Como Beto Richa tem foro privilegiado, ministra do STJ determinou que os processos das duas primeiras fases da Publicano sejam enviados para Brasília.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Um dos maiores escândalos de corrupção envolvendo o governo do Paraná chega a um momento crucial. Deflagrada há dois anos e meio na cidade de Londrina, pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), órgão que atua como um braço do Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR), a batizada “Operação Publicano” sofreu neste mês mais um revés – desta vez, com possibilidades de desdobramentos que podem afetar inclusive sentenças já proferidas pela Justiça Estadual, em Londrina.

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O revés está na decisão tomada no último dia 20 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir do julgamento de mérito da Reclamação 31.629, de autoria de um dos réus da Publicano, o empresário Sergio Fugiwara. A relatora do caso em Brasília, ministra Nancy Andrighi, concordou que houve “usurpação de competência” no caso, e determinou que a 3ª Vara Criminal de Londrina, responsável pela condução das ações penais geradas a partir da Publicano, envie para o STJ os processos relativos às duas primeiras fases da investigação.

A “usurpação de competência” do STJ, explica a ministra em seu voto, ocorreu quando, em meados de 2015, o nome do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), surgiu nas investigações, especialmente nos relatos do principal delator da Publicano, o ex-auditor fiscal Luiz Antônio de Souza, que sustenta que parte do dinheiro obtido através do mega esquema de corrupção na Receita Estadual também abasteceu a campanha de reeleição do tucano, em 2014. Em função do cargo que ocupa, Beto Richa tem foro especial no STJ.

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“A partir da formalização do acordo de colaboração premiada, a presença de indícios da implicação da citada autoridade [Beto Richa] com os fatos em apuração deveria ter ensejado o encaminhamento dos autos ao MPF [Ministério Público Federal] e ao STJ, que passariam, respectivamente, a conduzir e a supervisionar o curso das investigações a partir de então inauguradas”, escreveu a relatora em seu voto, publicado na quinta-feira (28). 

Até a tarde desta segunda-feira (02), o juiz Juliano Nanuncio, da 3ª Vara Criminal de Londrina, ainda não tinha sido oficialmente comunicado da decisão do STJ. 

Investigadores

Para os investigadores de Londrina, não houve usurpação de competência. Em meados de 2015, a partir do surgimento do nome do governador do Paraná, o Gaeco de Londrina avisou o então chefe máximo do MP-PR, o procurador-geral de Justiça Gilberto Giacoia, que, por sua vez, encaminhou o assunto para a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. Acreditando ter indícios para a abertura de uma investigação, a PGR instaurou o inquérito 1.093 e, no início de 2016, recebeu o aval do STJ para promover diligências que envolviam o tucano. 

A ministra Nancy Andrighi, contudo, acredita que, a partir do surgimento do nome do governador do Paraná, todos os procedimentos abraçados até ali pela 3ª Vara Criminal de Londrina, ou seja, todos os autos da investigação, deveriam ter sido imediatamente encaminhados ao STJ, foro competente inclusive para decidir sobre a conveniência do desmembramento do processo, segundo ela. 

Dos 15 integrantes da Corte Especial, comandada pela ministra Laurita Vaz, dez seguiram o voto da relatora do caso e outros três não estavam presentes no julgamento, os ministros João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura e Napoleão Nunes Maia Filho. A presidente do STJ não votou.

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Para Brasília

Agora, a partir do julgamento da Reclamação 31.629, os processos referentes à “Publicano 1” e à “Publicano 2” devem ser anexados ao inquérito 1.093, que trata do governador do Paraná, e que também está sendo relatado pela ministra Nancy Andrighi. A partir daí, ela vai analisar se os processos devem permanecer em Brasília ou se eles devem ser devolvidos a Londrina. 

Em relação à ação penal da “Publicano 1”, já houve até sentença. O réu Márcio de Albuquerque Lima, que até a deflagração da Operação Publicano era inspetor geral de Fiscalização da Receita Estadual e parceiro de Beto Richa em corridas automobilísticas, foi condenado a 96 anos de prisão, a maior pena do processo. Ele recorre em liberdade. 

Já a ação penal da “Publicano 2” está em fase de instrução. Nela, Luiz Abi Antoun, primo do governador do Paraná e nome influente na gestão do tucano, está entre os réus. Ele é apontado pelo Gaeco como o “operador político” da organização criminosa.

No total, a Publicano já rendeu oito ações penais e 18 ações civis públicas por improbidade administrativa. Entre os réus, além de dezenas de empresários, estão quase 80 auditores fiscais da Receita Estadual. 

De modo geral, sustenta o Gaeco, os fiscais pediam propina para anular ou reduzir impostos devidos pelos empresários. Também inventavam multas ou dificultavam trâmites na tentativa de obter vantagens. 

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No âmbito administrativo, a Corregedoria Geral da Receita Estadual vem tentando recuperar o prejuízo. Mais de R$ 2 bilhões já teriam sido cobrados de empresas envolvidas na Publicano. 

Desdobramentos

A decisão do STJ já representa, inicialmente, uma quebra no ritmo dos processos. Mas, a preocupação maior dos investigadores de Londrina é com possíveis desdobramentos do acórdão da Corte Especial. Logo que os autos da Publicano chegarem a Brasília, a ministra Nancy Andrighi decidirá não só sobre onde os processos irão caminhar a partir de agora, se no primeiro grau ou no STJ, mas também sobre o que acontece com os atos já praticados pelo juiz Juliano Nanuncio desde a homologação da delação do ex-fiscal Luiz Antônio de Souza.

Em seu voto, a relatora deixa claro que aguarda os autos para, em seguida, fazer o “exame da validade das medidas adotadas pelo juízo reclamado”. 

Réus da Publicano devem aproveitar a decisão do STJ para pedir a anulação de todos os processos. “Eu não quero me antecipar, mas é lógico que, como o STJ entendeu que houve usurpação de competência, certamente haverá um reflexo processual”, indicou o advogado do empresário Sergio Fugiwara, Walter Bittar, em entrevista à Gazeta do Povo, logo após a decisão do STJ. 

Walter Bittar é o mesmo advogado que, em defesa de outros réus da Publicano, também já conseguiu suspender liminarmente a ação penal referente à “Publicano 3”, através de um Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão, de junho, foi assinada pelo ministro Gilmar Mendes.

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Outro lado

O governador do Paraná, Beto Richa, sempre negou qualquer irregularidade nas suas contas de campanha à reeleição. As defesas de Márcio de Albuquerque Lima e Luiz Abi Antoun se manifestam apenas nos autos dos processos.