Parte de todo dinheiro que os motoristas deixam nas praças de pedágio é culpa da corrupção – responsável também por rodovias não duplicadas e com buracos no Paraná. Essa é a constatação da força-tarefa da Lava Jato, que revelou como um esquema de quase duas décadas de pagamentos de propina fez com que os usuários fossem lesados de várias maneiras, para que empresas lucrassem mais e agentes públicos ficassem mais ricos.
Muitos sinais de que os contratos de concessão de rodovias no Paraná tinham problemas foram dados ao longo dos últimos anos, com base em estudos e auditorias. Mas nada disso foi capaz de interferir na escalada do valor das tarifas, que subiam num ritmo capaz de comprometer economicamente algumas regiões do estado. A justificativa foi, sempre, que a elevação de preços estava amparada em critérios técnicos.
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Quando a interferência da corrupção veio à tona
Foi só em fevereiro de 2018, quando a força-tarefa da Lava Jato apresentou as primeiras provas de que havia negociações escusas entre representantes do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e da Econorte/Triunfo, que a interferência direta da corrupção nas tarifas veio a público. Na época, a Operação Integração, 49ª fase da Lava Jato, indicava que os alvos de prisões e buscas e apreensões eram apenas uma concessionária, mas dava pistas de que algo maior estava por vir, apontando indícios de envolvimento das demais empresas.
Desde então, delações premiadas firmadas na sequência implodiram o sistema, de dentro para fora. O resultado foi a prisão, na Integração II, deflagrada na quarta-feira (26), dos presidentes de todas as concessionárias que atuam no sistema estadual de pedágio.
Os relatos de participantes do esquema indicam uma teia de pagamento de propinas, em troca de facilidades e acordos, que remonta a 1999. Essas negociações teriam interferido diretamente nas tarifas e na qualidade das rodovias, a partir do afrouxamento da fiscalização e da exclusão de obras.
Aditivos foram autorizados
As concessionárias conseguiram que o DER autorizasse vários aditivos contratuais que aumentaram os preços. O primeiro foi em 2000, mas ano passado ainda aconteceram mudanças que alteraram as regras do sistema. Todos, sem exceção, beneficiaram as empresas, atendendo a demandas apresentadas por elas.
Um dos aditivos, por exemplo, autorizou o aumento da tarifa praticada pela Econorte em quase 25%. Com isso, a empresa passou a praticar os preços mais altos do Paraná – em rodovias de pista simples. Para veículos de passeio, o valor chega a R$ 22. Também outros pontos do estado têm preços na mesma faixa, como o percurso entre Curitiba e o Litoral, que custa R$ 19,40. Ainda não é possível saber quanto desse valor é culpa da corrupção, segundo a investigação.
De acordo com a Lava Jato, uma das formas que lesou os usuários das estradas foi a criação de empresas para prestar serviços e fazer obras, por valores superfaturados. Assim, esses custos eram incorporados ao preço do pedágio.
A estimativa da investigação é de que as propinas, ao longo de quase duas décadas, somaram R$ 50 milhões (em valores ainda não corrigidos pela inflação). Esse dinheiro saiu da arrecadação da tarifa.
Corrupção pressionou os preços
Como a Gazeta do Povo publicou em diversas reportagens, não é possível comparar os valores praticados no Anel de Integração e o pedágio federal, nas BRs 116, 101 e 376 – nas ligações de Curitiba com São Paulo, Florianópolis e Lages (SC). Foram feitos em momentos e com regras muito diferentes, que interferem diretamente no preço. Contudo, a investigação apontou que, ainda que as tarifas tenham sido calculadas em condições distintas, a corrupção no sistema paranaense pressionou os preços.
Outro fator que pesa em desfavor dos usuários é a exclusão de obras ou o adiamento para o fim do contrato, com vencimento em 2021. A Gazeta do Povo também mostrou vários desses exemplos, como a supressão da duplicação da PR-407 e o Contorno de Campo Largo, que foi trocado pela protelação da obra na PR-151, entre Piraí do Sul e Jaguariaíva. Antes disso, aditivos contratuais em 2000 e 2002 tiraram das empresas a obrigação de fazer várias obras.
Também aconteceu de os investimentos ficarem concentrados no fim da concessão – tanto que faltam 156 quilômetros de duplicações, a serem executados nos próximos três anos, fora os quase 200 quilômetros que estão em construção.
Outro lado
A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), que representa as empresas do setor, informou que está contribuindo com as autoridades e fornecendo todas as informações necessárias.
A defesa do ex-governador Beto Richa apontou que o candidato ao Senado “segue confiando na Justiça e tem a certeza que o devido processo legal provará sua inocência”. Também afirma que nunca “foi condescendente com desvios de qualquer natureza e que é o maior interessado na investigação de quaisquer irregularidades”.
