A Companhia Paranaense de Gás (Compagas) se prepara para exercer seu direito de preferência e renovar a concessão para exploração dos serviços do gás natural no estado, fato que precisa comunicar oficialmente até 31 de dezembro, com o compromisso de efetuar o pagamento de outorga onerosa em data ainda em aberto, no valor estimado de R$ 638 milhões. Entretanto, indefinições no marco regulatório nacional e no próprio estatuto social da empresa impedem que especialistas confirmem se esse caminho será o mais benéfico para a sociedade paranaense.
Infográfico: Veja como é a rede de atendimento da Compagas
A Lei Complementar nº 10.084/17, aprovada na Assembleia Legislativa no começo de dezembro, a pedido do próprio Executivo, estabelece que será feita uma nova licitação para a concessão, já que o atual contrato, firmado com a Compagas vence em 20 de janeiro de 2019. O prazo de 30 anos foi definido no Decreto nº 4.695/89. A Compagas, por sua vez, que tem a Copel como controladora e a Gaspetro (subsidiária da Petrobras) e a multinacional Mitsui como acionistas minoritários, entende que a concessão só acabará em 2024. Para tanto, leva em conta uma lei de 1994, regularizando a participação do Poder Executivo na empresa de economia mista.
Segundo o líder do governo na Assembleia, deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB), a discussão na Alep pacificou o entendimento de que a concessão vence em 2019. “A lei que regularizou a concessão em 94 não reabriu o prazo de concessão”, explica. Um parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) também teria esse entendimento.
De todo o modo, a Compagas quer renovar a concessão por mais 30 anos. Segundo o presidente da companhia, Jonel Nazareno Iurk, ainda não há definição de valores, pelo menos não oficialmente. “Primeiro haverá manifestação de interesse. Depois terá que ser apresentado um plano de investimentos, há todo um plano negocial, que ainda vai ser iniciado. Os valores que devem ser investidos, questões contratuais, tudo irá para mesa de negociação, e obviamente dependerá da viabilização do negócio. Interesse a Compagas tem”, afirmou Iurk.
Segundo ele, a relação com o poder concedente, o governo estadual, “é a melhor possível”. A empresa tem planos de expansão, já que hoje atende a apenas 17 municípios do Paraná. “Há muitas regiões que não têm gás canalizado. Há um eixo de Curitiba a São Mateus do Sul, com muito potencial industrial e que precisa ser atendido. Também temos uma expansão prevista para o interior em direção a Londrina. São muitos projetos que dependem de prazos e valores para serem concretizados”, afirma.
O melhor modelo é um leilão público para começar do zero, com um novo contrato que daria um bom dinheiro para o estado
Custo elevado
Para o setor industrial, o gás tem de fato importância crucial, mas o custo atual está muito elevado, afirma João Arthur Mohr, secretário-executivo do Conselho Temático de Infraestrutura da Fiep. Isso se deve, principalmente, a um contrato para aquisição de gás da Petrobras, na modalidade take-or-pay. Isto é, mesmo que a Compagas não utilize todo o volume contratado, precisa pagar. O custo é repassado aos usuários. “Com uma revisão de contrato, a Compagas poderia rever seus preços, que hoje são 25% maiores do que os praticados em Santa Catarina. Dependendo do setor, isso gera um impacto significativo, e pode pesar na hora de uma indústria decidir um local para se instalar”, observa.
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Mohr destaca ainda que o contrato ainda vigente com a Compagas foi firmado em uma época de risco-Brasil elevado. Por isso, a Taxa Interna de Retorno (TIR) está no patamar de 20%. “Essa taxa de retorno dos acionistas é completamente fora da realidade atual. Hoje em dia, a TIR varia em torno de 9%. É a mesma coisa que os pedágios no Paraná, que foram outorgados em uma outra época, e por isso tem tarifas tão altas”, explica.
Na opinião de Luciano Pizzatto, ex-presidente da Compagas, considerando todas as variáveis envolvidas, o ideal seria fazer uma nova licitação, sem renovação da concessão atual. “O melhor modelo é um leilão público para começar do zero, com um novo contrato que daria um bom dinheiro para o estado”, argumenta. Segundo ele, que atualmente é secretário especial de Representação do Governo em Brasília, o potencial de mercado para o gás natural nos próximos anos é muito grande, e haveria muitas empresas interessadas no negócio, com disposição para desembolsar bônus valiosos para o governo.
