As investigações da Operação Quadro Negro – que apura um esquema de desvios de recursos de escolas estaduais – chegaram à prefeitura de Ponta Grossa, nos Campos Gerais. O Ministério Público do Paraná (MP-PR) instaurou inquérito civil para apurar se houve irregularidades em obras de três escolas – uma estadual e duas municipais – que eram executadas pela Valor Construtora. Em todos esses casos, as licitações e os contratos com a empresa foram gerenciados pela prefeitura.
O caso mais emblemático é o da construção da nova sede Escola Estadual Francisco Pires Machado, no bairro Cará-Cará. Orçadas em R$ 4,7 milhões, as obras estão paradas desde 2015, quando a Valor Construtora abandonou o empreendimento, três meses após a eclosão da Quadro Negro. O contrato com a empresa só foi rescindido em dezembro de 2016.
Apesar de se tratar de um colégio estadual, a obra foi gerenciada pelo município, por meio de um convênio entre a Secretaria de Estado da Educação (Seed) e a prefeitura, firmado em 2011, na gestão do então prefeito Pedro Wosgrau Filho (PSDB). Na instauração do inquérito civil, o Gepatria – grupo do MP-PR de proteção ao patrimônio público – destaca que uma das solicitações para que o convênio saísse do papel partiu do deputado Plauto Miró (DEM), investigado na Quadro Negro e apontado como beneficiário de R$ 600 mil em propinas que teriam sido pagas pela Valor.
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A licitação
A licitação para contratar a empresa que executaria a obra foi realizada em 2013 e, além da Valor, apenas mais uma construtora participou do certame. A outra empresa, no entanto, não compareceu à abertura dos envelopes com as propostas, o que provocou sua inabilitação. Desta forma, a Valor venceu o processo licitatório sem concorrência.
Segundo o Gepatria, ao longo do convênio, o governo do estado repassou efetivamente pouco mais de R$ 2 milhões à obra de construção da escola Francisco Pires Machado. Auditorias realizadas no empreendimento apontam que o equivalente a R$ 1,679 milhão foram executados (35,31% do valor do contrato). Deste total, R$ 1,516 milhão foram repassados à Valor Construtora, o que dá uma diferença de R$ 162,9 mil. Segundo a Seed, R$ 502,7 mil foram devolvidos aos cofres estaduais pela prefeitura.
O Gepatria pretende aprofundar o detalhamento da movimentação dos recursos empregados na obra e dos pagamentos à construtora. Um dos aspectos a serem investigados é se houve a liberação de repasses à Valor por meio de medições fraudulentas. Neste primeiro momento, o grupo de investigação solicitou informações ao Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) e respostas à prefeitura de Ponta Grossa e à Seed. Além disso, os promotores querem que as partes apontem se o convênio atingiu seus objetivos e que prestem informações quanto ao status da obra.
Escolas municipais
Além da Francisco Pires Machado, o MP-PR está de olho em outras duas obras em escolas municipais de Ponta Grossa, executadas pela Valor Construtora. O Gepatria justificou a necessidade de se investigar os contratos por causa do status de “inacabado” das obras e para verificar se houve liberação de pagamentos à construtora por meio de medições falsas – como ocorreu em outros casos investigados pela Quadro Negro.
Uma das intervenções diz respeito à reforma e ampliação do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Sophia Adamowickz, que estava orçada em R$ 794,8 mil. A licitação realizada em 2013 e também vencida pela Valor teve 31,53% do contrato executado, até que a construtora abandonasse as obras, em março de 2015.
Com a rescisão do contrato formalizada em setembro de 2016, a prefeitura de Ponta Grossa fez uma nova licitação, vencida por outra empresa. Conforme a placa afixada em frente ao CMEI, o custo da obra é de R$ 935,4 mil. De acordo com a administração municipal, as obras agora estão em andamento.
A outra escola municipal que passou a ser investigada é a Kamal Tebcherani. De acordo com o Gepatria, a licitação para a execução da obra – a construção de uma quadra poliesportiva – foi vencida pela Valor, que apresentou proposta de R$ 760 mil pelos serviços. As obras foram abandonadas, com apenas 32,62% dos serviços executados, segundo o documento que instaurou a investigação.
Segundo a prefeitura de Ponta Grossa, após a rescisão com a Valor, o município realizou uma nova licitação para concluir a obra. A nova empresa hoje executa os serviços por R$ 957,6 mil.
Outro lado
Sobre a Escola Estadual Francisco Pires Machado, o ex-prefeito de Ponta Grossa Pedro Wosgrau Filho disse que a participação do município se resumiu a ceder o terreno para que o colégio fosse construído. “O que a gente fez foi só a averbação do terreno. Estamos falando de algo que ocorreu há quase dez anos. Eu nem me lembrava que a licitação tinha sido feita pelo município”, disse. “[A obra] seguiu um projeto e uma tabela de preços do estado. Era uma obra do estado, não do município. Eu só doei o terreno”, completou.
A Seed informou que o convênio para a construção da Francisco Pires Machado chegou ao fim de seu prazo “sem cumprimento do objeto pactuado”. A pasta acrescentou que foi instaurado um procedimento administrativo de tomada de contas especial em desfavor do município, por inexecução do objeto do convênio. “A tomada de contas foi julgada procedente e encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná, aonde aguarda julgamento”, diz a Secretaria.
Por meio de sua assessoria, o deputado Plauto Miró reivindicou a construção da escola, assim como o fez com outras obras executadas pelo governo do Paraná em Ponta Grossa. “De fato, a construção da Escola Estadual Francisco Pires Machado é um pedido do deputado Plauto Miró. Assim como outros tantos que culminaram em grandes benefícios para a comunidade princesina. O principal, entre muitos, está o que culminou na implantação do curso de medicina da Universidade Estadual de Ponta Grossa e no Hospital Regional”, consta da nota.
Na ocasião em que teve seu nome citado na Quadro Negro, Plauto negou envolvimento com o esquema investigado e disse que aguardava com serenidade a conclusão das investigações.
A Quadro Negro
Deflagrada em julho de 2015, a Quadro Negro começou a partir de investigação deflagrada pela Polícia Civil. Posteriormente, com o aprofundamento das apurações e com indícios de participação de servidores do governo estadual, o caso passou a ser investigado por dois grupos ligados ao MP-PR: o Gepatria e o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Até então, os trabalhos se concentraram nos contratos da Secretaria de Estado da Educação com a Valor Construtora. De acordo com as investigações, mais de R$ 20 milhões foram desviados das obras de escolas estaduais, por meio do esquema. O dono da construtora, Eduardo Lopes de Souza, fechou colaboração premiada, em que apontou que o dinheiro abastecia a campanha de reeleição do governador Beto Richa (PSDB).
O delator destacou que o então superintendente de Educação, Maurício Fanini, esperava arrecadar R$ 32 milhões com os desvios relacionados à Valor. Além disso, Lopes de Souza apontou envolvimento da cúpula do governo estadual no esquema: o chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni (PSDB) e do deputados Ademar Traiano (PSDB) e Plauto Miró (DEM). Todos negam as acusações e desqualificam a palavra do delator.
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