Naquela tarde de 9 de outubro de 2007, o setor de concessão de rodovias sentiu um solavanco. Estava em jogo quem faria obras e cobraria tarifa em algumas das estradas mais importantes do país, no bojo do pacote da segunda geração de pedágios federais. Surgia no cenário nacional uma empresa que, por mais que fosse conhecida pela atuação em outras partes do mundo, era novidade no Brasil: a espanhola OHL. O processo licitatório terminou com um deságio considerado aviltante pelos concorrentes – que contestaram o resultado em todas as arenas possíveis. Ganhou força, à época, o discurso de que aquilo não podia dar certo. De que a concessionária não daria conta – quebraria ou não cumpriria as obrigações de contrato.
O tempo mostrou que havia um pouco de exagero, mas também muita sabedoria naqueles comentários. Os contratos mudaram de mãos – a OHL vendeu o controle acionário, virou Arteris e se transformou na maior empresa do ramo no país, administrando 3,2 mil quilômetros – muitas obras deixaram de ser feitas (ou atrasaram por anos a fio), mas a concessão segue vigente. Dez anos se passaram e os especialistas consultados pela Gazeta do Povo são unânimes em concordar que o pacote de 2.ª geração reconfigurou o setor no Brasil. Em nível nacional, foi uma injeção de ânimo no mercado de infraestrutura rodoviária, depois de muitos anos de estagnação, apontando para projetos de longo prazo.
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No Paraná, principalmente, foi um impacto de dimensões políticas e financeiras. Em meio à batalha que é travada no estado desde 1997, pedágios mais baratos levaram automaticamente a comparativos. Mas os modelos são tão diversos que a comparação soa desproporcional: os contratos federais feitos em 2007 contemplam rodovias duplicadas, com fluxo intenso de veículos e surgiram em um cenário político, técnico e econômico muito diferente daquele vivenciado em 1997, nas concessões feitas pelo governo do Paraná. Apesar de serem incomparáveis entre si, os modelos passaram a ser analisados pela perspectiva do usuário das rodovias, habituado a reclamar dos valores mais caros praticados no Anel de Integração no Paraná.
À época da licitação da 2.ª geração de contratos federais, os preços anunciados impressionavam. Para cada praça, a cobrança para veículos de passeio ficou em R$ 1,03 na ligação entre Curitiba e Florianópolis, em R$ 1,36 no trajeto entre Curitiba e São Paulo e em R$ 2,54 no percurso entre Curitiba e Lages (SC). De lá para cá, os preços aumentaram bastante – mais de 100%. Hoje são, respectivamente, R$ 2,60, R$ 3 e R$ 5,60. Mesmo com os reajustes, as tarifas dos contratos federais ainda ficam bem abaixo dos preços praticados nos pedágios do modelo estadual. Na comparação por eixo de veículo, a cada 100 quilômetros, o valor é quatro vezes mais caro no Anel de Integração.
Obras
Além de críticas pontuais à qualidade do pavimento – que demorou a melhorar e foi alvo de multas pelo governo federal –, o ponto negativo da primeira década de concessões foi o atraso nas grandes obras previstas: a duplicação da Serra do Cafezal, na BR-116, entre Curitiba e São Paulo e o contorno de Florianópolis, na BR-101. Contudo, em 2012, quando as obras já deviam estar prontas, de acordo com a previsão de contrato, elas não tinham nem sequer sido iniciadas. Problemas com licenciamento ambiental, desapropriações e outras alterações de projeto, como mudanças de traçado, foram alegados para justificar a demora. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) chegou a ameaçar de rompimento de contrato. Agora, contudo, os projetos seguem em ritmo acelerado. Parte das obras foram entregues e a previsão é de que a duplicação completa da Serra do Cafezal seja concluída até o final de 2018 e que o Contorno de Florianópolis esteja pronto em dezembro de 2019.
Aproveitando a possibilidade estabelecida em contrato, as concessionárias negociam a inclusão de novas obras. O trajeto entre Curitiba e Lages (SC) pela BR-116, por exemplo, pode ganhar mais 78,8 quilômetros de duplicações – atualmente, só o percurso até Mandirituba é em pista dupla. Nos demais trechos de concessões federais no Paraná, o processo para ampliação do cronograma de obras está centrado em terceiras faixas, marginais e alças de acesso. Estão sendo reavaliados e projetados, neste momento, as metas para os próximos 15 anos de contrato.
Análise
João Arthur Mohr, consultor de infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), destaca que, apesar da previsão de poucas obras à época da licitação, os contratos federais de 2.ª geração alteraram profundamente o setor de concessões de rodovias. Primeiramente, pela entrada de empresas estrangeiras no mercado nacional, que teriam significado, naquele momento, que o modelo passava a ser interessante para o capital internacional. Para o consultor, o ponto negativo é a previsão de poucas obras. “A gente já está com alguns gargalos”, diz. Desde que acompanhados de discussão com a comunidade e muita transparência, os projetos de ampliação no caderno de obras são vistos como vantajosos por Mohr. Ele frisa que o setor de logística rodoviária vai se modificando e vão surgindo novas demandas que não foram previstas inicialmente. “A implantação de uma grande indústria, por exemplo, pode alterar substancialmente o perfil de tráfego num lugar”, comenta. Para ele, alguns trechos já são problemáticos atualmente e não seria saudável esperar o fim do contrato, em 15 anos, para projetar novas obras.
Para João Chiminazzo Neto, diretor regional da Associação Brasileira de Concessões de Rodovias (ABCR), o tempo mostrou que as dúvidas sobre a capacidade dos vencedores da licitação eram “imprecisas”. “Eles analisaram o fluxo de veículos muito maior do que a maioria das rodovias e perceberam que poderiam ganhar em escala”, afirma. Para reunir informações para este texto, a Gazeta do Povo também entrevistou um técnico que atuou na ANTT à época da realização do contrato e que preferiu não ser identificado. A ANTT foi procurada pela reportagem, mas até o fechamento desta edição não se pronunciou sobre o assunto.
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