórcio. Certo eleitorado pode votar no Ratinho Jr. e no Bolsonaro e no Ratinho Jr. e no Lula.
Clodomiro Bannwart Júnior: O Paraná tem uma tradição mais de centro-direita. O eleitorado vai ao encontro desse tipo de discurso, do PSDB, do Alvaro Dias. Por ter sido governador, senador, ele tem grande possibilidade de captura de votos no Sul. Mas também há o fenômeno Bolsonaro, que é um aspecto que precisa ser analisado. É um candidato que resulta de um descontentamento do funcionamento do sistema político-partidário, tem apelo muito grande sobretudo na parte mais conservadora.
Francis Augusto Goes Ricken: Ele é um homem conhecido. Mas se for observar o porcentual de votos, ele tem um eleitorado próximo de 4 ou 5 milhões, fez 77% nas últimas eleições. Não sei se isso pode aumentar. Ele teve destaque fora do Paraná quando foi cotado pra vice do José Serra (PSDB), mas depois da saída do PSDB acabou engolido pelas estruturas pequenas dos partidos (PV e Podemos). E ele não é um Bolsonaro. Sempre teve coerência ideológica, uma tradição de respeito aos direitos individuais. Mesmo num eventual segundo turno sem ele, não o vejo sendo uma figura de apoio, principalmente num cenário Haddad x Bolsonaro.
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A candidatura de Alvaro Dias é viável?
Luiz Domingos Costa: O Paraná é o estado onde ele se sai melhor, o que é absolutamente esperado. Mas acho que não é viável por conta dos recursos, ele não tem tempo de TV, tanto dinheiro de fundo público, palanque na maioria dos estados. Essa pouca estrutura é um calcanhar de Aquiles. O Jair Bolsonaro (PSL) também sofre com isso, mas tem armado palanques em todos os estados. São três fatores (grana, TV e palanque) que podem minar a candidatura.
Clodomiro Bannwart Júnior: A impressão que tenho do Alvaro é de uma extensão do PSDB, o que leva em consideração que ele teve certa projeção no partido e na oposição ao governo petista, estava em Brasília e traduzia rapidamente o discurso de oposição. Essa tentativa na presidência traz consigo os problemas do PSDB. Ele e alguns candidatos estão muito próximos do mesmo eleitorado. Depois do impeachment de Dilma Rousseff (PT) ficou clara a identificação, o apoio do PSDB, a Michel Temer (MDB), o apoio ao impeachment, e Temer não tem credibilidade popular, é o presidente mais mal avaliado da história. O Alvaro tem uma proximidade com esse discurso, é uma consequência negativa colhida pelo PSDB.
Francis Augusto Goes Ricken: Ele ainda não conseguiu desempenho de um candidato de destaque, tem percentual muito próximo a 4%. Não deslanchou como candidato novo e dificilmente vai deslanchar com tempo de TV pequeno comparado aos outros candidatos. A campanha parece ter tomado rumo entre Bolsonaro, Haddad (PT), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB). Ele se tornou um candidato de um dígito. Tentou figurar como novo, com a bandeira da Lava Jato e coisas do gênero, mas as articulações antes da campanha não surtiram efeito.
Metodologia das pesquisas citadas
*Pesquisa realizada pelo Datafolha de 20/ago a 21/ago/2018 com 8.433 eleitores em 313 municípios (Brasil). Contratada por: Folha de S. Paulo e Rede Globo. Registro no TSE: BR-04023/2018. Margem de erro: 2 pontos percentuais. Confiança: 95%.
**A pesquisa foi realizada pelo Ibope de 16/ago a 22/ago/2018 com 1.008 entrevistados (Paraná). Contratada por: REDE PARANAENSE DE COMUNICAÇÃO. Registro no TSE: PR-04869/2018. Margem de erro: 3 pontos percentuais. Confiança: 95%. OBS: A pesquisa foi impugnada por duas representações eleitorais, ajuizadas por interessados diversos, segundo os quais não atendeu aos requisitos previstos na Resolução n. 23.459/TSE, especialmente quanto à insuficiente estratificação para o nível econômico dos eleitores respondentes.
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