Ao completar os 25 anos de trabalho exigidos para que professoras tenham direito à aposentadoria, a pedagoga Valquíria Paradela Barbosa deu entrada no pedido para se aposentar da prefeitura de Curitiba, onde trabalhou por duas décadas. Valquíria tem 50 anos e confessa que não pensava em se aposentar tão cedo. A decisão tomada em dezembro do ano passado foi motivada pelo temor de perder direitos com a reforma da previdência, que foi enviada à Câmara Federal 12 dias antes de Valquíria protocolar seu pedido no Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba (IPMC).
“Me sinto jovem, fiquei meio perdida. Ficaria mais um tempo na prefeitura, não tinha me programado para aposentar, mas com toda essa mudança preferi não arriscar. Fiquei com medo de perder os direitos adquiridos e, aposentando, realmente teria mais vantagem”, avalia.
Em que pé está a reforma federal?
A reforma da previdência proposta por meio da PEC 287 pelo governo federal foi enviada à Câmara dos Deputados em dezembro de 2016 e já percorreu o trâmite das comissões internas. Desde maio, o texto está pronto para ser votado em plenário. A proposta que está apta para ser apreciada é o substitutivo apresentado pelo relator, o deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). O projeto prevê que estados e municípios tenham um prazo de seis meses para editar uma reforma própria, caso isso não seja feito dentro do prazo previsto, os servidores públicos municipais e estaduais passam a seguir as regras federais.
Atropelada pelos acontecimentos políticos de Brasília, a tramitação está parada na Mesa Diretora da Câmara desde o início de junho. Recentemente o próprio presidente Michel Temer (PMDB) manifestou-se sobre o assunto em tom otimista.
“Temos de avançar na reforma da Previdência, houve uma pequena parada agora, mas ela será retomada”, afirmou.
A decisão de Valquíria não tem sido incomum no setor público. A prefeitura de Curitiba registrou, no ano passado, uma média de 109 aposentadorias por mês; neste ano o número subiu para 143, um incremento de mais de 30%. No governo do Paraná, o acréscimo no número de aposentadorias também foi significativo. Em 2016, a média de aposentadorias mensais era de 608; já em 2017 este número subiu para 883, um crescimento de 45%.
Na análise do Diretor de Seguridade Funcional da Secretaria Estadual de Administração e Previdência, Mauro Ribeiro Borges, o incremento dos pedidos em 2017 está relacionado à incerteza dos servidores em relação às mudanças na previdência. Borges também destaca que, no contexto estadual, a partir de 2014, o número de aposentadorias cresceu muito em decorrência do pagamento das progressões e promoções nas carreiras. Dessa forma, servidores que aguardavam esse avanço para poder se aposentar com um benefício maior deram entrada nos pedidos de aposentadoria.
O consultor previdenciário Renato Follador explica que a decisão dos servidores é lógica, já que eles sabem que as reformas deixarão a previdência mais austera. “Até hoje ninguém sabe exatamente o que vem dessa reforma do governo federal, mas as pessoas sabem que nunca foi feita uma reforma para melhorar benefício ou diminuir contribuição. Então as pessoas com direito adquirido ficam com medo que eles não sejam respeitados”, analisa.
Follador destaca, entretanto, que quem já tem direito adquirido não deve temer os efeitos da reforma. “Direito adquirido tem que ser respeitado. As pessoas acabam confundido a situação com quem está no meio do caminho, que tem expectativa de direito e, diante desse temor, acabam correndo para pedir aposentadoria.”
No serviço público é comum que servidores já elegíveis para a aposentadoria continuem trabalhando. Há estímulos para isso. Na prefeitura de Curitiba, por exemplo, o servidor que continua trabalhando depois de já ter atingido os requisitos para a aposentadoria recebe o chamado abono de permanência, que é uma gratificação que equivale ao valor pago a título de contribuição previdenciária. Além disso, aumentos salariais que ocorrem normalmente a cada cinco anos passam a ser anuais, deste modo o servidor continua na ativa para se aposentar em condições mais vantajosas.
E as mudanças propostas por Greca?
A aposta da prefeitura de Curitiba para dar sustentabilidade ao sistema previdenciário municipal é a criação de um fundo de previdência complementar. Caso os servidores queiram receber um benefício acima do teto do INSS, terão que contribuir, além do IPMC, para o plano complementar, batizado de CuritibaPrev. A mudança, entretanto, só vale para os futuros servidores; os atuais seguiriam contribuindo de modo similar ao que é feito agora, porém com alíquotas maiores: de 11% a contribuição passa para 14% do salário.
Essa proposta integra o pacote de ajuste fiscal de Curitiba, mas não entrou em pauta no primeiro lote de votações dos projetos. A expectativa da prefeitura é que o texto seja votado pelos vereadores logo após a retomada dos trabalhos da Câmara, no mês de agosto. O projeto já foi aprovado pelas comissões temáticas e está pronto para ser votado em plenário.
Aumento do desequilíbrio
Na avaliação do presidente do IPMC, José Luiz Costa Taborda Rauen, as incertezas em relação às mudanças que ocorrerão na aposentadoria do setor público são o principal motivo que tem impelido o pedido de aposentadorias de servidores que já têm direito. Isso preocupa o gestor do instituto que gere a previdência dos servidores municipais porque acelera a diminuição da quantidade servidores trabalhando em relação aos aposentados.
Nas contas de Rauen, o atual modelo previdenciário de Curitiba – sem levar em conta as propostas de mudança que tramitam na Câmara Municipal – só pode ser sustentável se houver quatro servidores na ativa para um inativo. Atualmente esta relação é de 2,3 trabalhadores ativos para cada aposentado ou pensionista.
Segundo a avaliação atuarial do sistema previdenciário de Curitiba, 25% dos servidores ativos já estão elegíveis para a aposentadoria. “Essa relação entre ativos e inativos está mudando rapidamente e logo vai se transformar em um para um. Isso é o fim da sustentabilidade do sistema previdenciário”, afirma.
Programação para repor funcionários
Além do desequilíbrio nas contas previdenciárias, a aceleração do ritmo de aposentadorias também tem efeitos sobre a prestação dos serviços públicos. Segundo Andressa Fochesatto, da direção do Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac), os reflexos dessa situação podem ser sentidos nas salas de aula das escolas municipais.
“Isso tende a causar um déficit nas escolas. Na medida em que essas aposentadorias vão saindo, a gente sabe que precisaria ter contratações para repor esses profissionais, mas a prefeitura até agora não sinalizou essas contratações”, diz.
Segundo a prefeitura, a aprovação do pacote de ajuste fiscal é fundamental para que Curitiba possa recompor sua sustentabilidade financeira “e assim promover os concursos necessários para substituição dos profissionais aposentados – o que será feito de acordo com a disponibilidade de recursos”. De acordo com o Executivo, esse processo já está em andamento, com o chamamento dos cerca de 700 profissionais para Educação.
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