Em nota, a Agepar informa que “as denúncias feitas por meio da operação Integração II se referem a condutas individuais imputadas a agentes e não podem ser consideradas como elemento que comprometa o trabalho da Agepar enquanto instituição reguladora”. A agência comunica que está tomando conhecimento de todo o processo e se pronunciará em momento oportuno.
A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SEIL) e o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR) informaram por nota que estão colaborando com a Lava Jato. “Desde abril de 2018, ambos os órgãos estão sob nova direção, que não toleram práticas de corrupção. O ex-funcionário do DER-PR Aldair Wanderley Petry, aposentado em 2014, foi exonerado do cargo em comissão na SEIL no último dia 1º de maio”, diz a resposta.
A Triunfo Participações e Investimentos reiterou em nota que sempre “contribuiu de forma transparente com as investigações ligadas à Companhia e suas controladas”. A companhia continua à disposição para prestar os esclarecimentos necessários, diz o texto.
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A empresa ainda apontou que “tem capital aberto (...) e suas demonstrações financeiras são auditadas trimestralmente por auditoria independente”. Ainda apontou que a “Econorte cumpriu 100% dos investimentos previstos no contrato de concessão”. “O lucro da empresa correspondeu a 14% da receita apurada no período. Já a taxa de retorno prevista no plano de negócio inicial da concessionária foi de 16,95%, e não entre 18% e 22% como foi informado”, diz a nota.
A empresa prosseguiu apontando que “as tarifas foram impactadas, entre outros fatores, pela redução em 50% de forma unilateral pelo governo em 1998, pelos atrasos recorrentes no reajuste anual previsto no contrato de concessão entre 2003 e 2010, e principalmente pelo subsídio dado às tarifas de caminhões que perduram até hoje (são menores que as tarifas dos carros)”. ”Os aditivos ao contrato de concessão da Econorte foram aprovados pelo corpo técnico do DER, por órgãos colegiados da Agência Reguladoras e validados por agentes externos, no caso do 4º aditivo pela FIA”, continua a Triunfo.
O governo do estado apontou que “a governadora Cida Borghetti determinou a imediata exoneração de todas as pessoas que ocupam cargos em órgãos do Estado e foram alvo de prisão ou de mandados de busca e apreensão”. Além disso, o governo “determinou que todos os órgãos do Estado prestem total colaboração com as investigações em curso, e que a Divisão de Combate à Corrupção, criada em abril, acompanhe e auxilie no trabalho realizado pelos órgãos federais.
Ainda por nota, a administração estadual aponta que “determinou à Controladoria Geral do Estado a imediata instauração de um processo administrativo contra todos servidores públicos – efetivos e comissionados - citados na investigação”.
O advogado de Luiz Abi Antoun, Anderson Mariano, apontou que seu cliente está em viagem ao Líbano, com autorização da Justiça Estadual, e deve retornar em outubro. O advogado se disse surpreso com a operação e aponta que ainda não teve acesso à decisão de prisão de seu cliente.
A defesa do ex-secretário de Estado de Infraestrutura e Logística José Richa Filho informa que o investigado nunca foi chamado pela Polícia Federal para esclarecer quaisquer fatos atinentes à operação realizada. O processo tramita sob sigilo na 23ª Vara Federal e, apesar de requerido pela defesa, até o momento, não se obteve acesso aos autos. O ex-secretário seguirá colaborando com a Justiça e confia que sua inocência restará provada na conclusão do processo.
A Viapar afirmou que “sempre cumpriu todas as regras legais” e que “está comprometida em atender ao contrato de concessão, de forma ética e transparente”. A empresa também disse estar à disposição das autoridades públicas para auxiliar nos esclarecimentos necessários para a elucidação dos fatos. Em nota, a concessionária disse que “irá se pronunciar prontamente junto às autoridades” assim que se inteirar totalmente dos autos.
A Ecovia e a Ecocataratas informam que “estão colaborando plenamente com as autoridades”. As concessionárias apontaram que têm “compromisso com a transparência e a ética em todas as suas relações profissionais”.
A CCR (Rodonorte) informou que tem contribuído com as autoridades no sentido de esclarecer todos os pontos pertinentes à questão em curso e disse permanecer à disposição para quaisquer outros esclarecimentos. A empresa ainda apontou que “em fevereiro último, quando surgiram denúncias envolvendo o Grupo CCR, o Conselho de Administração da companhia imediatamente constituiu um Comitê Independente para conduzir investigação de todos os fatos relacionados”.
Segundo a CCR, os trabalhos do Comitê Independente estão adiantados e, assim que concluídos, seus resultados serão reportados ao Conselho de Administração e autoridades.
A Caminhos do Paraná disse lamentar o ocorrido e considerar a prisão desnecessária, pois “tem prestado os esclarecimentos necessários e jamais negou colaboração”. A empresa defendeu José Julião Terbai Junior e Ruy Sergio Giublin, presos na operação, apontando que “possuem reputação ilibada ao longo de mais de 30 anos de atuação no setor de engenharia, no Brasil e no exterior”. A Caminhos do Paraná também disse estar colaborando com as investigações.