O Paraná é cortado por um emaranhado de 15 mil quilômetros de rodovias federais e estaduais pavimentadas – grande parte delas alvos de bloqueios feitos por caminhoneiros na última semana. A greve da categoria interrompeu a circulação de cargas e expôs o tamanho da dependência do modal rodoviário. Os reflexos no Paraná são ainda maiores do que no Brasil. Isso porque, além de ter uma liderança forte do movimento grevista, o estado é ainda mais depende dos caminhões para a entrega de mercadorias.
João Arthur Mohr, consultor de Infraestrutura e Logística da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), explica que, enquanto o transporte de volumes para a exportação por trens fica em torno de 35% na média dos principais estados brasileiros, no Paraná o índice chega a 18%.
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Patrícia Schipitoski Monteiro, professora de Infraestrutura de Transportes do curso de Engenharia Civil da Universidade Positivo, reforça que a justificativa para usar o modal ferroviário está necessariamente atrelada às distâncias e às quantidades. Ou seja, é um modelo que se torna viável quando precisa percorrer longos trechos e com muita carga.
Ela cita que a França e a Alemanha, com dimensões menores, têm uma proporção de uso ferroviário parecida com a do Brasil. Já outros países de tamanhos continentais, como Estados Unidos, China e Rússia, chegam a transportar mais da metade das cargas por trens. São indicados para o modal ferroviário os chamados granéis sólidos (agrícolas ou minerais), granéis líquidos (como óleo de soja e combustíveis) e os produtos adequados para contêineres (como parte da produção industrial).
A curto prazo, não há muito o que fazer. Investimentos em infraestrutura são caros, dependem de planejamento e levam tempo para serem executados. No caso de ferrovia, o governo do Paraná apresentou uma proposta, em parceria com o Mato Grosso do Sul, para que um novo ramal seja construído pela iniciativa privada. Haveria uma ligação alternativa entre Dourados (MS) e Paranaguá, mas o projeto ainda está em fase de estudo.
Alternativas
É preciso dizer que não há país no mundo que tenha uma rede alternativa para transporte de cargas pequenas a curtas distâncias. Assim, a reposição de hortifrutigranjeiros ou mesmo a coleta de produtos das fazendas e o abastecimento de insumos para a zona rural são necessariamente feitos por caminhões. Sendo assim, reflexos do desabastecimento de gêneros alimentícios eram inevitáveis, diante da sequência de dias de greve.
Mas não precisaria ser assim com os combustíveis, por exemplo. Os aeroportos do Galeão (RJ) e Guarulhos (SP) estão operando normalmente porque contam com abastecimento por oleoduto. Mohr avalia que um planejamento de infraestrutura estratégica, pensando em garantias mínimas de segurança, poderia investir em uma rede de canalizações que garantisse combustível para serviços essenciais, como as forças de segurança pública (polícias e Exército) e também para a rede de transporte coletivo.
Outro modelo que poderia ser mais valorizado é cabotagem entre portos. Assim, mais cargas da indústria poderiam, por exemplo, sair do Porto de Paranaguá (PR) e ir até o Porto de Recife (PE). Para isso, uma das recomendações de Mohr seria diminuir o custo do sistema, que hoje é muito caro, pois tem alta tributação e dificulta o uso de navios com bandeira estrangeira. No caso do Paraná, o transporte hidroviário teria pouca viabilidade (destinado mais para curtas distâncias), porque os principais rios correm sentido interior – e não em direção ao mar.
“O caso mais absurdo é o da soja sendo transportada por caminhões para os portos, deixando o produto menos competitivo em nível internacional”, avalia Demian Castro, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele explica que esse cenário está ligado à pouca capacidade dos governos para planejar e fazer investimentos. “A China constrói 200 quilômetros de ferrovias a cada seis meses e nós fazemos 20 quilômetros a cada 20 anos.”
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Integração
A professora Patrícia Schipitoski Monteiro enfatiza que distâncias maiores não combinam com o transporte rodoviário e que um sistema inteligente é o que combina vários modais.
Sobre ferrovias, ela lembra que a malha ferroviária da região Sul do país ainda é bem maior do que a do Nordeste, por exemplo. Um dos motivos que inibe a construção de ferrovias é o alto custo de implantação, em média quatro vezes mais alto que o da rodovia. Mas é um investimento que se paga, a longo prazo, já que tem operação e manutenção mais baratas. “Hoje estamos cativos de um modal”, dispara.
Como economista, Castro afirma que não é possível dissociar a atual crise logística da falta da capacidade do governo de tomar decisões estratégicas e também do modelo que foi adotado pela Petrobras mais recentemente. Ele lembra que Pedro Parente assumiu o controle da estatal num momento em que se cogitava a falência da empresa e que, em pouco tempo, devido entre outros fatores, à política que majorou o preço dos combustíveis, a Petrobras deu uma guinada, desconsiderando a necessidade de manter os valores em patamares aceitáveis.
O professor ainda destaca que, diante da pressão, a União tentou repassar o problema para os estados, dizendo que estava na mão dos governadores tomar medidas, como a redução de ICMS, para resolver os problemas. “Mas os governadores responderam dizendo que a encrenca é do governo federal”, comenta.
Para o economista, trata-se de uma crise atrelada à incompetência governamental, que também não tem capacidade de lidar com antecipação de problemas. “Estamos com a crise rodoviária, mas poderíamos estar vivendo o apagão em outras áreas, como no setor elétrico”, diz.
Pela história
Os três especialistas consultados pela Gazeta do Povo indicam que a dependência do modelo rodoviário foi definida, em certa medida, ao longo da história, bem marcada a partir do governo Juscelino Kubitschek, na década de 1960, com a expansão das rodovias.
“Fizemos a opção de transportar as riquezas do país pelo modelo rodoviário, mas não lembramos de investir verdadeiramente nessa infraestrutura”, resume Castro. As dificuldades atuais também estão relacionadas com um modelo que incentivou, ao longo dos anos, a compra de veículos automotores e o transporte individual. A dependência do modal rodoviário já ficou evidente em greves anteriores.
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