Diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) durante a gestão Beto Richa (PSDB) no governo do Paraná, o delator Nelson Leal Júnior prestou depoimento na ação penal ligada à Operação Piloto, e confirmou que houve “favorecimento” no processo de licitação da obra da PR-323, vencido no ano de 2014 pelo consórcio Rota das Fronteiras, formado pelas empresas Odebrecht, Tucumann, Geo Engenharia e América Empreendimentos. O depoimento foi prestado em 13 de dezembro de 2018 ao juiz federal Paulo Sérgio Ribeiro, da 23ª Vara Criminal de Curitiba, e a transcrição dele foi recentemente inserida no processo.
Saiba o que dizem as defesas dos envolvidos
No depoimento, de menos de 30 minutos, Nelson Leal Júnior conta que havia uma disputa interna na cúpula do governo do Paraná. De um lado estaria o então secretário de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho (Pepe Richa), irmão de Beto Richa, atuando para beneficiar a empresa Contern, do Grupo Bertin, na licitação da PR-323. De outro lado, estaria Deonilson Roldo, então chefe de gabinete de Beto Richa, que teria trabalhado para favorecer o consórcio liderado pela Odebrecht. Nelson Leal Júnior acrescenta que, nos dois casos, haveria propina envolvida.
Ouça parte do depoimento:
O então diretor-geral do DER conta que soube da oferta de dinheiro através de Luiz Cláudio da Luz, que era chefe de gabinete de Pepe Richa. “Eu perguntei para ele [Luiz Cláudio] porque estava havendo aquela confusão, aquela briga. O Palácio [Iguaçu] queria uma coisa e o secretário José Richa Filho queria outra. Ele falou que o Palácio estava fechado com o Grupo Rota das Fronteiras, Odebrecht, Tucuman, Geo e América, e o secretário estava definindo os interesses da Contern. Tinha um repasse de R$ 15 milhões em relação ao Rota das Fronteiras, e um repasse de R$ 34 milhões em relação à Contern. Foi isso que ele me passou”, disse Nelson Leal Júnior em seu depoimento.
Luiz Cláudio da Luz não é réu no processo e não trabalha mais na Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seil). O advogado dele, Fernando Sobrinho, encaminhou uma nota à Gazeta do Povo, informando que o ex-chefe de gabinete de Pepe Richa não corrobora com com as declarações de Nelson Leal Júnior: “Depoimento do delator prestado no dia 13 de dezembro que envolvem Luiz Cláudio são mentirosos, buscam hipertrofiar uma conduta que nem sequer existiu. A defesa acredita que tal manobra desesperada e desmedida seja para trazer robustez a sua colaboração”.
Prorrogação
Nelson Leal Júnior conta que Pepe Richa queria prorrogar a licitação, para que a Contern tivesse tempo hábil para juntar documentos e participar da concorrência, enquanto Deonilson Roldo não queria estender o prazo, justamente para impedir a entrada de outras empresas.
Nelson Leal Júnior foi diretor-geral do DER, órgão vinculado à Seil, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2018, e se tornou delator no âmbito de outra investigação, ligada à Operação Integração. Os relatos dele, contudo, serviram para abastecer outros casos – ou seja, a colaboração não ficou restrita à Operação Integração.
“Eu que era o responsável pela licitação, foi lançada a licitação, e daí tive uma reunião com o secretário José Richa Filho, no qual ele me pediu para fazer a prorrogação da licitação, da entrega da documentação, do processo da licitação. Nesse ínterim, o pessoal do Palácio, o Deonilson Roldo ficou sabendo, e daí me chamou lá, me ligou, e pediu para não fazer essa prorrogação do prazo. E daí voltei, conversei de novo com o senhor José Richa Filho, ele me pediu para fazer, me exigiu que fizesse, eu era subordinado a ele na época, o DER era dentro da secretaria dele [Seil], e acabei fazendo essa prorrogação da licitação, do prazo da licitação”, disse Nelson Leal Júnior.
Em relação às demais empresas do consórcio liderado pela Odebrecht (Tucumann, Geo e América), Nelson Leal Júnior menciona que elas foram incluídas já na etapa final da licitação, segundo Luiz Cláudio da Luz: “Elas entraram na hora da licitação, ele [Luiz Cláudio] me repassou também que essas empresas dariam uma contrapartida durante uns 30 anos ao governador, ao grupo do governador, né. Dentro desses 30% que eles tinham do contrato”.
“Eu nunca presenciei uma conversa com esse grupo de consórcio, com esse grupo de empresas que depois aderiu ao consórcio, mas, com certeza, foi o Palácio, foi o governador, Deonilson, que indicou essas três empresas. Porque a relação deles com o Palácio era muito grande, tanto da Tucumann, quanto da Geo, quanto da América”, aponta Nelson Leal Júnior. Ele lembra, ainda, que Alberto Rached, da empresa América Empreendimentos, é pai de Ricardo Rached, que era o assessor direto do então governador do Paraná.
A investigação do MPF também já apontou que, três meses após a licitação, a Tucumann se tornou sócia da Ocaporã Administradora de Bens, empresa da família Richa, para a criação de uma terceira empresa, a HP Administração de Bens.
Odebrecht
A denúncia relacionada à Operação Piloto foi oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) em setembro do ano passado e envolve crimes de corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro. Deonilson Roldo está entre os réus. Mas Pepe Richa não foi denunciado, nem Nelson Leal Júnior. O foco da denúncia já apresentada é o suposto pagamento de propina da Odebrecht para a campanha de reeleição de Beto Richa, em 2014.
