O Instituto Pró-Cidadania (IPCC), parceiro da prefeitura de Curitiba em várias ações sociais há 34 anos, anunciou na tarde desta sexta-feira (23) que terá de encerrar as atividades. A entidade está sem comando e em grave crise econômica. Segundo nota intitulada “Carta aberta ao povo curitibano” (leia aqui), a comissão do Conselho Deliberativo do IPCC diz que o instituto “tornou-se inviável financeiramente”. O IPCC emprega 936 agentes comunitários de saúde, e apenas metade será incorporado aos quadros próprios da prefeitura.
A prefeitura, por outro lado, afirma ter pago todos os serviços que foram devidamente comprovados e diz que irá tomar as medidas cabíveis em relação ao IPCC.
O fechamento do IPCC também vai prejudicar a população vulnerável. Segundo a nota da entidade, eram feitos 500 mil atendimentos ao ano. Cerca de 600 instituições sociais deixarão de receber doações de alimentos, roupas, material escolar e de construção, entre outros.
Todos os 1.300 funcionários do instituto serão demitidos na segunda-feira (26). Segundo Isabel Kluger Mendes, do conselho deliberativo, a prefeitura é responsável por pagar as verbas rescisórias dos agentes comunitários. Na quinta-feira (22), a assessoria de imprensa da prefeitura havia reiterado que a responsabilidade era do instituto. Entretanto, uma reunião com representantes de todas as partes está agendada para o fim da tarde desta sexta-feira e em breve eles podem chegar a um entendimento. Estimativas do IPCC indicam que o custo de demissão dos agentes gira em torno de R$ 15 milhões.
Em relação aos funcionários administrativos, cabe ao IPCC arcar com os custos trabalhistas. Segundo informações do Sindicato dos Empregados em Entidades Sociais (Senalba), ainda não havia um plano de como isso será feito, já que a entidade alegava não ter recursos.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) também acompanha o caso. Segundo a procuradora Regional do Trabalho Mariane Josviak, há duas ações civis públicas em trâmite. Uma pede a validação dos testes seletivos feitos pela prefeitura para incorporar os agentes comunitários, e outra exige o pagamento de verba rescisória. “Soubemos que estava ocorrendo pressão para que as pessoas pedissem demissão. Mas o correto é ocorrer a demissão sem justa causa, para o devido pagamento das verbas rescisórias”, explicou Mariane.
O IPCC também gerenciava a Unidade de Valorização de Recicláveis (UVR) e o programa Leve Curitiba, de artesanato local. A entidade sustenta que a prefeitura de Curitiba deve cerca de R$ 16 milhões em repasses não feitos e pagamentos atrasados. A gestão de Rafael Greca nega os débitos e diz que todos os pagamentos em que houve gastos comprovados foram ressarcidos.
Veja o que diz a prefeitura de Curitiba:
A Prefeitura reforça que todos os convênios do IPCC foram encerrados no período de 2014 a novembro de 2016 e não foram renovadas pela gestão passada. Em função disto, desde 2014, os pagamentos de alguns convênios (como de agentes de saúde, catadores e a UVR) passaram a receber mediante a contraprestação dos serviços. Ou seja, o IPCC fazia os serviços e a Prefeitura reembolsava, após comprovação da execução do trabalho e da documentação em dia.
A atual gestão pagou todos os reembolsos, em que havia documentação correta e não faltava prestação por parte do IPCC. A Procuradoria Geral do Município vai adotar as medidas cabíveis, em relação à entidade.
Sobre os agentes comunitários de saúde, os agentes comunitários de saúde estão sendo incorporados ao quadro da administração pública, em consonância ao que preconiza a Emenda Constitucional 51/2006.
Dessa forma, seguindo o que abarca a legislação constitucional, 522 agentes comunitários que atuam hoje por meio do IPCC estão sendo convocados. Destes, 225 já foram chamados na última segunda-feira e outros 297 serão convocados no próximo dia 5 de julho. Os agentes convocados na primeira chamada serão incorporados ao quadro municipal até 25 de agosto e os agentes convocados na segunda chamada serão incorporados até 25 de setembro.
Importante esclarecer também que a prefeitura repassou ao IPCC a integralidade dos recursos a serem repassados aos agentes comunitários de saúde, para pagamentos de salários, plano de saúde, vale transporte, vale alimentação e recolhimento de FGTS. A SMS lamenta profundamente a situação pela qual os agentes comunitários de saúde passam neste momento, por conta das omissões do IPCC.
A Procuradoria Geral do Município atuará para que, durante essa transição até a incorporação dos agentes, os profissionais não sejam prejudicados e as atividades não sejam paralisadas. No futuro, outros profissionais podem vir ser a incorporados, medicante concurso público.
