O ex-diretor da Secretaria de Estado da Educação Maurício Fanini disse em depoimento à Justiça na quarta-feira (22) que o dinheiro desviado das obras das escolas estaduais também tinha como destino o “enriquecimento ilícito” do ex-governador Beto Richa (PSDB). Fanini declarou ainda que prestava contas da arrecadação de propina mensalmente ao próprio Richa. O ex-diretor está preso desde o ano passado em decorrência da Operação Quadro Negro. Beto Richa nega as acusações e alega que se trata de estratégia de Fanini para obter uma delação premiada.
O depoimento de Fanini a que a Gazeta do Povo teve acesso foi prestado à 9ª Vara Criminal de Curitiba no âmbito de um processo que apura desvios ocorridos em duas escolas estaduais: Tancredo Neves, em Colombo, e Professora Linda Salamuni Bacila, em Ponta Grossa. A Construtora Valor, do delator Eduardo Lopes de Souza, foi a responsável pelas obras nessas escolas. Ele é réu no mesmo processo.
Segundo o ex-diretor, o esquema de desvios havia sido combinado por ele com Richa em 2011. Parte dos recursos ficariam com Fanini, que aceitou as acusações da denúncia do Ministério Público do Paraná na íntegra, parte ajudaria a financiar campanhas eleitorais do PSDB e o terço final iria para o ex-governador. “Eu era parte de uma engrenagem que arrecadava dinheiro, que arrecadava propina para o governador [Richa], para o sistema de gastos de campanha e também para enriquecimento ilícito dele próprio”, disse Fanini. “Eu servi a um senhor só, que era o governador Beto Richa”.
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Fanini disse que tem “relação de muitos anos” com Richa. “O mecanismo funcionava de uma engrenagem pequena perto de outras engrenagens do governo que eu tenho conhecimento, mas poderia dizer, sem dúvida, era engrenagem muito próxima ao governador. Isso tudo eu tenho como afirmar e comprovar”, disse.
O início
Fanini relatou que os esquemas ilícitos começaram após uma conversa que ele teria tido com Richa em 2011 por conta da construção de uma academia na Granja Canguiri (residência oficial do governador do Paraná, na Região Metropolitana de Curitiba). O diagrama inicial do esquema envolveria construtoras, embora ainda não fosse o tipo de desvio do padrão Quadro Negro. Segundo o ex-diretor, a partir de 2012 ele começou a fazer as “arrecadações” e a prestar contas pessoalmente ao governador.
“A partir de 2012, eu passo a arrecadar propina para o grupo político, para ele, para o governador. E nessa conversa que eu tive com ele, ele deixa bem claro que parte desse dinheiro arrecadado eu poderia fazer uso pessoal e outro eu prestaria contas mensalmente a ele. Somente a ele. Não mais a ninguém”, afirmou.
Segundo Fanini, parte do dinheiro desse fundo de corrupção foi usado para dar entrada a um apartamento que foi comprado por Richa ao filho, Marcello Richa (PSDB). O ex-diretor disse que, como já tinha gastado parte dos recursos, teve que recorrer a um empréstimo e que um carro-forte foi usado para transportar os valores.
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“Quando a eleição [2012] passa, eu percebo que aquilo não é dinheiro unicamente para campanha, mas para enriquecimento próprio. Em 2013 sou chamado ao Palácio Iguaçu, e estava presente o Luiz Abi Antoun, primo do Beto, e esse primo me pede o dinheiro que eu tinha falado com o governador. Eu tinha dito ao governador que tinha R$ 500 mil para entregar e um dia o primo pede o dinheiro. Fiquei desconfiado porque afinal de contas minha conversa era só com o governador. Ele fala que o Beto havia pedido o dinheiro e que o dinheiro seria usado para dar entrada no apartamento do filho do governador”, disse Fanini. No dia de 11 de março ele entregou a primeira remessa de dinheiro.
O ex-diretor afirma que o mecanismo de arrecadação continuou ao longo de 2013 e 2014, durante a última disputa eleitoral. “Em 2013 vou dizendo a ele o que eu tenho e ele não me pede mais nada. Disso tudo tenho como provar. Em 2014, de fato mais relevante, o Beto me chama para uma partida de tênis no Graciosa Country Clube em meados de maio, início da campanha da reeleição, e o Requião (MDB) vinha crescendo nas pesquisas, era um domingo à tarde, chuvoso, tenho elementos de prova desse dia, a coisa ficou um pouco mais perversa, no sentido de arrecadar mais propina. Quando me fala isso, eu pedi se poderia me comprometer com mais empresários, prometer outro aditivo. Ele falou ‘pode fazer porque vou me eleger e vou ter mais quatro anos para me acertar com as empresas’”, disse.
