O fim da taxa antidumping sobre a importação do leite em pó da União Europeia (14,8%) e da Nova Zelândia (3,9%) levou os secretários da Agricultura dos estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul a Brasília. Eles se reuniram na terça-feira (19) com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para discutir o tema, cercado de incertezas. Durante o encontro, cobraram uma posição do governo federal sobre a promessa de aplicação de uma sobretaxa de importação que, na prática, compensaria o fim da barreira protetiva.
Atualmente, a taxa de importação para produtos europeus é de 28%. Após uma sinalização do governo federal nesse sentido, o que se espera é que esse índice passe para 42,8%. Na prática, seria basicamente transferir os 14,8% da extinta taxa antidumping para a taxa de importação, mantendo os custos para a compra do produto europeu no mesmo patamar. A promessa era de que a medida seria publicada na última quinta-feira (14), o que não ocorreu. Questionado pela reportagem, o Ministério da Agricultura respondeu na tarde desta terça (19) que não havia novidade sobre o tema.
O panorama, por ora, é de incerteza. De um lado, os produtores de leite temem uma briga de preços no mercado interno, caso a proteção ao produto local realmente seja fragilizada. Do outro, há quem defenda que o temor seja exagerado e não apoiado em dados concretos. É o que diz a pesquisadora associada da FGV IBRE Lia Valls, para quem o impacto real do corte da taxa antidumping da importação do leite não deve ser significativo para Brasil nem para o Paraná (veja o que ela diz).
Produtores estão preocupados no PR
No Paraná, que fechou o ano de 2018 como terceiro maior produtor de leite entre os estados, a preocupação se soma à chegada do prazo final de implementação das novas regras para a produção leite no país. Publicadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em dezembro de 2018, por meio das Instruções Normativas (INs) 76 e 77, que entram em vigor no dia 30 de maio, as novas regras vão exigir um controle de qualidade superior ao praticado atualmente.
Segundo o secretário da Agricultura e Abastecimento do Paraná, Norberto Ortigara, um impacto negativo no mercado de leite brasileiro, neste momento, em que muitos produtores precisarão se adaptar às novas exigências de qualidade do Mapa, pode travar o plano de crescimento do estado. O leite é o quarto produto gerador de renda rural no Paraná, perdendo apenas para a soja, frango e milho.
“Tudo isso é um trabalho que vem sendo feito com planejamento a longo prazo. O fim de uma taxa antidumping que nos proteja, pode afetar a nossa capacidade de ter um preço mais favorável ao produtor, que passou maus bocados no último ano. Há um temor de que a ausência de qualquer medida compensatória possa afetar nossa capacidade de continuar produzindo leite para abastecer o mercado consumidor brasileiro”, disse o secretário.
Para Ortigara, na prática, a falta de uma proteção e a possível entrada de um leite com preços mais baratos pode comprometer o processo que pelo qual passa o Paraná. “Fora isso, nós ainda temos os desafios internos. As novas regras de produção do leite, que envolve controle de qualidade, contagem bacteriana, temperatura de transporte e de industrialização vai causar um sufoco até nos adequarmos. Não queremos, portanto, ter um novo estresse externo na forma de concorrência muito agressiva”, aponta.
A preocupação é corroborada pelo técnico da Faep/Senar-PR Alexandre Lobo Blanco. Para ele, o fim da taxa antidumping pode trazer efeitos irreversíveis. “Os produtores e pequenas indústrias tendem a sofrer com aumento das importações de leite e derivados a preços fortemente subsidiados da União Europeia, podendo chegar ao fim das operações de laticínios e das propriedades rurais”, opinou. “Vale destacar que a margem líquida (lucro real) das operações de produção de leite e beneficiamento primário são enxutas, fazendo com que o produtor e a indústria não consigam se manter em atividade por muito tempo em prejuízo.”
Impacto real não é bem assim
Análise bem diferente tem a pesquisadora Lia Valls. De acordo com ela, é comum que as medidas antidumping impostas vigorem por um tempo e, depois, sejam finalizadas. São medidas protetivas que têm mesmo um prazo definido.
Para Lia, chama a atenção a preocupação do setor agropecuário em relação a isso. “O impacto não deve ser significativo. O Brasil pratica muito mais importações do Mercosul. Da Nova Zelândia não houve importação e da União Europeia ficou perto dos 4%. O término dessa proteção em relação à União Europeia e Nova Zelândia não deve interferir no preço final para o consumidor e nem na cadeia produtiva. Parece-me mais uma tentativa de o Brasil querer mostrar poder de negociação do que qualquer outra coisa”, diz a pesquisadora.
A Seab também não tem números concretos sobre o impacto do fim da taxa antidumping. “É uma medida recente, por isso ainda não temos dados sobre impacto econômico”, disse o secretário Norberto Ortigara.
Cenário da produção leiteira
Conforme a Seab, nos últimos anos, o Sul do Brasil se tornou o principal polo produtor interno de leite, concentrando cerca de 40% da produção nacional, o que, em números, dá uma média de 12 bilhões de litros por ano. A produção supera o Sudeste do país e, também, o que se produz na Argentina, Uruguai e Paraguai juntos.
Segundo Norberto Ortigara, a produção do leite paranaense vem se qualificando ainda mais, em um processo de melhoria daquilo que, historicamente, era uma posição incipiente. Segundo ele, isso ocorre, principalmente com a agricultura familiar. E a expectativa com isso é que, nos próximos cinco a dez anos, o Brasil se torne exportador de uma grande variedade de laticínios, como leite em pó, manteiga, diferentes tipos de queijo.