Outro investigado pela Operação Quadro Negro afirma que a próxima fase do esquema que desviava dinheiro da reforma e construção de escolas no Paraná atingiria o fornecimento de merenda aos alunos da rede estadual. A narrativa já havia aparecido no depoimento de Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor Construtora. Agora, foi mencionada também na proposta de delação premiada apresentada pelo ex-diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Secretaria de Educação (Seed), Maurício Fanini.
A proposta de colaboração com a Justiça – que foi revelada no começo de junho pelo Paraná TV 1ª Edição, da RPC TV – tramita na 9ª Vara Criminal de Curitiba. Souza, por outro lado, teve a delação homologada pelo Supremo Tribunal Federal ainda no ano passado.
De acordo com ambos, o caminho para expandir o esquema de desvio de dinheiro era a indicação de Fanini para a presidência da Fundação de Desenvolvimento Educacional do Paraná (Fundepar), autarquia vinculada à Seed. Entre as atribuições da Fundepar está, justamente, coordenar a alimentação e a nutrição nas escolas do estado. Atualmente, a merenda não é terceirizada (veja como funciona).
Segundo o depoimento de Souza, os desvios realizados no primeiro mandato de Beto Richa (PSDB) como governador do Paraná eram uma espécie de “investimento”. Assim, no segundo governo do tucano, o esquema seria ampliado.
“O Fanini me chamou e falou para mim: ‘Eduardo, não vamos mexer só com obras, você vai cuidar para mim da merenda também. Você vai acertar com os empresários da merenda, você vai ser meu cara’”, afirmou o dono da Valor em depoimento.
Em sua proposta de delação, Fanini dá mais detalhes sobre o assunto. De acordo com o ex-diretor, em fevereiro de 2015 houve uma reunião entre ele, a então secretária de Administração do estado, Dinorah Portugal Nogara, e o empresário Carlos Henrique Gusso, um dos sócios do grupo Risotolândia e membro da diretoria da empresa, para tratar do assunto. O encontro teria acontecido na sala da secretária no Palácio das Araucárias.
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O ex-diretor afirma, na proposta de delação, que a intenção era terceirizar a merenda escolar nas escolas estaduais. Durante a reunião, segundo Fanini, teria ficado subentendido que, nesse caso, quem venceria a licitação seria a Risotolândia.
Em nota enviada à reportagem, a Risotolândia confirmou a reunião, mas disse que ela foi apenas “uma conversa de apresentação sobre as vantagens da terceirização da merenda”. Já Dinorah Nogara nega que o encontro tenha ocorrido e diz que nunca foi próxima de Fanini.
Conversa sobre a prisão
Esta não é a única passagem em que o empresário Carlos Henrique Gusso, da Risotolândia, é citado na proposta de delação de Fanini. O ex-diretor da Seed aponta para uma relação próxima entre Gusso e o ex-governador Beto Richa. Ambos moram no mesmo prédio – e, de acordo com a proposta de delação, foi no apartamento do empresário que Fanini encontrou com Richa quando soube que seria preso.
“O declarante foi procurar o governador e o porteiro do prédio disse que ele estaria no apartamento de baixo, de propriedade de Carlos Gusso, e que ao interfonar neste apartamento o próprio Carlos atendeu e negou a presença do governador ali”, afirma o texto. Minutos depois, entretanto, a mulher de Fanini, Betina, tentou contato com a então primeira-dama Fernanda Richa.
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Fernanda não teria atendido inicialmente mas, depois, teria retornado a ligação e pedido para que Fanini e Betina subissem até o apartamento de Gusso. A partir daí, segundo a proposta de delação, Richa e o ex-diretor ficaram conversando a respeito da prisão deste no âmbito da Operação Quadro Negro, que aconteceria dias depois. Na ocasião, o tucano teria dito que Fanini ficaria poucos dias preso, “apenas para dar uma satisfação à imprensa e à opinião pública”.
Fanini foi libertado após dez dias. Entretanto, em setembro de 2017, ele foi preso novamente. Saiba mais sobre a derrocada do ex-diretor, de amigo de Richa a “traidor”, clicando aqui.
Em nota, Gusso nega que Fanini tenha encontrado Richa em seu apartamento.
Relação próxima
O empresário Carlos Henrique Gusso é citado na proposta de delação, ainda, em outras duas ocasiões. Em uma delas, ele teria sido um dos anfitriões de um jantar para comemorar a vitória de Richa nas eleições para governador do estado. A festa, com cerca de 150 convidados, contava, também, com a presença de outros empresários.
Além disso, Fanini aponta que Gusso participou de uma viagem para os Estados Unidos e para o Caribe junto com o ex-governador. Na ocasião, o empresário teria presenteado o tucano com um colete da “marca mais cara do mundo”, a Loro Piana, segundo o relato do ex-diretor da Seed.