A denúncia aponta que o Grupo Odebrecht teria feito um acerto com o grupo de Beto Richa, que receberia R$ 4 milhões para limitar a concorrência da licitação, favorecendo a empreiteira. Uma das provas apresentadas pelo MPF é um diálogo, gravado em 2014, entre Deonilson Roldo e Pedro Rache de Andrade, que representava a empresa Contern. Na gravação, que só veio à tona em maio de 2018, Roldo sugere que Rache não participe da licitação da PR-323, pois o governo do Paraná já teria um “compromisso nessa obra aí”.
O MPF aponta que Roldo chegou a oferecer uma contrapartida à Contern, em contratos com a Copel (Companhia Paranaense de Energia) para construção de térmicas. O então chefe de gabinete de Beto Richa também teria perguntado se a Contern estaria disposta a participar da licitação da PR-323 oferecendo uma “proposta cobertura”, ou seja, apenas para dar a aparência de que teria havido concorrência real. Rache de Andrade é testemunha no processo ligado à Operação Piloto.
Entregas de dinheiro a empresário
No depoimento que prestou em dezembro, Nelson Leal Júnior reconhece que não viu entregas de dinheiro da Odebrecht, mas que acredita no relato de Luiz Cláudio da Luz: “A conversa que eu tive com o Luiz Cláudio, e o Pepe [Richa] passava tudo para o Luiz Cláudio, foi bem clara”.
O ex-diretor-geral do DER também disse que o relacionamento de Deonilson Roldo e Luciano Ribeiro Pizzato, então diretor de contratos da Odebrecht em Curitiba, era “muito forte, muito grande”. Quando questionado com qual frequência encontrou Pizzato no Palácio Iguaçu, Nelson Leal Júnior respondeu “mais de vinte vezes”.
Pizzato está entre os colaboradores da Operação Lava Jato – ele aderiu ao acordo de leniência da Odebrecht. Na ação penal da Operação Piloto, ele ainda não prestou depoimento.
De acordo com a denúncia do MPF, os valores teriam sido entregues em espécie em endereços fornecidos por Jorge Atherino, empresário ligado a Beto Richa e também réu na ação penal da Operação Piloto. Para o MPF, Beto Richa é “sócio oculto” nos negócios imobiliários de Atherino.
No depoimento, Nelson Leal Júnior também foi questionado sobre a relação do empresário com o ex-governador do Paraná. “Eram amigos. Beto Richa foi estagiário numa empresa dele na época da faculdade. Algumas vezes o vi no Palácio, saindo do gabinete do governador. Mas eu nunca tive um relacionamento estreito com ele”, respondeu o ex-DER. “Sabe se eles tinham também relação comercial? Provavelmente sim. É o que diziam”, continuou Nelson Leal Júnior.
Para o MPF, pelo menos R$ 3,5 milhões foram pagos a Atherino (dos R$ 4 milhões que teriam sido prometidos) – R$ 500 mil em 4 de setembro de 2014, R$ 500 mil em 11 de setembro de 2014, R$ 1 milhão em 18 de setembro de 2014, R$ 1 milhão em 25 de setembro de 2014, e R$ 500 mil em 9 de outubro de 2014. Os lançamentos de dinheiro para o codinome “Piloto” - uma referência a Beto Richa - ficaram registrados no sistema de contabilidade informal do Grupo Odebrecht, de acordo com o MPF.
Jorge Atherino chegou a ser preso preventivamente pela Operação Piloto, em setembro do ano passado – acabou liberado em janeiro último, por decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Roldo ficou preso por período semelhante – a decisão pela soltura foi do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na Operação Piloto, Beto Richa não foi denunciado. Mas o MPF esclarece que ainda há investigações em curso.
Outro lado
Procurada pela Gazeta do Povo, a defesa de José Richa Filho se manifestou através de uma nota, assinada pelo advogado Rodrigo Faucz Pereira e Silva, do escritório Faucz, Santos & Advogados Associados: “Os relatos de Nelson Leal Junior são inverídicos e lamenta profundamente que um criminoso confesso receba credibilidade, mesmo sem apresentar provas. Sabe-se que esses ataques infundados são feitos apenas para buscar benefícios perante o judiciário e, assim, não ser devidamente responsabilizado por seus crimes. Pepe Richa confia na aplicação da Justiça e continua à disposição para esclarecer todos os fatos”.
Beto Richa já havia dito que “não houve qualquer direcionamento em licitação”, e que “nenhum recurso público, de origem federal ou estadual, foi aportado na licitação”.
O advogado Tracy Reinaldet, responsável pela defesa de Nelson Leal Júnior, também enviou a seguinte nota: “Nelson Leal Júnior assumiu o compromisso de dizer a verdade perante as autoridades. É o que ele tem feito e continuará fazendo”.
Quando a gravação entre Deonilson Roldo e Pedro Rache veio à tona, o ex-chefe de gabinete de Beto Richa disse que “nunca interferi ou sugeri qualquer direcionamento no processo licitatório da PR-323”. “Sou acusado caluniosamente de tratar de uma licitação com um empresário que não participou desse processo e de lhe oferecer vantagens na negociação de um empreendimento cuja venda não se efetivou. A existência dessa gravação, por si só, não compromete a minha postura de respeito e observância às leis e à ética”, afirmou.
Ao ser denunciado pela Operação Piloto, Atherino disse que “respeita o trabalho do Ministério Público” e vai “apresentar o contraditório para os devidos esclarecimentos”. O depoimento do empresário no caso está marcado para o dia 8 de maio. Deonilson Roldo deve ser ouvido na mesma data.
A Gazeta do Povo não conseguiu contato com as empresas citadas e com os demais envolvidos, mas o espaço segue aberto para manifestações.
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