As palavras, com todo o poder simbólico que carregam, se destacaram nas várias horas de julgamento de Ezequias Moreira Rodrigues. Acusado de empregar a sogra em um cargo fantasma na Assembleia Legislativa do Paraná, o atual secretário especial de Cerimonial do governo Beto Richa (PSDB) foi considerado culpado, na segunda-feira (3), pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Ele foi condenado a seis anos e oito meses de prisão, mas a decisão não terá nenhum efeito prático porque, em função da pena aplicada, o crime prescreveu – ou seja, passou o tempo em que era possível punir.
O embate verbal começou a ser publicamente travado no dia 5 de dezembro de 2016, quando relator, advogado de defesa e Ministério Público se pronunciaram. A acusação agiu como se fosse um júri (julgamento em caso de homicídio). Notadamente o procurador Fábio Guaragni buscou sensibilizar os desembargadores. Ele frisou que os desvios ocorreram ao longo de onze anos e citou que nesse tempo “mais de uma pessoa morreu na fila do SUS”, onde estaria faltando o dinheiro que foi indevidamente embolsado. “Esse homem [Ezequias] assistiu todos os dias notícias do gênero, enquanto subtraía os recursos públicos”.
“Justiça criminal sem misericórdia não é justiça, é crueldade”
O procurador também apelou para a banalização dos atos de corrupção. “Desconfiai do que nos causa normalidade” e continuou dizendo que não poderia ser visto como mais um caso “que não nos toca à alma”. Completou dizendo que o dinheiro poderia garantir 400 crianças em creches e que estava nas mãos dos desembargadores punir para impedir que situações como essa se repitam.
O advogado de defesa, Marlus Arns de Oliveira, logo contra-argumentou. Disse que o dinheiro da Assembleia Legislativa não iria para “nenhuma creche” e afirmou ser legítima a estratégia de buscar a prescrição. O foco da defesa ficou centrado em alegar que o dinheiro havia sido devolvido e que Ezequias já tinha sido “punido” indiretamente. “Ele vem sofrendo por causa desse ato que praticou e dessa exposição de mídia”, resumiu Marlus. O advogado ainda frisou que a vida de Ezequias tinha sido vasculhada em busca de outros delitos e que, mesmo investigando a atuação funcional nas últimas três décadas, mais nenhuma irregularidade teria sido encontrada.
Caixa Zero: Richa usou o cargo para ajudar um corrupto amigo a escapar da cadeia
O desembargador Luiz Carlos Xavier, encarregado de analisar pormenorizadamente o caso e depois de ficar anos com o processo em sua alçada, se restringiu a um relatório técnico, sem se deter a argumentos impactantes. Terminou por recomendar a condenação do réu, mas a pena sugerida significava a prescrição.
“O caso é emblemático, muito feio. Eu não o teria como meu secretário”
Aí houve um hiato de quatro meses – incluindo o recesso Judiciário e uma sequência de pedido de vista ao processo. Quando o julgamento foi retomado, no dia 3 de abril, foi a vez dos desembargadores externarem o que pensavam sobre o caso. Carvílio da Silveira Filho destacou que Ezequias mudou, que é um novo homem “Houve um arrependimento real”, considerou. Ao citar o risco de Ezequias perder o cargo como funcionário celetista na Sanepar, Miguel Kfouri Neto citou que “justiça criminal sem misericórdia não é justiça, é crueldade”. O desembargador Telmo Cherem, por exemplo, apesar de repreender a atitude de Ezequias, destacou que o sistema demorou tanto para analisar o caso que o Ministério Público e a Justiça deviam assumir a culpa pela condenação sem efeito. “O caso é emblemático, muito feio. Eu não o teria como meu secretário”, comentou.
O caso
A decisão do Tribunal de Justiça não é definitiva, pois cabe recurso tanto por parte da defesa como por parte do Ministério Público. Ambos os lados informaram que pretendem recorrer. Procurada pela reportagem, a defesa informou que não irá se pronunciar sobre o caso. Questionado se a condenação, ainda que com a prescrição, mudaria algo na situação de Ezequias, o governo estadual informou que vai esperar a publicação do acórdão, o que não deve levar cerca de um mês, para ter acesso ao teor da decisão e então se pronunciar.
O caso conhecido como “sogra fantasma” veio a público em 2007, quando a Gazeta do Povo publicou que Verônica Durau, mãe da esposa de Ezequias, reconheceu ao ser procurada pela reportagem que não trabalhava na Assembleia – ao contrário do que constava na folha de pagamento do Legislativo. A investigação mostrou que Veronica Durau foi contratada em 1996, como funcionária do gabinete do então deputado estadual Beto Richa.
“Houve um arrependimento real”
Segundo o MP, o secretário usava a sogra como “laranja”, com salário de R$ 3,4 mil mensais em seu nome, somando R$ 539 mil ao longo de 11 anos. Ele confessou a ilegalidade e se dispôs a ressarcir os cofres públicos, com quatro cheques posteriormente depositados. O caso tramitava a passos lentos em primeira instância até julho de 2013 e quando estava prestes a ser concluído, Ezequias foi nomeado secretário especial, ganhando o direito de foro privilegiado, passando a ter o caso analisado diretamente pelo Tribunal de Justiça.
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