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Em 2015, Gusso participou, oficialmente, da comitiva do Executivo estadual que viajou para a Rússia, a China e a França. A viagem causou polêmica por conta de uma “parada técnica” feita pelo governador em Paris. Richa foi condenado pela Justiça a devolver o dinheiro gasto com a estadia na capital francesa, que incluiu hospedagem no hotel cinco estrelas Napoléon. O cálculo do MP-PR estipulou o montante a ser devolvido em R$ 24 mil
Na nota enviada à Gazeta do Povo, Gusso afirmou que realizou as viagens porque é amigo pessoal de longa data de Richa, mas que nunca viajou com Fanini. Negou ainda que o colete tenha sido um presente dado por ele. O empresário disse também que a festa oferecida após as eleições foi uma “celebração entre amigos” e que não foi promovida por ele.
Contratos e doações de campanha
A Risotolândia alega que o atendimento com merenda escolar ao município de Curitiba iniciou em 1998, “já de acordo com todas as regras exigidas em processos licitatórios”.
Durante o mandato de Beto Richa na prefeitura, porém, a empresa venceu concorrência para fornecer a merenda na rede municipal de ensino em 2009, e teve o contrato prorrogado até 2015.
Já no governo estadual, a Risotolândia é uma das fornecedoras da alimentação para os presos nas penitenciárias do Paraná. Em 2015, seis acordos com a empresa, além de mais dez com outras companhias, foram renovados pela Secretaria da Segurança Pública sem a realização de uma nova licitação. Mais informações sobre o contrato podem ser encontradas nesta matéria . Em sua defesa, a empresa afirma que os contratos seguiram o processo “legal e comum”.
Além disso, de acordo com as prestações de contas disponibilizadas no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o grupo fez doações para a campanha de Richa nos dois pleitos em que ele venceu a disputa pela prefeitura da capital. Em 2004, foram R$ 9,9 mil destinados pela empresa ao Comitê Financeiro da campanha do tucano. Já em 2008 o valor cresceu, e passou para R$ 35 mil. Veja detalhes sobre as doações, retirados do site do TSE, em 2004 e em 2008.
A empresa nega ter feito as doações em espécie, dizendo apenas que se trataram de serviços de alimentação in natura prestados à campanha do tucano. “É em razão da forma de escrituração que o fornecimento de refeições mencionado aparece como sendo um valor em dinheiro”, diz em nota.
Nas eleições em que Richa concorreu a governador, em 2010 e 2014, a Risotolândia não realizou mais doações para a campanha do tucano, de acordo com as informações disponibilizadas pelo TSE. Em 2014, entretanto, o próprio Gusso, como pessoa física, destinou R$ 5 mil para a campanha do ex-governador. Veja os detalhes da doação no site do tribunal.
Como funciona a merenda
Atualmente, a merenda fornecida pelo governo estadual para os alunos da rede pública não é terceirizada. Quem gere o serviço é a Fundepar, que faz pregões e chamadas públicas para selecionar empresas que forneçam alimentos no Programa de Alimentação Escolar e na Chamada Pública da Agricultura Familiar.
No primeiro caso, participam 28 empresas. Já no segundo são 144 associações e cooperativas contratadas pelo governo. Nenhuma delas é a Risotolândia. De acordo com a Fundepar, não existe qualquer perspectiva de terceirizar o fornecimento da merenda escolar no estado.
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Outro lado
O ex-governador Beto Richa (PSDB) afirmou, em nota, que a proposta de delação de Fanini é uma “tentativa desesperada (...) que não será aceita pela Justiça”. Além disso, ele afirma que o ex-diretor da Seed “mente descaradamente” e que a delação não tem provas. Leia a íntegra da nota aqui.
A defesa de Maurício Fanini afirmou que não se manifestaria sobre o assunto.
Já a Risotolândia informou, em nota, que o presidente da empresa, Carlos Antônio Gusso, “nunca viajou ou teve contato com o ex-diretor da Seed, Maurício Fanini”. Disse, ainda, que o empresário Carlos Henrique Gusso realizou as viagens porque é amigo pessoal de longa data de Richa. A nota diz, também, que a reunião na Secretaria de Administração foi apenas “uma conversa de apresentação sobre as vantagens da terceirização da merenda”.
Ainda segundo a Risotolândia, a renovação dos contratos para o fornecimento de alimentos para os presos do Paraná seguiu o processo “legal e comum”. A empresa nega, por fim, que tenha feito doações às campanhas de Beto Richa.
Carlos Henrique Gusso afirmou, em nota, que Fanini não encontrou o ex-governador Beto Richa em seu apartamento. Disse, ainda, que a festa oferecida após as eleições foi uma “celebração entre amigos” e que não foi promovida por ele. A nota diz, por fim, que o presente mencionado por Fanini não foi oferecido pelo empresário, mas sim por outra pessoa.
Dinorah Portugal afirmou que não se lembra de ter participado da reunião mencionada por Fanini. Disse, ainda, que eram realizados, apenas, estudos técnicos sobre o preço da alimentação. Ela classifica a história narrada pelo ex-diretor como “absurda” e diz que nunca foi próxima de Fanini.
A Secretaria da Educação afirma que “foi a primeira a investigar os indícios de disparidades em medições de obras de escolas”. Informou, além disso, que seus departamentos de auditoria e de controle interno foram reforçados após o episódio.
A Fundepar não quis se pronunciar sobre o assunto.
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