Há muitas regiões que não têm gás canalizado. Há um eixo de Curitiba a São Mateus do Sul, com muito potencial industrial e que precisa ser atendido. Também temos uma expansão prevista para o interior em direção a Londrina
Demanda em alta
Segundo o especialista em energia Leonardo Caio, diretor-executivo da Consulfesp - Consultoria e Formação Especializada, o gás natural vai avançar sobre uma fatia de mercado hoje atendida pela hidroeletricidade. Ele cita dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que mostra que a participação das usinas hidrelétricas na produção de energia no Brasil vai cair dos atuais 69,1% para 59,2%.
A demanda por gás, aponta a EPE, vai aumentar de 60 milhões de metros cúbicos para 91 milhões. “E essa é uma elevação muito confortável. Teremos reservas técnicas para 182 milhões, mais do que o dobro do que precisamos. Em uma situação de retomada de crescimento, a necessidade de energia de fontes térmicas será muito grande. E o gás natural, além de ser abundante, é um combustível ideal de transição para baixo carbono. Nas termelétricas, é o combustível que menos impacta no meio ambiente e que menos emite gás carbônico”, explica.
Isso se explica pela maior eficiência energética, diz Caio. O gás é o principal combustível para fazer cogeração. No ciclo simples, cada molécula de gás tem um aproveitamento de apenas 35%. O restante é perdido na geração, transmissão ou distribuição. “No ciclo combinado, uma cogeração, significa que vai gerar energia próximo de um consumidor, seja um shopping, uma indústria, um grande condomínio. Nesse caso, do total que seria perdido, 50% pode ser reaproveitado na energia térmica, gerando água quente, e a perda total fica em apenas 15%”, relata o especialista. E isso vai contribuir para a redução de emissões dos gases estufa. “O Brasil tem o compromisso de reduzir a emissão a partir de 2020. O Paraná, que sempre esteve na vanguarda de tecnologias do mundo, tem aí um grande nicho de mercado, pois a cogeração ainda é muito incipiente”, avalia.
Expansão
O consumo crescente de gás e a cogeração são bons atrativos para empresas participarem de um novo leilão, aponta o diretor-executivo da Consulfesp. De todo modo, ele destaca que um novo contrato precisa ser mais regulado, com metas de atendimento e de expansão – no Paraná, esse papel cabe à Agepar. “A agência reguladora vai ter a preocupação de manter um valor econômico mínimo da tarifa. A concessionária vai ter remuneração dela, mas vai ter a obrigatoriedade de fazer expansão. A agência reguladora é importante para tirar a concessionária da zona de conforto, É muito bom para a sociedade, com um horizonte bem traçado”, acrescenta.
Para Pizzatto, outro motivo para recomeçar do zero uma licitação é o estatuto social da Compagas, que permite que os acionistas minoritários decidam os rumos da companhia. A Copel, que detém 51% das ações, tem direito a três cadeiras no Conselho de Administração. A Petrobras e a Mitsui, cada uma com 24,5% de participação, têm outras duas cadeiras. O estatuto exige quatro votos favoráveis para decisões tomadas no Conselho de Administração e um quórum qualificado de dois terços dos acionistas para deliberações sobre destinação do lucro, distribuição de dividendos, destinação do saldo de reserva de lucros e remuneração dos administradores nas assembleias gerais. “Ou seja, o majoritário precisa sempre conquistar um voto de um dos minoritários”, diz ele.
A divergência entre o controlador e as demais empresas ganhou escala durante a gestão de Pizzatto na Compagas (2011-2015). Já em 2012, a Copel decidiu pela distribuição mínima de dividendos aos acionistas, para direcionar a maior parte do lucro para investimentos. A medida desagradou a Petrobras e a Mitsui, que recorreram à Justiça e conseguiram reverter essa decisão, com base no estatuto social. A disputa judicial inclusive levou o governo estadual a cogitar rever a concessão estadual em 2014, ano em que o consumo ainda estava aquecido e havia necessidade de grandes investimentos para suprir a demanda.
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