O esquema Quadro Negro
O ex-diretor relatou uma conversa com Eduardo Lopes de Souza no dia seguinte ao encontro para adiantar as medições de obras não feitas, que funcionou como base dos desvios apontados na Quadro Negro. “Esses pedidos de propina partiram de várias pessoas, do Luiz Abi, do Paulo Schmidt (ex-secretário de Educação), Pepe (ex-secretário de Infraestrutura), irmão do governador, do Ezequias Moreira (ex-secretário de Cerimonial), pessoas próximas do governador, eles sabiam qual era minha função de arrecadador de propina na Secretaria de Educação”.
“A Quadro Negro é muito focada na Valor, mas são dezenas de empresas, não somente a Valor, deram dinheiro, deram propina”, revelou. “A Valor e a M.I. são a ponta do iceberg”.
Fanini também revelou uma espécie de “conta corrente” com Eduardo Lopes de Souza para os pagamentos de propina e que era o único responsável por assinar as ordens de serviço das obras. “Todos na Secretaria de Educação sabiam da minha relação com o governador. Se tinha alguma dificuldade me reportava a ele. Tanto é que para um aditivo tramitar tem que passar por 12 assinaturas, inclusive Procuradoria Geral do Estado, Casa Civil e por último, com valores acima de R$ 500 mil, só o governador assina. E não houve nenhum questionamento em relação aos aditivos”.
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Fanini já apresentou uma proposta de delação premiada, mas os termos ainda não foram homologados pela Justiça. A relação entre Maurício Fanini e Beto Richa vem de longa data. Ambos nasceram em 1965 e se formaram juntos no curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), na década de 80. Eles começaram a trabalhar juntos na prefeitura de Curitiba.
O dinheiro desviado da construção e da reforma de escolas estaduais por meio do esquema de corrupção já chegou a R$ 29,4 milhões. Esses recursos dizem respeito ao volume apurado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) em obras de 15 colégios estaduais e que deve ser ressarcido aos cofres públicos. O rombo, no entanto, deve ser bem maior. Intervenções em outras 38 escolas são investigadas pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), por meio de inquéritos civis já instaurados.
Outro lado
A defesa de Beto Richa enviou uma nota em que nega as acusações.
“As declarações do réu confesso Maurício Fanini são totalmente inverídicas, em suas referências ao ex-governador Beto Richa e à sua esposa Fernanda Richa, e não acrescenta qualquer novidade ao caso. Desde setembro de 2017, Fanini vem tentando obter os benefícios de uma delação junto à PGR, que se negou a celebrar acordo diante da ausência total de fundamentos em suas declarações falsas, construindo versões mentirosas e que mudam a cada depoimento. Trata-se, apenas, de mais uma vã tentativa de transferir a responsabilidade pelos crimes por ele próprio praticados e já confessados. O início das apurações se deu mediante ordem do então governador Beto Richa, ao tomar ciência das irregularidades, em março de 2015, que resultaram na prisão de Fanini pela Polícia Civil do Paraná, em julho de 2015”.
O ex-secretário de Educação Paulo Schmidt disse que nunca teve conversa com Fanini que envolvesse pedido de propina e que não tem relação pessoal com ele.
Em nota enviada em junho, quando a proposta de delação de Fanini foi divulgada, Marcello Richa também rebateu as acusações.
“O presidente do Instituto Teotônio Vilela do Paraná, Marcello Richa, afirma que as suposições de Maurício Fanini são inverídicas e ressalta possuir toda a documentação referente à compra do seu apartamento, comprovando a legalidade e origens dos recursos. Rechaça qualquer citação referente a recebimento de valores para uma possível campanha e que o senhor Maurício, que é um criminoso confesso, tenta se beneficiar da delação premiada para amenizar sua pena com afirmações mentirosas e desprovidas de provas”.
Também em junho, a defesa de Luiz Abi afirmou que todas as menções eram mentirosas e que o único objetivo de Maurício Fanini era firmar um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, envolvendo o máximo de pessoas próximas ao ex-governador Beto Richa. Disse ainda que Fanini tenta se isentar da responsabilidade dos crimes que ele cometeu e foram comprovados pela Justiça.
Na ocasião, Pepe Richa também negou as afirmações, dizendo que Fanini tenta “terceirizar atitudes criminosas”.
A reportagem da Gazeta do Povo tenta contato com os outros citados.
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