Com pouco mais de 560 mil habitantes, Londrina, no Norte do Paraná, possui ares de cidade de interior, onde “todo mundo se conhece” – todo mundo da mesma faixa social, pelo menos. Ainda assim, são poucos os que relatam ter esbarrado com André Vargas desde que o ex-deputado voltou a residir na cidade, em outubro do ano passado. Primeiro político condenado na Lava Jato , Vargas estava desde abril de 2015 preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, na Grande Curitiba, onde cumpria pena de 13 anos, 10 meses e 24 dias pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Deixou a prisão em 19 de outubro do ano passado.
Se antes Vargas era figura frequente em colunas sociais de jornais locais, fotografado em eventos políticos, atualmente o ex-deputado prefere manter distância do olhar público. Diferentemente de outros condenados que mantêm perfis ativos nas redes sociais, como Eduardo Cunha e Lula, Vargas não publica nenhuma atualização desde que as primeiras denúncias vieram à tona, em 2014. Em 2015, cerca de um mês após ser detido, a Polícia Federal decidiu revistar a cela do ex-deputado, após uma publicação no perfil de Vargas no Twitter. Nada foi encontrado e hoje a conta não existe mais.
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Vargas voltou a residir no mesmo endereço onde havia sido preso, em um condomínio na região sul de Londrina. O imóvel levou o ex-deputado, sua esposa Eidilaira Gomes, e o irmão Leon Vargas a se tornarem réus em um processo por lavagem de dinheiro. O valor da compra declarado à Receita Federal seria inferior ao que havia sido realmente pago – R$ 980 mil – em meio milhão de reais.
Eidilaira foi absolvida por falta de provas, e André e Leon acabaram condenados em primeira instância, mas também absolvidos posteriormente em julgamento de recurso pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Em depoimento ao então juiz Sergio Moro, o ex-deputado havia afirmado que o bairro seria de classe média baixa; no entanto, casas no condomínio são anunciadas por valores que superam R$ 4 milhões.
Entre as condições estipuladas no livramento condicional concedido a Vargas, assinado pela juíza Luciani Maronezi, da 2ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, está a ocupação lícita através de emprego formal. Segundo informações da promotoria da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Londrina, responsável pela fiscalização do cumprimento das condições do livramento condicional na comarca, antes de deixar a prisão o ex-deputado declarou ter recebido proposta para trabalhar como vendedor de móveis em horário comercial e regime CLT.
Procurada pela reportagem, a defesa de Vargas não confirmou se é através desse trabalho que o ex-deputado realiza o pagamento da reparação de danos, que deve ser feita em 72 parcelas de R$ 15.332,64, totalizando R$ 1.103.950,12.
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Vargas também deve se apresentar bimestralmente perante o juízo da comarca de Londrina, com fiscalização do Patronato Penitenciário de Londrina. A primeira apresentação foi feita no dia 14 de novembro, sem nenhuma irregularidade constatada.
Outra condição é a obrigação de se recolher em casa diariamente até as 23 horas, da qual a defesa do ex-deputado pediu dispensa. O pedido foi indeferido pela juíza Márcia Guimarães, mas a defesa recorreu da decisão e o recurso ainda será analisado pelo Tribunal de Justiça do Paraná. As condições devem ser seguidas até a data que marcaria o fim da pena, em 2027, e eventual descumprimento injustificado pode levar à revogação do benefício, de acordo com a Lei de Execução Penal.
Entenda as investigações que condenaram Vargas
As investigações que culminaram na condenação de Vargas começaram por conta de uma ligação do ex-deputado com o doleiro londrinense Alberto Youssef, peça-chave nas fases iniciais daquela que se tornaria a maior investigação anticorrupção no país.
O ex-deputado chegou a afirmar que, apesar de se conhecerem há mais de 20 anos, os dois apenas se encontravam em eventos sociais na cidade e não mantinham amizade. Isso não o impediu, porém, de utilizar um jatinho pago pelo doleiro para fazer uma viagem com a família no início de 2014, fato que o colocou no centro das investigações da Lava Jato naquele ano.
Na época vice-presidente da Câmara dos Deputados pelo Partido dos Trabalhadores (PT-PR), Vargas era considerado um dos políticos mais influentes do Paraná – e mais falantes, também. Em entrevista à Gazeta do Povo em 2011, Vargas, à época secretário nacional de Comunicação do PT, deu a entender que apenas os colegas da ala da Democracia Socialista do partido nunca haviam feito caixa dois. A fala obviamente desagradou a muitos.
As investigações iniciais apontaram que Vargas teria atuado junto a Youssef na assinatura de um contrato entre uma empresa de fachada e o Ministério da Saúde. Com a revelação da relação entre o então deputado e o doleiro, Vargas teve o mandato cassado e, pressionado pelo PT, desfiliou-se do partido, que temia que as denúncias afetassem as campanhas de Dilma Rousseff à Presidência da República e de Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná.
Procurado pela reportagem por meio de sua defesa, André Vargas não deu retorno.
Trajetória política
Natural de Assaí, a cerca de 50 quilômetros de Londrina, Vargas é formado técnico de administração de empresas. Filiou-se ao PT em 1990, sendo eleito vereador de Londrina dez anos depois.
Muito antes da Lava Jato, investigações apontavam envolvimento de Vargas e Youssef no escândalo AMA/Comurb, em 1999, que levou à cassação do ex-prefeito de Londrina Antonio Belinati. Já em 2002, Vargas renunciou ao cargo e foi eleito deputado estadual, conquistando também a presidência do PT do Paraná.
Em 2006, foi eleito deputado federal pela primeira vez, e chegou a se candidatar à prefeitura de Londrina dois anos depois, sem sucesso. Em 2010, foi reeleito o terceiro deputado federal mais votado do Paraná, com 151.769 votos.
Pouco antes das investigações em 2014, Vargas já ganhava manchetes por erguer o braço com o punho cerrado, gesto utilizado por petistas presos no Mensalão, ao lado do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Cerca de dois meses depois, Vargas renunciava à vice-presidência da Câmara, dizendo estar arrependido por expor a família. Em 2017, em depoimento ao então juiz Sergio Moro, o ex-deputado afirmou ter o desejo de “refazer a vida”.
Hoje recusa entrevistas – procurado pela reportagem por meio da defesa, não deu retorno.