A respeito dos catadores e dos funcionários da UVR, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente informa que uma nova associação de recicladores deve ser formada para absorver os antigos trabalhadores da UVR. As tratativas estão em andamento e devem ser concluídas o mais rápido possível.
Enquanto isso, as 22 Associações de catadores de material reciclável que fazem parte do Ecocidadão já estão absorvendo o material antes tratado pela UVR.
Leia a íntegra da nota do IPCC:
Carta aberta ao povo curitibano
O Instituto Pró-Cidadania (IPCC) vem a público esclarecer que após 34 anos de atendimento às famílias em situação de risco e vulnerabilidade social na cidade de Curitiba, no dia 26 de junho de 2017 inicia um processo intenso de diminuição do quadro funcional da organização social. Todas as medidas para que isso pudesse ser evitado foram tomadas exaustivamente. No entanto, o Instituto tornou-se inviável financeiramente.
Com a demissão de 1.300 funcionários a partir desta segunda-feira (26), a cidade deixará de contar com o serviço de 936 agentes comunitários de saúde, que atendem 700 mil pessoas ao ano por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), previsto constitucionalmente no âmbito da Política Nacional de Atenção Básica – Programa Saúde da Família.
Além disso, a Unidade de Valorização de Recicláveis (UVR), modelo internacional na gestão de resíduos recicláveis que levou Curitiba a ser reconhecida como capital ecológica, encerrou suas atividades no início do mês de junho deste ano. Da eco indústria, 180 trabalhadores estão sendo desligados. A UVR, que acaba de completar 27 anos, processava 10 mil toneladas de lixo por ano e, com o resultado da comercialização dos recicláveis financiava projetos sociais desenvolvidos pelo IPCC e pela Fundação de Ação Social (FAS). Recebia por ano mais de 15 mil crianças e adolescentes que visitavam o Museu do Lixo que Não é Lixo e participavam de oficinas ambientais.
Ambos os convênios, do PACS e UVR, eram firmados entre IPCC e a Prefeitura de Curitiba que, além de não honrá-los integralmente desde meados de 2016, unilateralmente, decidiu pela não continuidade dos mesmos. O Instituto alerta que a paralização dos serviços dos agentes de saúde sobrecarregará o sistema de saúde do município, em um momento em que este já está enfrentando grande crise. Estima-se que 350 mil pessoas ficarão sem atendimento de saúde, se implantada a nova proposta sugerida pela Prefeitura.
No caso do fechamento da UVR, 50% do lixo que não é lixo de Curitiba, coletado pela Prefeitura, deverá seguir para aterro sanitário, onerando a população que já paga pela coleta e pela destinação do material que deveria ser reciclado e que pagará agora para que seja enterrado, o que significa, ainda, prejuízo ambiental.
Também nesse processo de demissões está previsto o desligamento de 100 funcionários da sede administrativa do Instituto Pró-Cidadania. Esses davam suporte ao trabalho do Instituto nos convênios, campanhas e projetos. Com o encerramento das atividades do IPCC, 500 mil atendimentos e mais de 600 instituições sociais deixarão de receber doações de alimentos, roupas, material escolar e de construção, entre outros, que atendiam a população vulnerável em momentos de dificuldades.
O IPCC também administra a rede de lojas Leve Curitiba, importante agente de desenvolvimento da economia criativa da cidade. Com o encerramento da rede, centenas de artesãos e pequenos produtores de souvenires deixarão de ter um local para escoar sua produção.
O IPCC afirma que todas suas contas são submetidas a auditoria independente e que, ao longo dos anos, jamais recebeu qualquer ressalva do Tribunal de Contas do Paraná. O IPCC reafirma sua firme disposição em abrir suas contas ao Ministério Público e à população curitibana a qualquer momento.
O IPCC ressalta que os 1.300 funcionários em processo de demissão estão saindo sem o pagamento de direitos trabalhistas e verbas rescisórias, pela impossibilidade do Instituto em fazer frente a essas despesas sem o repasse das verbas de rescisão de responsabilidade da Prefeitura. Todos os sindicatos das diferentes categorias empregadas pelo IPCC foram comunicados e estão cientes da situação. A dívida do Instituto soma R$ 5.869.230,93. O que a Prefeitura de Curitiba deve em repasses ao IPCC atinge R$ 25.737.000,00. A maior e mais antiga ONG do estado, que sempre se orgulhou em ser “especialista em ajudar” lamenta profundamente fechar suas portas e deixar desamparada à população em um momento tão crítico e obscuro do país.
Curitiba, 23 de junho de 2017. Comissão do Conselho Deliberativo do IPCC.
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